sábado, 28 de junho de 2008

(...)


Pecados mil
Cem prazeres vãos
Tenho bolhas nos dedos
Tenho calos nas mãos é ele que me chama
Se o bem corre perigo
Ou eu acabo com este
Ou este acaba comigo
Não
Não
Não posso ser eu
Não
Não
Não me deixam ser eu
Mas então
Quem é que eu vou ser?
Quero uma última vontade antes de nascer!...
Quero ser pouco
Ou quero ser rouco
Ou um pedaço de merda
Quer ser um pouco de gente
Eu imploro
Quero ser igual…
Depois das lágrimas
Do arrependimento
Surge a raiva que a não leve o vento! Mas eu sei cantar
Da minha maneira
E pelo que eu creio
Canto a noite inteira Mas eu sou bom
Eu perdoo tudo
Por vontade deles
Eu seria mudo
Quero ser muito
Quero ser tudo
Estar só
É tudo o que eu quero
Agora…

Manel Cruz, "Eu"

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Rádio

É quente a tua mão, ainda mais que leve. E faz-me falta nos dias em que quase chove e nas noites sem sono e nas tardes de sol e nas viagens sem destino. Porque há canções simples que continuam a fazer-se ouvir. Porque sim!

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Janela


Porque a(s) vida(s) não tem(êm) que ser sempre cinzenta(s)...

terça-feira, 24 de junho de 2008

Morfina

Há quem se esvaia em sangue, há quem perca pedaços de si em dias que de bom pouco têm. Depois sobra o vazio e o espaço onde já ouve um bocado de perna e um pé.

E sobra tempo no branco. Paredes brancas, batas brancas, ideias em branco.

E se...?

Cordas

sábado, 21 de junho de 2008

Ouvi dizer

Ouvi dizer que para lá do azul do céu, por cima das núvens, mesmo ao lado da fábrica de impossíveis há um velhote que passa os dias sentados a matar o tempo. Uns pózinhos mágicos e as horas passam ao ritmo do algodão doce que vai tomando forma em volta do pau. Algodão doce, como os sorrisos. Ainda me lembro do tempo em que os sorrisos eram de algodão, do tempo em que trazias doces na mão... Ainda me lembro.

Ouvi dizer que lá longe as paredes são de vidro, como muitos dos tectos cá em baixo, e nos dias em que a luz do sol brilha forte demais, os vidros transformam-se em espelhos, espelhos daqueles que não há cá em baixo, espelhos onde se reflectem as almas abertas por um abraço bem quente.

Ouvi dizer que, depois, nos dias em que chove muidinho se fazem grandes festas, festas quase tão grandes como aquelas dos dias em que chove bem forte, mas mesmo assim pequenas quando comparadas às outras, as que acontecem sempre que cai do céu mais uma estrela em mil pedacinhos de luz incandescente.

Ouvi dizer que as ruas vão todas dar a uma grande praça e que a praça fica de frente para o mar e que, lá longe, o mundo tem um girar diferente. Então o sol nasce no mesmo sitio onde se pôe. E todas as semanas há um dia em que o sol se limita a não aparecer, como aqui acontece com a lua. Diz-se por lá que às vezes é preciso sentir falta, para dar valor...

Gostava de lá ir um destes dias. Hoje as portas já fecharam. Ouvi também dizer que o mundo acaba amanhã...

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Já deu

Em tons de amarelo, toca já quase velha canção, "Yellow", "look how they shine for...".

E já há lua e estrelas e céu. Ainda há um par de dias caía a chuva e as folhas com ela. Só algumas que as outras lá ficaram penduradas qual guarda chuva gigante...

Na rotunda larga os carros continuam a passar como se nada fosse, passavam há uns anos também, enquanto lá longe em Srebrenica as valas iam ficando um pouco mais cheias de corpos sem gente dentro.

Acabou de nascer uma violeta plantada numa terrina...

Óbvio?

"A lei da gravidade para animais domésticos tem variações que exigem o devido estudo porque, se os bichos caem todos à mesma velocidade - o aceleramento é constante e independente do peso do animal -, já a altitude determina a forma como ele aterra.

