quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Teia

Pego na ponta do fio de seda que é só mais um pouco de teia. Estico-o um pouco e tento adivinhar o que o segura do outro lado. Poderá até a outra ponta estar a ser esticada também.

Aranha estranha esta, que tece as linhas a seu belo gosto, une pontes a casas, casas a carros, carros ao chão até. Dia após dia, fio após fio zela para que tudo aquilo haja num equilibrio quase perfeito, quase que a perfeição não existe.

Carros e casas, ou nós? Ligados por palavras que flutuam, olhares que não se vêm, medos que crescem e algo mais que só se sente. Tão longe ou tão perto, pode até partir a teia, lá virá de novo a dona aranha, dia após dia, fio após fio...

Estico mais um pouco e sinto vibrar. Serás tu? Outrora tão perto... Não. É outro alguém, do outro lado do mundo, do outro lado da vida. Uma frase só nas patas da aranha e um arrepio estranho na outra face do espelho. Mudo de fio sem mudar de teia, esticarei até te voltar a sentir.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

A vs O

Ou as pequenas diferenças num mundo minúsculo...

(Está tudo nas entrelinhas.)

terça-feira, 28 de agosto de 2007

#8

Se me perguntassem hoje qual o meu maior sonho respondia sem pensar duas vezes.

Guerra

Ouço tiros vindos de todas as direcções, as balas passam por cima da cabeça e vão caindo ali ao lado. Escondi-me dentro de uma vala, bem funda por acaso. Pode ser que um dia parem as armas e me tirem daqui, que isto é tão fundo que sozinho não consigo sair.

Onomatopeia para um qualquer palhaço especial

" ...
PA-RA-PA-PA-PA-PA-PA
PA-RA-PA-PA
... "

Xarope de lima

"See the world in green and blue
See China right in front of you
See the canyons broken by cloud
See the tuna fleets clearing the sea out
See the Bedouin fires at night
See the oil fields at first light
And see the bird with a leaf in her mouth
After the flood all the colors came out"

U2, Beautiful Day

sábado, 25 de agosto de 2007

Medo

Tenho o estomâgo colado ás costas, tenho medo. Tenho medo de voltar uns anos atrás no tempo e ter de viver tudo aquilo de novo. Tenho medo de vir a ter medo. Medo de ter medo de perder. Medo de voltar a fazer o mesmo caminho dia após dia, à mesma hora. Medo de voltar a sentir o cheiro a comida no ar, medo de ver as caras fechadas e as batas brancas. Medo de esperar uma qualquer notícia. Só medo, mas muito.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Ah, onde estou ou onde passo, ou onde não estou nem passo,
A banalidade devorante das caras de toda a gente!
Ah, a angústia insuportável de gente!
O cansaço inconvertível de ver e ouvir!
(Murmúrio outrora de regatos próprios, de arvoredo meu.)
Queria vomitar o que vi, só da náusea de o ter visto,
Estômago da alma alvorotado de eu ser...

Álvaro de Campos

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Já está tudo escrito, já foi tudo escrito...

Em certos momentos tudo parece fazer sentido, cada palavra dita ou escrita, para, instantes depois já tudo ser
uma enorme confusão de letras embaraçadas.

O que já está já está e o que escrevi foi o que achei que devia. Achei mal se calhar. Que importa isso agora?

"Quem ganhou ganhou e usou-se disso, quem perdeu há-de ter mais cartas para dar"

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Ou para ver um pouco de laranja a escapar do verde castanho quase azulado.

Com o fim de tarde começa a cair a noite, mais uma, desde o dia em que tudo parecia uma espécie de filme de segunda. E de cada vez que a noite cai, sai do fundo da cama o monstro, o monstro da colher.

Sobe devagar até se sentar confortavelmente na almofada, saca da colher e devagarinho começa a comer pequenos pedaços de miolo. "Miolo fresquinho este!". Come até estar saciado. Enquanto come sinto-me desaparecer aos poucos e, dia após dia, colher após colher, cada vez sou menos eu e cada vez mais uma outra coisa qualquer que não reconheço sequer ao espelho.

