domingo, 30 de novembro de 2008

se

Hoje não, só amanhã, mas isso não existe, que o hoje é eterno. Hoje, agora, e nada mais há. Nem horas, nem tempo, nem dias...

Algures não sei bem onde alguém acabou de ser morto a tiro neste mesmo instante, o mesmo em que não sei quantos putos mosca respiram pela ultima vez. Mas nada disso importa, são só estatística.

E nada de sentir demais hoje, que mais dias virão –se nenhum meteorito nos cair em cima- logo depois de acordar -se-.

sábado, 29 de novembro de 2008

#27

Ora até que enfim..., perfeitamente...
Cá está ela!
Tenho a loucura exactamente na cabeça.

Meu coração estoirou como uma bomba de pataco,
E a minha cabeça teve o sobressalto pela espinha acima...

Graças a Deus que estou doido!
Que tudo quanto dei me voltou em lixo,
E, como cuspo atirado ao vento,
Me dispersou pela cara livre!
Que tudo quanto fui se me atou aos pés,
Como a serapilheira para embrulhar coisa nenhuma!
Que tudo quanto pensei me faz cócegas na garganta
E me quer fazer vomitar sem eu ter comido nada!
Graças a Deus, porque, como na bebedeira,
Isto é uma solução.
Arre, encontrei uma solução, e foi preciso o estômago!
Encontrei uma verdade, senti-a com os intestinos!

Poesia transcendental, já a fiz também!
Grandes raptos líricos, também já por cá passaram!
A organização de poemas relativos à vastidão de cada assunto resolvido em vários —
Também não é novidade.
Tenho vontade de vomitar, e de me vomitar a mim...
Tenho uma náusea que, se pudesse comer o universo para o despejar na pia, comia-o.
Com esforço, mas era para bom fim.
Ao menos era para um fim.
E assim como sou não tenho nem fim nem vida...

Álvaro de Campos

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Quase-susto

Vi um fantasma. Por isso quase não existi hoje. Que existir não é só estar.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Escalas

O chamamento, a chama, a dor, ou tudo isso junto. Tudo junto com um pouco de nada. E pronto. Já está e não doeu. Ou doeu e o resto é fazer de conta.

Mas a vida já é um pouco isso também, fazer de conta e contar. Os dias, as horas, o dinheiro... Contar as histórias e as estórias. Fazer contas e resolver matemáticas difíceis...

Acho que devem ser as conversões que confundem o mundo. Ainda vai alguma diferença do euro ao dólar e do fahrenheit ao celsius. E trinta graus podem não ser bem a mesma coisa. Depende. Como tudo. Depende de tudo.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Sopro

O tropeçar e a queda, o abismo ao fundo, metros sem rede e as asas abertas quase ao bater no chão. Abertas mas frágeis. Logo quebram e o corpo cai sem amparo. Quebram-se depois os ossos e rasgam-se as carnes. Mas há sempre um canto para servir de abrigo e uma manta para não deixar escapar o calor que ainda resta.

Depois as escadas voltam a chamar. Sobem-se os degraus um a um esquecendo que tudo tem um fim - e a escada não será diferente -. Último degrau, próxima queda, ciclo infinito, grande roda ou qualquer outro nome. A vida, talvez.

[ao lado, outras escadas, outras quedas, outros corpos. nas pontas do mundo as cordas da rede cortadas por quem a não quer esticada]

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Coiso...

Canções, escadas e moinhos de vento movidos a água. Seres pequeninos, gigantes, algodão aos molhos e tangerinas. Escadas, casas, ruas, a quase chuva e as pedras da calçada debaixo dos pés. Comboios, estacões, paragens, viagens. Árvores e grades e relógios partidos contra o céu. E palavras. Porque sim, eis tudo!

domingo, 16 de novembro de 2008

Porque as casas não são só paredes e tecto, portas e escadas...

Porque

Porque as casas não são paredes e tecto, portas e escadas...