Do quarto andar o pior que acontece ao gato é partir a pata da frente ou fender o palato e expirrar um pouco de sangue ao bater com o queixo no chão. Mas, por exemplo, se um bichano cair do primeiro andar ele poderá, incrivelmente, os veterinários confirmam-no, partir a espinha e morrer ou ficar paralítico, o desgraçado, por não ter tempo de se virar por inteiro, o que é estranho, ou por fazer mal as contas e dar meia volta a mais. No entanto, do segundo andar e do quarto andar não lhes acontece nada. O intrigante fenómeno de uma queda mais alta ser menos perigosa levou o Raúl da Casa Azul a postular a seguinte hipótese:

- E se a queda segura de um gato for uma constante de andares de número par?

...

O certo é que um dia o Cubano, farto dos gatos, alterou o seu campo de estudos para os cães. Deixou cair um cãozinho de patas para o ar, do quarto andar para o pátio, e o rafeiro não se virou e morreu.

- Conclusão, cão não é gato.

O animal fez um barulho seco e almofadado, parou de ganir. O medo do cãozinho encheu o ar, nos dois segundos e meio da queda."

Rui Cardoso Martins, "E se eu gostasse muito de morrer"

terça-feira, 17 de junho de 2008

Da cicatriz no braço direito

Os mosquitos picam o corpo em busca de sangue quente. Enquanto isso, a chuva lava almas e ouve palavras perdidas no meio do nada. E as horas passam, assim como os dias e os comboios e as vidas por nós.

"Portugal que com todos estes senhores conseguiu a classificação do país mais atrasado da Europa e de todo o Mundo! O país mais selvagem de todas as Áfricas! O exílio dos degradados e dos indiferentes! A África reclusa dos europeus! O entulho das desvantagens e dos sobejos! Portugal inteiro há-de abrir os olhos um dia - se é que a sua cegueira não é incurável e então gritará comigo, a meu lado, a necessidade que Portugal tem de ser qualquer coisa de asseado!

Morra o Dantas, morra! PIM!"


José de Almada Negreiros, Manifesto Anti-Dantas

segunda-feira, 16 de junho de 2008

d'O Campo

Maior. Do tamanho de um sorriso bem aberto a encher a cara. Maior, sem que se possa medir. Maior. Só assim. Simples? Talvez não seja simples. Talvez tenha sido. Talvez...

Grito agora contra as paredes, contra o vazio. Ecos distantes chegam como resposta. Palavras distorcidas pelo tempo. Tempo-espaço. "Nada se perde, nada se ganha, tudo se transforma", e o pó é só o resto de tudo. Muda a forma, resta a matéria. E no vazio restará também qualquer coisa... Ecos, mais uma vez, ecos de palavras distantes.

Meio metro pode ser longe demais, meio metro entre um copo de água e um corpo de gesso. Meio metro, distância infinita... E depois a dúzia e meia de quilómetros que se transformam em nada. Querer. Porque no mundo é tudo relativo... E do lado de fora isso vê-se muito bem.

Tive em tempos medo do papão e do lobo mau, do sebastião que comia tudo e de ser tostado num forno de lenha. Mas o sebastião não era canibal, o lobo mau gostava mais de chatear ovelhas branquinhas, o papão sentia-se confortável debaixo da cama e no forno apenas cabiam meia dúzia de pães. Sentido? Sim. Fazia.
"quero ver-te amanhecer..."

domingo, 15 de junho de 2008

Tal fosse um copo grande embora sem o fundo

"A rua quebra-me a força negativa.
Sorrir,
Não é pêra doce!"

Ornatos Violeta, Letra S

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Sonho?

- Dona Aranha, como vai?
- Como sempre, sob as linhas que teço...
- Não era bem isso...
- Feliz, então, acho.
- É bom saber, Dona Aranha, é bom saber...
- Tenho feito umas coisas engraçadas ultimamente...
- Pois, já notei.
- Mas sabes, no fundo são só fiozinhos de seda. Limito-me a esticar fios de seda.
- São mais que fios, mais que cordas...
- :)
- "Dona Aranha nada disto faz sentido.".
- Claro que faz, embora nem sempre seja fácil encontrá-lo, percebê-lo, sei lá...
- Mas...
- ...um dia, um dia.