Conheci alguém por estes dias, menina pequenina, de passagem por liliput, um dia ao levá-la à casa que fica no beco sem luz falei-lhe dos duendes que àquela hora saiam das tocas das àrvores e dos extraterrestres que deveriam estar prestes a aterrar no descampado do lado para fazer companhia às formigas, extraterrestres também, contei-lhe que o lobisomem existe mesmo e até havia quem já o tivesse visto por aqueles lados. Olhou para mim sem vontade de rir. Ri eu ao lembrar-me do que seria a conversa com outra pessoa, pequenina também, mas só de altura.

Pergunto às vezes porque me fiz assim, porque dá tantas voltas a minha mente, porque tento sempre ler as entrelinhas mesmo quando elas não existem. Porque me preocupo tanto... Há momentos em que nem sequer ouço ou vejo, um mero corpo escravo de uma mente quase demente. São tantas voltas, voltas que cansam e matam devagar, só por isso deixo que o monstro chegue perto. Se calhar é tempo de ser normal seja lá o que isso for. Deve ser altura de comprar revistas cor de rosa para ver quem é o novo amor do Cristiano e se a Pituxa qualquer merda já deixou de dar mama à filha.

Interessa lá que todos os dia morram milhões de pessoas à fome ou que em certas partes do mundo já não haja neve para ver neste Natal. Sabem que para a semana vão mais soldados nossos para o Afeganistão sem saber sequer porque é que começou a guerra? E há promessas e cera queimada para que as balas passem ao lado... Mas isso pouco interessa não é? Importante é o que não nos diz respeito, a vida dos outros, sempre a vida dos outros...

Lembro-me de há um ano ou dois ter tido um amigo meu no hospital. Raro terá sido o dia em que não o fui ver. "Para que vens tantas vezes?" perguntavam os familiares. Encolhia os ombros e respondia só para mim "Porque sim!".

Um "Porque sim" enorme, a minha vida, "A Coimbra?", "Diz lá o que foste fazer àquela hora...", "Mas porque foste?", "Porque sim! E depois?".

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

"Segue-me à luz, na escuridão não"

Pluto, Segue-me à luz

domingo, 19 de agosto de 2007

Merda...


de dias que não passam...
de noites que não durmo...
de vontade que não tenho...
de férias que não acabam...
de sitio onde estou...
de gigantes que não estão...
de gente que aparece sem que queira....
de saudades que tenho...
de coisas que esqueço...
de cansaço que sinto...
de mão que se fechou...
de grito que não dou...

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Também TU

Há qualquer coisa de leve na tua mão
Qualquer coisa que aquece o coração.
Há qualquer coisa quente quando estás
Qualquer coisa que prende e nos desfaz.

E fazes muito mais que o sol!
Fazes muito mais que o sol!

A forma dos teus braços sobre os meus
O tempo dos meus olhos obre os teus
Desço nos teus ombros para provar
Tudo o que pediste pra me dar

E fazes muito mais que o sol!
Fazes muito mais que o sol!
Fazes muito mais que o sol!
Fazes muito mais...

Tens os raios fortes a queimar
Todo o gelo frio que construi
Entras no meu sangue devagar
E eu a transbordar dentro de ti

Tens os raios brancos como um rio
Sou quem sai do escuro pra te ver
Tens os raios puros do luar
Sou quem grita fundo pra te ter

Fazes muito mais que o sol!
Fazes muito mais que o sol!
Fazes muito mais que o sol!
Fazes muito mais...

Quero ver as cores que tu ves
Pra saber a dança que tu és
Quero ser o vento que te faz
Quero ser o espaço onde estás
Deixa ser tão leve a tua mão
Para ser tão simples a canção
Deixa ser das flores o respirar
Para ser mais facil te encontrar

E fazes muito mais que o sol!
Fazes muito mais que o sol!
Fazes muito mais que o sol!
Fazes muito mais...

