quarta-feira, 30 de setembro de 2009

há por aí muita gente boa



O Sr. Silva não sabe falar nem comer bolo-rei. O Sr. Silva  tem ar de quem bebe pouco vinho. O Sr. Silva não é simpático. O Sr. Silva é alto demais. O Sr. Silva não gosta de cravos. O Sr. Silva deve gostar de mantas de lã. O Sr. Silva ainda não conseguiu descobrir o segredo dos pasteis-de-belém. O Sr. Silva jamais andaria em cima de uma tartaruga. O Sr. Silva não é amigo do Pinto da Costa. O Sr. Silva faz caras feias. O Sr. Silva não há-de escrever livros para crianças. O Sr. Silva devia demitir-se.

noite

são largas, as horas...

terça-feira, 29 de setembro de 2009

marés

256
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segunda-feira, 28 de setembro de 2009

do que é

Agora só temos que nos entreter mais um pouco. Descansarão as peixeiras e os entusiastas de bandeira no ar. O magalhães evolui para a versão dois, os putos evoluem também para uma outra versão qualquer e tudo o resto evoluirá durante outro par de anos, pelo menos. A evolução pode ser positiva e negativa, como tudo. A ironia, essa, há-de continuar a ser espalhada pelo mundo como aquelas cisternas de leite lá longe, não tão longe quanto pudessem ser úteis a alguém... Há fibra a crescer pelas casas, trepadeiras dos tempos modernos enquanto os livros se habituam ao pó. O mundo. O mundo que todos os dias entra pelas casas... O mundo que interessa, o que nos querem mostrar... Sempre eles a escolher. Sempre eles a mandar no que vemos e no que havemos de sentir depois de ver e por aí fora até que o abutre invada os sonhos. Mas acorda-se e está tudo igual. A ponte cor-sangue-de-boi cheia de carros às nove da manhã e o café sempre frio no sitio do costume. Sempre tudo igual... Aparecem uns, desaparecem outros, mudam as cores da calçada, vagueiam os gatos, inundam-se as ruas no inverno, arrefecem os pés mas a casa costuma aquecer os ossos suficientemente bem para nunca se pensar nisso. Só quando a não há por perto, ou também.

quase branco

Pulseiras e brincos, óculos e aneis. Gritos absurdos e pouco mais. Desbota o preto dia após dia, ano após ano, na correria rumo a uma qualquer coisa que ninguém sabe o que é. Há-de restar sempre o que ficou, guardado, lá, no lugar que se sabe e, lá, não há cloro que possa fazer efeito.

"Agora em espanhol..."

domingo, 27 de setembro de 2009

isto

farto do diz que disse
diz que viu
diz que aconteceu
diz que estava lá um amigo de um amigo
que é amigo teu
farto de ouvir
o mais bonito
o mais astuto
o mais sensível
mas o incrível
é que ao espelho eu só vejo o mais bruto
farto das mesmas queixas no mesmo caderno
farto da caneta que me leva ao inferno
farto de mim de ti de nós contra o resto do mundo
a selecção deles é mais forte
ficaremos sempre em segundo
ninguém te disse
ninguém te contou
ninguém te falou
não dá para ganhar
eles dizem foge foge
mas eu fico
foge foge
e eu fico
cada vez mais bandido


não sou luz da serra
nem sombra nem luz
nem sombra da noite
no alvor da madrugada
não sou coisa nem nada
talvez louco
o louco não tem número
o limite da soma é o vazio
não sou murmúrio de rio
nem cigarro viciado
nem ponta de cio
nem lua patética
crescendo e fugindo do tempo que passa
não sou quebra-luz
nem gavinha entrelaçada num abraço de frio
sete raios de sol queimaram o sonho
sete chuvas de esperma o fecundaram
já não sou resina
nem merda nem mijo
nem sangue nem seiva
morreram afrodites e leões de pêlo fulvo
quando se inventou a alma
e eu não sou mais do que rescaldo
já não sou poeta nem nada


Manel Cruz, "O canto dos homem-conto"

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Ora digam lá mal do Sr. Silva




"Sua Santidade o Papa Bento XVI efectuará uma Visita a Portugal no próximo ano, em resposta ao convite que lhe foi endereçado pelo Presidente da República.

Para lá do programa oficial, Sua Santidade o Papa Bento XVI deslocar-se-á ao Santuário Mariano de Fátima, onde presidirá às cerimónias religiosas de 13 de Maio."

Quem é amigo do povo, quem é?

terça-feira, 15 de setembro de 2009

do mês

Oito anos e ainda há quem se lembre dos corpos sem penas a cair de janelas perto do céu. A queda, ou o susto, o estalar dos ossos no chão ou o baque a meio da queda. O ouro misturado com o medo, uma confusão enorme pintada a cinza-pó. E nós a apreciar tudo segundo após segundo, segundo após segundo. É verdade que as cartas deixaram de cair na mesa, mas nem por isso as gargantas ficaram mais secas. Passaram oito anos.

Quatro anos e a pergunta é a mesma. Alguma coisa? Porquê? Nada? Dizem que a vida continua para quem cá fica, mas isto depende sempre daquilo a que se chama vida que as definições nunca agradam a todos. Factos são factos, o resto sobra para quem há-de sempre olhar para a esquina a seguir.

Três anos e o gajo da guitarra e da pose morreu entretanto. Lá continua o lago e o rio lilás mais os barcos abandonados. A voz estará resguardada algures, agora, longe das luzes.

