quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Cacos

O barulho é imenso e a mente como que fica demente demais, refém de todo o ruído que dança à volta. Na rua os cacos vão sendo amontoados num qualquer pedaço de chão. 

Cacos. Só isso. Sem forma nem ser nem nada. Pedaços de loiça e vidro e barro e papel e gente... Tudo misturado e abandonado num pedaço de chão ao fim da rua.

Cheira mal a rua, cheira a cebolas podres. Mas não há cebolas à vista.

Ao fundo há um homem quase sem vida que se acha capaz de tornar a ver o chão que já foi praça e depois estrada e depois passeio pintado a pedras de calçada e que agora é só um qualquer pedaço de chão ao fundo da rua onde está um monte de cacos. Acha-se capaz também de transformar os cacos em coisas e algumas dessas coisas em gente. Chamam-lhe louco, alguns, quando o vêm a vasculhar o monte em busca daquela rodinha laranja que falta para completar o olho da boneca que até já tem nome. Ri-se de todos, e de si mesmo, ao olhar a grande lata de cola pousada mesmo ao lado das linhas e agulhas, haveres de um ser que nem sabe bem o que é. Ri-se e continua. Sem pressa nem grandes porquês. 

O monte cresce, dia após dia, "mas um dia há-de não mais existir". 

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