Vem quebrar o medo
Vem saber se há depois
E sentir que somos dois
Mas que juntos somos mais

Quero ser razão pra seres maior
Quero te oferecer o meu melhor
Quero ser razão pra seres maior
Quero te oferecer o meu melhor

E fazes muito mais que o sol!
Fazes muito mais que o sol.....

Tiago Bettencourt, Canção simples

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Algures

Sobe a rua, atravessa a estrada, olhos no chão, mãos no bolso. Não há horas, não há dia, não há sol nem sequer chuva ou vento. Há a rua e a estrada mais a menina que aparece do outro lado sem que se espere.

- Olá!
- Que tens nos olhos?
- Nada, é só sono.
- É que estão vermelhos
- Pois.
- Adeus.
- Fica bem.

Segue o caminho, vê a rampa de lançamento que é o novo monumento de Coimbra. Um poema de Torga e um convite a mergulhar ao rio. Atravessa a ponte, margem esquerda, margem direita, margem esquerda, margem direita, enquanto isso canta palavras que nunca tinham sido canção. Pára e pensa em partir. Encosta a cabeça ao vidro e olha para o céu enquanto as ideias se vão formando qual gravidez mental sem direito a parto.

Fim do caminho, fala de muros e pilares, por entre uns desejos de bom dia que não o são. Encontra finalmente um pouco de silêncio que faz as ideias ecoarem, atira barro à parede enquanto tenta descansar. Não descansa e vai. Para algures, sabendo que vai estar noutro lado qualquer.

Noutro lado, noutro tempo, com sono e barulhos de ferro com ritmo.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Relativo

Sempre a distancia que não existe a pregar partidas estupidas. O ir onde não se quer bem estar só porque se tem que estar algures. Ai vagueia a mente para outros lugares, para outras horas, vagueia numa dança sem fim ao mesmo tempo que observo as danças que vão tomando forma mesmo ali, à minha frente.

Pergunto então à força qual a razão, quais as razões, mas não tenho resposta. Faz sentido, afinal tudo faz sentido mesmo quando não o tem. Como a areia que voa na praia e acaba por me empurrar para lugares que não via já fazia algum tempo. Como tudo, como nada, como acordar e ver uma gaivota em frente sem saber como o corpo ali foi ter, como ir só por achar que sim e partir instantes depois.

Olho para o velho tempo como grãos de areia metidos numa qualqer ampulheta manhosa. Grãos de areia sem padrão, uns grandes, uns pequenos que passam na fresta como bem lhes apetece, ora devagar devagarinho, ora depresssa quase à velocidade da luz. Relativo, é tudo relativo já dizia o senhor Alberto. Do tempo ao gomo, da distância ao sumo, do querer ao estar.

Trama

O vento levanta a areia que teima em bater no corpo, o sol teima em não queimar, o mar pensa em estar revoltado. Todos se uniram naquele dia.

Saio e ando. Vagueio pelas ruelas sem pressa como que a enganar o tempo. Tantos anos passaram, tantos anos passei, e agora ao fim de tanto tempo entro de novo no pequeno covil recheado de pescadores com pele de sal.

O mesmo velho ao balcão, o mesmo cão à porta. O petisco manhoso e a cozinheira gorda. Não há saudade nem nostalgia, é outra coisa que não sei bem explicar. Tudo igual por ali e eu tão diferente. Procuro pelas mesas o pequeno puto que ao que parece já não existe. Penso em sair, triste por não o encontrar. Abre-se a porta, mexe-se o roto saco que a segura, sorrio, olho sem ver e vejo um outro sorriso, era o puto. Afinal sempre ali tinha estado.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Contamos segundos
Instantes escassos
Caímos mil vezes
Seguidas de abraços;
A dança é divina
Ela vive no ar
Ela voa sem asas
Não quer aterrar

É bom arriscar o salto,
Planar,
Sentir de novo emoção...
É tão bom
Saber que a morte
É falhar
Voar de encontro à tua mão