Casas são cheiros e sorrisos, barcos a vapor e aquecedores ferrugentos, são ruas íngremes e caranguejos pequenos, torradas com manteiga e vento nas varandas.

sábado, 15 de novembro de 2008

Sinos

E os fins são todos iguais não são? As seis tábuas do paralelipipedo bem envernizadas, as mesmas vozes que mais tarde acabam por ser abafadas pelo barulho da tasca, as almofadas ao quadrados e a ansiedade das larvas com fome...

O cangalheiro faz a conta ao fim do dia e deus queira que amanhã haja mais trabalho.

Just

Blackbird singing in the dead of night
Take these broken wings and learn to fly
All your life
You were only waiting for this moment to arise

Black bird singing in the dead of night
Take these sunken eyes and learn to see
All your life
you were only waiting for this moment to be free

Blackbird fly, Blackbird fly
Into the light of the dark black night.

Blackbird fly, Blackbird fly
Into the light of the dark black night.

Blackbird singing in the dead of night
Take these broken wings and learn to fly
All your life
You were only waiting for this moment to arise,oh
You were only waiting for this moment to arise, oh
You were only waiting for this moment to arise

The Beatles, Blackbird

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Absurdo:

do Lat. absurdu

s. m., contra-senso, disparate, dislate, tolice, paradoxo;

adj., contrário à razão, ao senso comum;
ilógico, contraditório, paradoxal.

domingo, 9 de novembro de 2008

Chuvas

Chovem-me as letras em cima da cabeça como se fossem meteoritos. Vêm juntas em forma de palavras que se juntaram também em frases. Não param de cair, de bater... Dizem que vieram mostrar que existem, dizem que não querem ser esquecidas, batem, caem...

Procuro um abrigo mas não há.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Cores

E já está tudo inventado não é verdade? Não falo dos satélites e do resto que nos vai querer controlar daqui a uns dias, das camaras e do grande irmão escondido no bunker de ouro a espreitar quem mija no canto da parede e a que horas chegas a casa, se bem que isso também está mais que feito.

Dizem que acabaram as canções e todos os dias nos mostram o filme do dia pelas oito da noite que agora empura o dia por volta das cinco, dizem que isto está mau para que no outro dia de manhã as ovelhinhas o repitam a uma só voz "Isto está mau, isto está mau...", se calhar o grande irmão não passa de um reles pastor. "as ovelhas gostam de companhia, vão-se sempre juntando umas ás outras.". O rebanho engrossa "isto está mau, isto está mau" e enquanto fala não ouve nem vê. Para quê? Às oito saberão de tudo, de tudo o que quiserem que saibam. "isto está mau, isto está mau", e nos gabinetes cheios de mofo assinam-se resmas de papeis para tornar isto melhor.

Mais um decreto e não se pode faltar às aulas porque isso não pode ser considerado um direito. Não se falta e não há sermão nem responsabilidade e depois se houvesse agora também já não se chumba e as bicicletas não são prémios mas direitos. Criam-se assasinos de português, incapazes de somar e dividir. Passeiam-se com os afamados "Magalhães" debaixo do braço sem saber sequer quem deu o nome áquela máquina azul. Sem saber que houve tempos em que homens se faziam ao mar para matar e morrer. Sem saber que houve tempos em que nos diziamos donos de meio mundo. E agora? Esperamos ansiosamente que do outro lado do oceano haja alguém capaz de nos tornar a vida melhor. Ironias que também não hão-de perceber. Aumenta o rebanho...

Fazem ouvidos moucos e sorriem, as ovelhas negras. Sorriem e riem e rebolam no meio do caminho sem medo de serem pisadas. Aprenderam a levantar-se depressa e fugir dos pés ansiosos. Também se tornaram maiores que as outras, pelo menos maiores aos olhos, mesmo que só a cor pareça distingui-las. Dizem que isto está bom, que gostam de chuva quando ela cai e de sol quando ele nasce. Acreditam que o impossível é só uma palavra inventada que não faz qualquer sentido, parar é morrer e as tangerinas têm um lugar especial no mundo a par com os girassóis.