Dois anos, o preto e um pequeno almoço diferente, quase igual. Seres que comem piolhos quando a noite se confunde com o dia e o dia com a noite. Ácido e pintas brancas nos pés.

Um ano. Águas mil. Podia ser Março para a canção fazer um pouco mais de sentido, afinal, no Brasil o Verão não acaba depois de Agosto. A lama faz maravilhas à pele e o sol ajuda-nos a assímilar vitamina D. A cor sangue-de-boi é linda de ver e isto é daquelas verdades absolutas, pelo menos para mim.

Hoje. Azulejos escondidos debaixo das saias e o mesmo ser-não-ser em tudo, desde sempre. Pedras escondidas debaixo de água e casas atrás de muros, livros encobertos por pesadas cortinas, lindas, e as árvores a tratar do resto. Chovem nuvens na rua ou talvez tenham só pousado um pouco. Um facto, as pessoas são más.

outono

qualquer coisa... e depois verbos soltos como na cantiga do Zé Mário. vaguear, deambular, acontecer, andarilhar, amanhecer, suceder, ver, ser, gostar, dizer, fazer, amar, chover, cantar, alindar, descer, contar. verbos soltos e as frases a ganhar forma. mas não hoje. cai o império sob os ouvidos. o império...
isto são tudo ironias, azulejos trazidos por mouros trepadores de muros e relógios de corda apodrecida pelo tempo. 

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

tempo-espaço ou outra coisa qualquer

Correr. Outra vez. Subir e descer as mil e uma pedras. As horas todas a bater em cima dos olhos. O passo encurta e a corrida de si já só tem o nome. Os metros são grandes demais, absurdamente grandes, como os dias se foram fazendo. Faltam palavras que sobram. O eco, esse, é sempre o mesmo nas paredes da alma. [leve, mão, sol, medo, dança, vento]. Simples. Demasiadamente simples para que alguma vez se possa tentar explicar.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

da manta em cima das pernas


sorte

há aquela história-anedota do acidente em que a sorte é tudo. é o morto que teve a sorte de não ficar paraplégico e o paraplégico que teve a sorte de não morrer. isto contado assim até que tem a sua graça. até ao dia em que deixa de ter. como tudo...

Cierto

?

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Música

como um raio a rasgar a vida, como uma flor
a florir desmedida, como uma cidade secreta
a levantar-se do chão, como água, como pão,

como um instante único da vida, como uma flor
a florir desmedida, como uma pétala dessa flor
a levantar-se do chão, como água, como pão,

assim nasceste no meu olhar, assim te vi,
flor a florir desmedida, instante único
a levantar-se do chão, a rasgar a vida,

assim nasceste no meu olhar, assim te amei,
vida, água, pão, raio a rasgar uma cidade secreta
a levantar-se do chão, flor a florir desmedida.

José Luís Peixoto

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Sexta



Fica longe este ano o tejo e a quinta vermelha. Nem sempre se pode ter tudo... Haverá o bandido a poucos metros dos sentidos.

de uma noite longe

somos a fachada
de uma coisa morta
e a vida como que a bater à nossa
porta
quando formos velhos
se um dia formos velhos
quem irá querer saber quem tinha razão
de olhos na falésia
espera pelo vento
ele dá-te a direcção

ninguém é quem queria ser
eu queria ser ninguém

a idade é oca e não pode ser motivo
estás a ver o mundo feito um velho
arquivo
eu caminho e canto pela estrada fora
e o que era mentira pode ser verdade
agora
se o cifrão sustenta a química da vida
porque tens ainda medo de morrer
faltará dinheiro
faltará cultura
faltará procura dentro do teu ser

diz-me se ainda esperas encontrar o
sentido
mesmo sendo avesso a vê-lo em ti
vestido
não tens de olhar sem gosto
nem de gostar sem ver
ninguém é quem queria ser

Manel Cruz, Ninguém é quem queria ser

esfera

os xilofones embalam

todas as certezas condensadas num xilofone de fazer sorrisos. [aprendi uma vez num documentário, daqueles que quase ninguém vê, como é que se apanham os impostores. por mais brancos que sejam os dentes há coisas impossíveis de fingir] gosto de xilofones, do som que me faz lembrar cartolinas brancas coloridas com lápis-de-cera sem cor e tinta da china e da porta ao lado onde havia um fato vermelho. [é preciso um pouco de laranja, ou outra cor, depende da pessoa]

divagações sem sentido.

sentido, como se todas as coisas precisassem de o ter. e nem se há-de descansar nunca até ao dia em que se puser tudo numa qualquer fórmula cheia de números e letras. mas isto é o que é e as pessoas são assim. C, H, N, O. carbono, hidrogénio, azoto e oxigénio. é isto! a vida é isto, ensinaram-me na escola há uma dúzia de anos atrás. tudo simples simples simples. e somos iguais à mosca e à aranha e aos bichinhos que vão comendo a merda do esgoto. claro que não inventam caixas de música nem máquinas de teletransporte mas talvez sejam felizes à sua maneira.

a verdade é que ela mesmo só existe até ao dia em que se transforma em mentira, basta olhar um pouco para trás e ver onde está agora o nosso grande império ou o muro que dividia o mundo... no meio de tudo isto dizem que sempre houve mar e o sol a mergulhar ao fim da tarde.