Aqui, no trapézio,
A rede é distante
O meu horizonte
É um braço errante;
Despimos as horas
Perdidos no espaço,
Entre o rugir de um leão
E o choro de um palhaço

É bom arriscar o salto,
Planar,
Sentir de novo emoção...
É tão bom
Saber que a morte
É falhar
Voar de encontro à tua mão

Jorge Palma, Trapézio

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Lua

Se a lua não rebentar esta noite não mais o fará. Está inchada, amarela, quase laranja, mas tão inchada, tão caida... Até que está linda.
Os dias parecem anos e as horas meses, semana após semana até que chega a hora que se transforma em meros segundos. O tempo, sempre o tempo que de tão atordoado que fica por vezes, arranja maneira de ir resistindo. Enrola, desenrola numa cadência imprevista.

Agora há férias, silêncio, vazio, espaço, o espaço e o vazio que até fizeram falta há tempos agora sobram, sobram muito. Parece que as grandes rodas começararm a girar ao contrário, assim, de repente.

Ainda assim há plantações que se querem feitas...

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Metros

Tenho dois metros quadrados na minha cidade. Dois metros, em locais diferentes, que são só meus, embora todos os dias outros por lá estejam ou passem. Pouco me importo, não os estragam. Nesses, tão meus, dois metros anda, a certas horas a tão procurada paz, tanta, tanta à espera de ser comtemplada.

É pena que os seres que vagueiam por lá nunca a sintam, sintam que a paz não se pode ver, gostava de lhes contar um dia como a podem encontrar mas acho que não me iriam querer ouvir. Não imagino as mulheres apressadas que levam os putos à escola a parar um bocadinho, mesmo que isso lhes tornasse o dia mais agradável.

A pressa, sempre a pressa. Não há tempo para nada nesta merda de mundo feito por adultos cinzentos vestidos com os seus fatos coloridos. Os pais não podem estar com os filhos por causa do emprego que tem que ser levado para casa que os prazos são para cumprir e o dinheiro precisa de aparecer no fim do mês para pagar a divida contraida para comprar entre outras coisas a centrifugadora que nunca usou para fazer um sumo que fosse para o pequeno almoço do filho. Não há tempo, não há tempo. Nunca há tempo, mas ele corre sem avisar até ao dia em que alguém se senta e vê que o tempo que nunca houve foi passado numa cadência de movimentos que em nada contribuiu para a sua felicidade, que por acaso, até não existe.

Milhões de pessoas de mão dada neste mundo só porque sim, a cantar o que lhe dão para ouvir porque sim, a dizer o que acham que os outros querem ouvir sem soltar um "foda-se" que seja. Cabecas de fósforo incandescentes que não param um pouco para pensar naquilo que os rodeia. Máquinas de carne e osso a vaguear por ai até chegar a sua hora.

Gostava que me entendessem quando digo que atortouo o tempo, gostava que soubessem que é possível ter longas conversas sem que uma palavra tome forma, gostava que soubessem que as cores não são da cor que vemos mas sim da cor que julgamos querer ver, gostava que percebessem que tudo tem um fim e que o nosso está bem próximo e que a vida acaba assim, só, assim, Um assim que pode durar segundos ou dias. Gostava que acreditassem que "o que não existe não tem fim" e pudessem sorrir pelo menos uma vez que fosse na vida sem se preocuparem com o restinho de alface que ficou preso no dente. Vivo num mundo de GTI's, esse mundo real, onde não há lugar para quem gosta. Eu gosto. Saí.

Os meus metros continuam lá à espera de quem queira paz.

quinta-feira, 26 de julho de 2007

O.M.E.M.