Dizem-se felizes e alimentam-se de algodão-doce.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Change!

Agora que o senhor Obama já tem lugar na casa branca, podia começar a campanha para que em Portugal houvesse também um primeiro ministro diferente.

Teria a sua graça, afinal Ele já vai para todo o lado, pelo que a diplomacia não lhe mete medo. E é azul. E tem a sua graça. Até um nome engraçado...

Magalhães. Voto nele!

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(e enquanto ando as pedras da calçada redundam nas conversas de sempre mais uma vez a conversa dos pombos das pombas um dois na mão e a voar numa árvore aparecida no meio do passeio desenha-se mais um traço e agora devem ser já mais de quinhentos na ponte as luzes iluminam um bando de gaivotas em linha recta que poderiam ser morcegos mas a cor não perdoa e os morcegos não são brancos mais uns dias e não restarão luzes pois as que se apagam ninguém volta a acender e os vidros partidos vão pelo mesmo caminho caminho igual ao dos buracos na estrada buracos nos bancos buracos em tudo buracos no peito de quem leva tiros e nas cabeças ocas de cérebro ausente)

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Invariável

Cinco da tarde de um dia qualquer. Os pombos levantam dos telhados, cagam nas estátuas.

domingo, 2 de novembro de 2008

Terra

Portugal
Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir como se tivesse oitocentos
Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os infiéis ao norte de África
só porque não podia combater a doença que lhe atacava os órgãos genitais
e nunca mais voltasse
Quase chego a pensar que é tudo mentira, que o Infante D. Henrique foi uma invenção do Walt Disney
e o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente

Portugal
Não imaginas o tesão que sinto quando ouço o hino nacional
(que os meus egrégios avós me perdoem)
Ontem estive a jogar póker com o velho do Restelo
Anda na consulta externa do Júlio de Matos
Deram-lhe uns electro-choques e está a recuperar
àparte o facto de agora me tentar convencer que nos espera um futuro de rosas

Portugal
Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos a ver se contraía a febre do Império
mas a única coisa que consegui apanhar foi um resfriado
Virei a Torre do Tombo do avesso sem lograr encontrar uma pétala que fosse
das rosas que Gil Eanes trouxe do Bojador

Portugal
Se tivesse dinheiro comprava um Império e dava-to
Juro que era capaz de fazer isso só para te ver sorrir

Portugal
Vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém
Sabes
Estou loucamente apaixonado por ti
Pergunto a mim mesmo
Como me pude apaixonar por um velho decrépito e idiota como tu
mas que tem o coração doce ainda mais doce, que os pastéis de Tentúgal
e o corpo cheio de pontos negros para poder espremer à minha vontade

Portugal estás a ouvir-me?
Eu nasci em mil novecentos e cinquenta e sete, Salazar estava no poder, nada de ressentimentos
O meu irmão esteve na guerra, tenho amigos que emigraram, nada de ressentimentos
Um dia bebi vinagre, nada de ressentimentos
Portugal depois de ter salvo inúmeras vezes os Lusíadas a nado na piscina municipal de Braga
ia agora propor-te um projecto eminentemente nacional
Que fossemos todos a Ceuta à procura do olho que Camões lá deixou

Portugal
Sabes de que cor são os meus olhos?
São castanhos como os da minha mãe

Portugal
gostava de te beijar muito apaixonadamente
na boca

Jorge Sousa Braga

Dançando à Volta

"O cobarde é uma pessoa que foge pra trás
O herói é uma pessoa que foge prá frente
Em maior ou menor grau
Todos nós fugimos ao
Medo que faz o cobarde
Medo que faz o valente"

Sérgio Godinho, O baú de Sigmund Freud

Debesis

(soa bem)