sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Sonnenblume


(negociável)

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Cinza

O cinza de cima conta as núvens e um outro mostra o céu. Mais azul, um, mais negro, o outro. À frente, o cinzento das grades que encerram nada, e debaixo, a cor da cadeira que segura o corpo também não muda. Cinzento o rio que corre ao fundo e até o verde das árvores parece ter mudado de cor.

O chão sempre foi uma mistura de preto e branco e reparando bem, nem as telhas da casa velha são laranja como as restantes. Na linha passa o comboio, invariavelmente cinzento, agora limpo que foi dos graffitis arco-iris.

Ao lado, as caras cinzentas, falam do cinzentismo da vida e tudo parece ter sido pintado por um inconsciente qualquer. Talvez um daltónico a querer vingança.

Depois fecho os olhos e vejo as mil e uma cores dos peixes que teimam em saltar da àgua para os barcos que não há ao som de um qualquer louco que grita "PEIXE, PEIXE, PEIXE!", embalado por marés de campainhas. Saltam os peixes e chovem sapos. O cinzento deixa de fazer sentido com os olhos fechados, e ao voltar a abri-los a cidade é toda luzes.

As núvens foram empurradas pelo sol, o rasto laranja pintou o céu e o pescador terá um grande jantar ao chegar a casa.

Porque sim!

“chovam as palavras em pedaços de algodão.
Doce… que o rasto do sol não se quer amargo…”

domingo, 26 de outubro de 2008

Vácuo

A boca sabe a papel, como se todas as folhas do mundo tivessem sido comidas de uma só vez. O frio congela as palavras escritas e metidas entre os dentes enquanto da voz resta apenas um ligeiro assobio.

As caras e os corpos lá estão, a vaguear de um lado para outro. Esquerda, direita, frente, trás. Sem rumo, rumo a qualquer lado... Falta Gente no meio disto tudo. Falta a chuva que parece ter tirado férias e até o sorriso da lua se mostra falso e torto.

Indiferente a tudo, o rio-casa vai correndo ao lado. Ao lado, como as casas onde se não está, os abrigozinhos de cobertor já roto, ao canto, à espera que o corpo aceite o abraço para que da janela se solte o grito.

Tic-tac e agora o dia tem mais uma hora para se ser. Os corpos cansados arrastam-se até casa ou morrem na lama. As palavras que escorrem das bocas ébrias soam todas a falso, e o "para sempre" parece ser um dia como outro qualquer. Até ao nascer do sol...

sábado, 18 de outubro de 2008

Roda

"Cada um tem aquilo que merece
E bebo as palavras e quase que me engasgo
São belas perco-me nelas sem me fartar
Sem quase nunca me fartar
Podiamos ficar nisto o resto da noite
Em lugar nenhum"

Manel Cruz, Fora de Combate

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Números

Nada, nada, nada... Vai evitando a parede de vidro a todo o instante, sem se lembrar no instante a seguir de como há tão pouco o tinha feito. Come, se alguém deixa cair umas migalhas coloridas sobre a água. Come uma e outra vez, uma e outra... Sabe nada. Limita-se a existir num nadar infinito, sem memória do que foi ou noção do que é. Se ao menos pudesse pensar em sair... Se ao menos pensasse... Uma memória de poucos segundos não deve servir para grande coisa...

O peixinho vermelho a boiar no aquário, indiferente a tudo. A vida condensada num agora sem fim. Tic-tac, pequena máquina indiferente ao passar das horas.

- E se morrer?

- Compra-se outro, são todos iguais...

domingo, 12 de outubro de 2008

Talvez

"Devíamos todos usar suspensórios para que a alma nos caísse um pouco menos sobre os calcanhares..."

António Lobo Antunes, Os Cus de Judas

sábado, 11 de outubro de 2008

"Mas é sempre a mesma história..."

Como se fosse possível viver sem os papéis espalhados pelo chão e meio mundo perdido e espalhado pelo outro meio.

O primeiro assombro... E depois pouco resta dele. Farta-se o corpo e volta tudo ao que era dantes.

Sabe melhor assim, enquanto o corpo não se farta...

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

(som áspero e seco)

As peças do dominó todas alinhadas e ao alto à espera da primeira queda para que o desenho surja na mesa enorme.

Imóveis, tanto tempo, tanto.

Pim! Estalar de dedos, rajada de vento, empurrão mágico. Caiu a primeira.

Que surja o desenho...

sábado, 4 de outubro de 2008

"Sete"

As caras fecham-se para te dar a notícia. Escuta-la meio incrédulo, mas o tom de voz acaba por te convencer. Depois compras as flores e deixa-las ao lado do caixão. Olhas mais uma vez para ver se não te esqueceste de escrever o nome em letras bem grandes (as pessoas esquecidas são assim, às vezes até nem se lembram que outras ainda existem até ao dia em que sabem do funeral), comentas o tom de pele do morto e a roupa escolhida para a última viagem, desta vez na horizontal. Na horizontal, mas agora sem ressonar.

Ainda deve haver tempo para pensar um bocadinho e fazer as pazes, nem que só por uns meros segundos, com aquele que tanto invejas e não suportas, meros segundos e todos são amigos e justos e sensatos e morais.

Buraco aberto, terra para cima, não sem antes o senhor padre deixar as palavras mágicas no ar. Duas lágrimas no chão, óculos escuros nos olhos e se esperares pela noite talvez vejas uma alma esverdeada a subir aos céus. Mas não esperas, que no café a cerveja é fresca e a televisão lá está com o grande relvado acabado de regar. A cerveja é fresca e os copos muitos. Entretanto secaram os olhos e todos voltaram a ser os mesmos de sempre, inimigos, injustos, insensatos e imorais. O senhor padre troca as palavras mágicas por três "ais" na cama da sobrinha e dia um do mês que vem lá irão todos pôr as velas vermelhas a arder.

Sentir a horas marcadas deve ser uma coisa estranha.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

smilejacking

Por mais prisões e grades que mande construir, nunca o homem-máquina há-de ver-se livre dos ladrões de sorrisos.

Haverá sempre quem não olhe só para o chão e se atreva a segurar a porta pesada de um qualquer centro comercial. Mesmo que sem dentes na boca...