A frustração, o jantar, o vinho, os parabéns, a rosa, a escolha, o abandono, a toca, os demitidos, o preto, o outro preto, a mesa, o casal maravilha, o povo, a fuga, o som, a alegria, o orgulho, o fecho, as gentes, a troca, a entrada, a conversa, a indignação, o espanto, a surpresa, o "por exemplo", a expulsão, a mudança, o choro, o medo, o som, os gritos abafados, a amarelinha, a "Chaga", a partida, a depressão, a loucura, a chatice, as letras, os cachorros da sardinha, o dia, o fecho, as palavras, a oferta, a ida, o caminho, o metro quadrado, a casa da frente, a paz, o silêncio, os putos, o cigarro, o cão, "magnolia", a porta, a nave, os olhos de sono, as moedas, os turistas, o sitio, a promessa, a ida, a despedida, a magia.

Às vezes não é preciso matar o tempo, basta atordoá-lo um bocadinho.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

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terça-feira, 17 de julho de 2007

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Hey!

"Hey you, standing in the road
always doing what you're told,
Can you help me?
Hey you, out there beyond the wall,
Breaking bottles in the hall,
Can you help me?
Hey you, don't tell me there's no hope at all
Together we stand, divided we fall."

Pink Floyd, Hey you

Quase

Andorinhas que voam por entre as gotas numa tarde de Julho enquanto tolos se molham à chuva que quase não o é. Quase não molha, quase não existe. Quase.

Andarilhos daqui e dali quase a chegar ao destino, quase o fim, quase ali, quase destino que o destino não existe. Quase no fundo, falta o poço, sobra o rio, quase fundo, quase longe de tão perto que fica.

Vejo o ceu, já sem nuvens, ao longe, quase laranja, quase negro, quase dia, quase noite. Laranja quase doce, que o rasto do sol não se quer amargo.

domingo, 15 de julho de 2007

Um existir que é mais que ser num mundo bem distante e inacessível para o comum dos mortais, a passagem é estreita e está escondida no meio do tempo.

Há coisas nesse pequeno mundo do tamanho de um gomo, uma linguagem própria até. Há fantasmas e gigantes, monstros que sorriem e outros que buscam um pouco de luz, há petroleo em piscinas, meteoritos no ceu, crianças que correm de braços abertos e sorrisos a toda a hora. Há lá também vacas orgulhosas e campainhas que tocam a todo o instante por tudo e por nada.

Nesse sitio perdido entre o tempo e o espaço ainda há espaço para muita gente, basta encontrar a porta. Fosse este mundo assim e não haveriam tantos deprimidos, frustrados e candidatos a tal, ver a noite para apreciar o dia é sempre bom, mas viver permanentemente na escuridão...

Gosto daquele espaço paralelo que é também meu e é bom, muito bom, passar lá umas horas. Perguntam-me entretanto se já tomei os comprimidos, digo que não, jamais os tomarei.

domingo, 8 de julho de 2007

Mesa

A mesma mesa com gente tão diferente à volta. Enquanto uns dançavam com vassouras, outros liam e escreviam, no mesmo instante alguém bebia sangria de um caixote do lixo. Isto no mesmo minuto em que num pedaço de chão se via o mundo de olhos fechados. Fragmentos de mundos paralelos que se vão intersectando enquanto o tempo escorrega pela noite.

Dia após dia, muda a mesa, mas as palavras continuam a voar como se fossem bolas de sabão. Aqueles que passam, bem as podem tentar agarrar para depois olhar para elas com atenção. Não vale a pena o esforço, jamais as entenderiam. São de poucos para poucos, habitantes de uma qualquer terra distante onde não há pó nas entrelinhas.