Facto

As delicias do mar comem gomas em forma de ursinhos. E são vermelhas porque preferem as de morango. Já agora, são capturadas no oceano pacífico...

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Frio

Tenho frio. E as pessoas não aquecem, não me aquecem. Nem o sol. Nem o mundo nem nada. E olho à volta e pouco vejo, quase não sinto. Não sinto o mesmo, não quero o mesmo. Vejo-me depois perdido sem saber...

Sinto falta dos sorrisos de algodão e dos raios laranja a fugir do olhar. Mas os dias mudaram, o tempo mudou e o mundo também.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

manel cruz

"Há quem veja em Jeremias apenas mais uma vítima da sociedade
Muito embora ele tenha a esse respeito uma opinião bem particular
É que enquanto um criminoso tem uma certa tendência natural para ser vitimado
Jeremias nunca encontrou razões para se culpar

Porque nunca foi a ambição, nem a vingança, que o levou a desprezar a lei
E jamais lhe passou pela cabeça tentar alterar a Constituição
Como um poeta ele desarranja o pesadelo para lá dos limites legais
Foragido por amor ao que é belo e por vocação"

Jorge Palma, Jeremias, o fora da lei

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Jardim


Há quem não ponha açúcar no café.
E está-se tão bem num outro qualquer lado que não o de dentro. Sei lá eu porquê. Porque sim...
Mais que o sol, tão mais, tão mais, tão mais...

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Com pequenas pintas nas asas...

se eu largar eu sinto a sua falta
se eu agarro ela perde a cor
ela não é dos meus dedos
é dos meus medos
e faço-me passar por uma flor
tento imaginar o que ela diz
à espera de aprender
à face da rua existe a lua
mas não é tua
à margem da estrada não há nada
mas já te agrada
tu és o teu mundo
tu és o teu fundo
tu és o teu poço
és o teu pior almoço
és a pulga na balança
és a mãe dessa criança
és o mal
és o bem
és o dia que não vem

agora pára de fazer sentido
não vês que assim estás a pisar fora da estrada
vê se agora paras de fazer sentido de uma vez
não vês que nada te dirá mais do que nos diz nada

vê que o meu coração ainda salta
quer e julga ser capaz
não o faça por meus medos
faça nos dedos
e eu fico para ver o que ele faz
sem imaginar o que eu não fiz
à espera de viver
à face da chama existe a fama
mas não te ama
à margem do nada não há estrada
já não te agrada
tu és o teu preço
és a tua glória
tu és o teu medo
és a parte má da história
vê que o sol ainda brilha
ainda tem por onde arder
não é mau
não é bom
são razões para viver

se eu largar eu vou sentir a tua falta

tu és tu sempre que tu és
és mesmo tu quando pensas que és outra coisa
e tu pensas que não
mas tu és mesmo bom a ser sempre quem és

daí o teu motivo ser inapagável
daí o teu desejo ser incontornável
o prazer é tão maleável
daí o seu valor ser inestimável

a razão de existir de um poeta é

Manel Cruz, Borboleta

Reflexo

E por um breve instante, tão breve quão breve pode ser a vida de um raio de sol, nesse instante em que a luz se mostra cruel, há mais certezas que dúvidas.

Enfim... Haverá quem se importe e diga, por exemplo, que as bananas estão verdes. E depois há quem goste, por exemplo, de bananas verdes.

E há quem goste de instantes sem sentido...

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Porque...

Porque as palavras são só o que são, bolinhas de sabão, talvez. Bolinhas de sabão que se sopram e esvoaçam um pouco acima dos olhos até rebentarem em mil e um pedaços de nada.

Bolinhas de sabão que enquanto duram são lindas de ver. Rumo ao céu... E depois há dias em que o sabão acaba e não ha bolinhas para contemplar, dias em que não vale a pena soprar a àgua, dias...

Enfim...

Palavras. Reparo agora que a palavra "palavras" até que nem é feia. "Terrina" também não soa mal. Uma palavra como prenda. Porque sim, só porque sim!

domingo, 1 de junho de 2008

"as palavras é só bolinhas de sabão"



Terrina