terça-feira, 4 de setembro de 2007

Carta

Saudade, essa palavra tão nossa. No plural dá saudades, saudades… Tantas. Tentei perceber o que era impossível até que desisti sabes? Também sabes que nunca fui pessimista e que gosto de gozar com eles, muito, aliás, gostamos.

Foi por isso que no Domingo me voltei a deitar com um sorriso nos lábios, um sorriso de quem pensa que viveu numa espécie de pesadelo acabado de terminar. A falta. A falta de tudo, de um simples olhar, de um sorriso, de um riso, da maneira como gritavas "Bétô", mais que isso tudo a falta das palavras, das tuas palavras, das nossas palavras, do código. Lembras-te do código? Nesse dia ao voltar a falar contigo fiquei um eu mais feliz, feliz por gostares do anormal, feliz por ver aquela foto que sei bem quando e onde foi tirada. Feliz por lembrar aquela noite, aquela manhã… Assim, só. Feliz. E cheio de esperança.

Segunda era outro dia, primeiro dia, primeiro exame, sem qualquer tipo de esperança de te ver. Não imaginas como fiquei quando sem estar à espera te vi ali, no lugar onde já devia ter procurado, encontrei de novo o teu sorriso, houve quem dissesse que tinha encontrado também o meu. Nesse dia de manhã passava na rádio uma música do Sérgio, sim, acordei a ouvir “o primeiro dia”. Primeiro dia de um novo ano, um novo começo pensei… Chegado à noite faço o balanço, fiz também o jantar ontem, exame para 20 e um belo sorriso, bom dia, pensei.

Sabes como acordei hoje? Acordei com uma “canção simples”, lembrei-me de ti, meia hora depois passou novamente no autocarro. Não mandei a mensagem que escrevi, não por pensar duas vezes mas porque me perdi no tempo e esqueci de carregar na tecla (acontece-me muitas vezes). Vou para o sitio do costume e tento estudar, não consigo, dou voltas a pensar no que hei-de escrever na folha em branco estendida à minha frente (tenho escrito muito nestes dias…) até que recebo aquela mensagem. Fico branco, ofereço o abraço que recusas e lembro-me de ir à tua procura. Ando os 200 metros até à loja, vejo a Raquel ao longe e volto costas, afinal tinhas dito que não querias… Dou voltas a mim, voltas à cabeça, voltas aos papeis que tenho na mesa tal qual o velho carrancudo que se costumava sentar perto de nós. Estendo a mão, eu estendo sempre a mão, não a queres agarrar, pergunta-me o mano como é amanhã, não lhe conto de ti. Almoço no bar que não é nosso porque dei parte de fraco sem ainda te ter explicado porquê, o dono é um pouco estranho mas está lá uma senhora simpática. Almoço, fino, fino, fino, exame. Correu mal, sim. Acabo e estendo a mão outra vez, ando duas horas às voltas à cidade, não sem antes ter pintado a minha de negro. Negro como eu. É assim que me sinto desde o dia em fiquei sem poder pensar, o dia em que a vida mudou. Bela semana que tive, que tivemos, acho. Adorei aquele dia, aqueles dias, a viagem por caminhos perdidos, a chegada, a noite, o teu acordar… Adorei ver-te chegar perdida dias depois à Figueira, adorei ver a tua cara quando apareci com as flores. “És doido” disseste, ”És louco” disseram os outros, três horas de viagem e cinco quilómetros a pé só porque me apeteceu, por ti, porque sabia que ia ver aquele sorriso e o raio laranja nos teus olhos, porque sabias que era capaz de partir e ir onde fosse preciso, mas ainda não sabia que o faço também por ti, sabes agora porque o fiz. Não podes imaginar o que aconteceu à minha alma naquele dia em que não apareceste, em que não deste noticias, em que não me falaste. O egoistazinho de merda que só queria ouvir um “tou bem”. Depois veio a doença, as batas brancas, o medo. Apareceu quase ao mesmo tempo a menina de quem ainda não te falei, perdida em liliput, sem conhecer ninguém, acontece que por estes lados as pessoas vêm tudo a dobrar e o que eram estúpidas conversas tornaram-se horas de namoro… Imagina lá o que foi o dia em que a deixei em casa. Mais um dia, mais um pouco de escuro, uma despedida, mais uma, se calhar sem regresso e por isso não fui a Mirandela, nem estive na despedida, nem fiz merda nenhuma porque estava entre uma chegada e uma ida para o hospital que detesto. Negro, negro demais.

E finalmente, depois de meses a imaginar-nos aos saltos a ouvir Aquela música eis que tudo deixa de fazer sentido. Não percebo nada de nada sabes? Porque é que está tudo a acontecer assim, nada parece fazer sentido. Quero sentar-me contigo a ver as estrelas e a falar, quero tanto falar, quero tanto dizer o que não cabe aqui. Quero tanto que fales, que me contes a história que há tanto prometes, que chores… Nunca te vi chorar. Vai, vai comigo, vamos ser felizes por dois dias, esquecer o negro e a morte e a doença e tudo naquele lugar lá longe do tempo. Vem!

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