Entretando à medida que as bolas de sabão se soltam, nas tocas da Cidade, vão aparecendo pessoas vindas do nada, para não nos deixar esquecer que a tangerina é bem pequena.

sábado, 7 de julho de 2007

Sem Palavras


Como não me sai nada que se escreva ficam aqui umas palavrinahas do Mestre. Cantadas.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Menina

Tinha a vida na mão, o destino traçado. O futuro certo, sem margem para qualquer duvida. Estava tudo escrito, desde há muitos anos. A menina nasceu, cresceu, estudou, casou. Vivia feliz na sua espécie de fortaleza até que um dia teve que se mudar.Era um castelo pequeno, este para onde ia viver agora, nem muralhas tinha, só janelas com portadas escuras que nunca tinham sido abertas. Os vizinhos novos eram,no entanto, maiores que os que tinha conhecido desde sempre. A menina ouvia-os falar e não percebia grande coisa do que diziam. Mais tarde comecou a falar também, aos poucos. As conversas ao inicio estranhas, despertavam-lhe a imaginação, começava a ver mais longe. Numa manhã abriu as janelas e observou o horizonte que até então estava escondido pelas portadas negras. Gostou.

Chegou o dia em que quase implorou por companhia para a viagem que imaginava mais curta, afinal eram só uns dias longe do castelo. Os companheiros de viagem surgiram e no dia marcado lá estavam á espera, mas ninguém apareceu. Com o bilhete comprado na mão, aguardava ansiosamente a partida. Talvez por medo ou algo mais não partiu logo, esperou um dia mais. Talvez soubesse agora, depois de poder olhar as estrelas, que assim que embarcasse não mais iria ver o seu castelo com os mesmos olhos.

A viagem foi grande, tão grande que nunca acabou. Espalha-se por dias e lugares e conversas estranhas a horas dispersas...
Agora, ao castelo todas as noites regressa um corpo. Um corpo vazio que já não encontra nada que o preencha dentro daquelas quatro paredes. Enquanto lá está, sonha com o próximo lugar a conhecer, espera ainda poder ser gigante e sentir-se grande numa liliput perto de si.

Gostava de sair do castelo e ir morar para uma barraca onde o sol entrasse todas as manhãs pela fresta da janela e o ar fresco lhe enchesse os pulmões de alegria. Sonha ainda poder adormeçer de novo com o coração cheio, nem que seja cheio de alegria. Uma noite, enquanto dormia, viu uma fada abrir-lhe a mão e mostrar-lhe que aquele sinal, não era uma chaga, nao era o fim da linha como pensava, mas sim o inicio. A partir dali haviam vários caminhos. A menina pensa agora qual há-de escolher.

sábado, 30 de junho de 2007

Surreal

Belo sonho, vivido entre um chão de pó e um tecto de estrelas, com dois gigantes (embora um fosse maior que outro) ao lado, gigantes que apareceram do nada, sem avisar. Gigantes que riam e sorriam ao verem que tinham aterrado numa espécie de liliput, tal eram os seres que por lá vaguevam.

Acordo a lembrar o sonho que parecia real, das caras aos sons, do ar ao cheiro.
Descubro depois que não foi um sonho e que o que não existe acabou por acontecer. Belas surpresas, encontros e desencontros numa noite de verão. Noite de verão?

Forças, deuses ou fadas?

Luz


Tal como os girassois há pessoas que rodam e giram em busca da luz, dias e dias a fio até chegar o dia em que ela já não pode ser vista.

Os girassois secam, as pessoas morrem. Há que dar valor a quem não pára de girar.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Eu tinha que por isto aqui alguma vez...

Cachucho não é coisa que me traga a mim
Mais novidade do que lagostim
Nariz que reconhece o cheiro do pilim
Distingue bem o mortimor do meirim
A produtividade, ora aí está, quer dizer
Há tanto nesta terra que ainda está por fazer
Entrar por aí a dentro, analisar, e então
Do meu 'attachi-case' sai a solução!

FMI Não há graça que não faça o FMI
FMI O bombástico de plástico para si
FMI Não há força que retorça o FMI

Discreto e ordenado mas nem por isso fraco
Eis a imagem 'on the rocks' do cancro do tabaco
Enfio uma gravata em cada fato-macaco
E meto o pessoal todo no mesmo saco
A produtividade, ora aí está, quer dizer
Não ando aqui a brincar, não há tempo a perder
Batendo o pé na casa, espanador na mão
É só desinfectar em superprodução!

FMI Não há truque que não lucre ao FMI
FMI O heróico paranóico 'hara-quiri'
FMI Panegírico, pro-lírico daqui

Palavras, palavras, palavras e não só
Palavras para si e palavras para dó
A contas com o nada que swingar o sol-e-dó
Depois a criadagem lava o pé e limpa o pó
A produtividade, ora nem mais, célulazinhas cinzentas
Sempre atentas
E levas pela tromba se não te pões a pau
Num encontrão imediato do 3º grau!

FMI Não há lenha que detenha o FMI
FMI Não há ronha que envergonhe o FMI
FMI ...

Entretém-te filho, entretém-te, não desfolhes em vão este malmequer que bem-te-quer, mal-te-quer, vem-te-quer, ovomalt'e-quer, messe gigantesca, vem-te vindo, vi-me na cozinha, vi-me na casa-de-banho, vi-me no Politeama, vi-me no Águia D'ouro, vi-me em toda a parte, vem-te filho, vem-te comer ao olho, vem-te comer à mão, olha os pombinhos pneumáticos que te orgulham por esses cartazes fora, olha a Música no Coração da Indira Gandi, olha o Muchê Dyane que te traz debaixo d'olho, o respeitinho é muito lindo e nós somos um povo de respeito, né filho? Nós somos um povo de respeitinho muito lindo, saímos à rua de cravo na mão sem dar conta de que saímos à rua de cravo na mão a horas certas, né filho? Consolida filho, consolida, enfia-te a horas certas no casarão da Gabriela que o malmequer vai-te tratando do serviço nacional de saúde. Consolida filho, consolida, que o trabalhinho é muito lindo, o teu trabalhinho é muito lindo, é o mais lindo de todos, como o astro, não é filho? O cabrão do astro entra-te pela porta das traseiras, tu tens um gozo do caraças, vais dormir entretido, não é? Pois claro, ganhar forças, ganhar forças para consolidar, para ver se a gente consegue num grande esforço nacional estabilizar esta destabilização filha-da-puta, não é filho? Pois claro! Estás aí a olhar para mim, estás a ver-me dar 33 voltinhas por minuto, pagaste o teu bilhete, pagaste o teu imposto de transacção e estás a pensar lá com os teus botões: Este tipo está-me a gozar, este gajo quem é que julga que é? Né filho? Pois não é verdade que tu és um herói desde de nascente? A ti não é qualquer totobola que te enfia o barrete, meu grande safadote! Meu Fernão Mendes Pinto de merda, né filho? Onde está o teu Extremo Oriente, filho? Ah-ni-qui-bé-bé, ah-ni-qui-bó-bó, tu és 'Sepuldra' tu és Adamastor, pois claro, tu sozinho consegues enrabar as Nações Unidas com passaporte de coelho, não é filho? Mal eles sabem, pois é, tu sabes o que é gozar a vida! Entretém-te filho, entretém-te! Deixa-te de políticas que a tua política é o trabalho, trabalhinho, porreirinho da Silva, e salve-se quem puder que a vida é curta e os santos não ajudam quem anda para aqui a encher pneus com este paleio de Sanzala e ritmo de pop-xula, não é filho?

A one, a two, a one two three
FMI dida didadi dadi dadi da didi
FMI ...

Come on baby a ver se me comes! Come on Luís Vaz, 'amanda'-lhe com os decassílabos que os senhores já vão ver o que é meterem-se com uma nação de poetas! E zás, enfio-te o Manuel Alegre no Mário Soares, zás, enfio-te o Ary dos Santos no Álvaro de Cunhal, zás, enfio-te o Zé Fanha no Acácio Barreiros, zás, enfio-te a Natalia Correia no Sá Carneiro, zás, enfio-te o Pedro Homem de Melo no Parque Mayer e acabamos todos numa sardinhada ao integralismo Lusitano, a estender o braço, meio Rolão Preto, meio Steve McQueen, ok boss, tudo ok, estamos numa porreira meu, um tripe fenomenal, proibido voltar atrás, viva a liberdade, né filho? Pois, o irreversível, pois claro, o irreversívelzinho, pluralismo a dar com um pau, nada será como dantes, agora todos se chateiam de outra maneira, né filho? Ora que porra, deixa lá correr uma fila ao menos, malta pá, é assim mesmo, cada um a curtir a sua, podia ser tão porreiro, não é? Preocupações, crises políticas pá? A culpa é dos partidos pá! Esta merda dos partidos é que divide a malta pá, pois pá, é só paleio pá, o pessoal na quer é trabalhar pá! Razão tem o Jaime Neves pá! (Olha deixaste cair as chaves do carro!) Pois pá! (Que é essa orelha de preto que tens no porta-chaves?) É pá, deixa-te disso, não destabilizes pá! Eh, faz favor, mais uma bica e um pastel de nata. Uma porra pá, um autentico desastre o 25 de Abril, esta confusão pá, a malta estava sossegadinha, a bica a 15 tostões, a gasosa a sete e coroa... Tá bem, essa merda da pide pá, Tarrafais e o carágo, mas no fim de contas quem é que não colaborava, ah? Quantos bufos é que não havia nesta merda deste país, ah? Quem é que não se calava, quem é que arriscava coiro e cabelo, assim mesmo, o que se chama arriscar, ah? Meia dúzia de líricos, pá, meia dúzia de líricos que acabavam todos a fugir para o estrangeiro, pá, isto é tudo a mesma carneirada! Oh sr. guarda venha cá, á, venha ver o que isto é, é, o barulho que vai aqui, i, o neto a bater na avó, ó, deu-lhe um pontapé no cu, né filho? Tu vais conversando, conversando, que ao menos agora pode-se falar, ou já não se pode? Ou já começaste a fazer a tua revisãozinha constitucional tamanho familiar, ah? Estás desiludido com as promessas de Abril, né? As conquistas de Abril! Eram só paleio a partir do momento que tas começaram a tirar e tu ficaste quietinho, né filho? E tu fizeste como o avestruz, enfiaste a cabeça na areia, não é nada comigo, não é nada comigo, né? E os da frente que se lixem... E é por isso que a tua solução é não ver, é não ouvir, é não querer ver, é não querer entender nada, precisas de paz de consciência, não andas aqui a brincar, né filho? Precisas de ter razão, precisas de atirar as culpas para cima de alguém e atiras as culpas para os da frente, para os do 25 de Abril, para os do 28 de Setembro, para os do 11 de Março, para os do 25 de Novembro, para os do... que dia é hoje, ah?

FMI Dida didadi dadi dadi da didi
FMI ...

Não há português nenhum que não se sinta culpado de qualquer coisa, não é filho? Todos temos culpas no cartório, foi isso que te ensinaram, não é verdade? Esta merda não anda porque a malta, pá, a malta não quer que esta merda ande, tenho dito. A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, não é isto verdade? Quer isto dizer, há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular! Somos todos muita bons no fundo, né? Somos todos uma nação de pecadores e de vendidos, né? Somos todos, ou anti-comunistas ou anti-faxistas, estas coisas até já nem querem dizer nada, ismos para aqui, ismos para acolá, as palavras é só bolinhas de sabão, parole parole parole e o Zé é que se lixa, cá o pintas azeite mexilhão, eu quero lá saber deste paleio vou mas é ao futebol, pronto, viva o Porto, viva o Benfica, Lourosa, Lourosa, Marraças, Marraças, fora o arbitro, gatuno, bora tudo p'ro caralho, razão tinha o Tonico de Bastos para se entreter, né filho? Entretém-te filho, com as tuas viúvas e as tuas órfãs que o teu delegado sindical vai tratando da saúde aos administradores, entretém-te, que o ministro do trabalho trata da saúde aos delegados sindicais, entretém-te filho, que a oposição parlamentar trata da saúde ao ministro do trabalho, entretém-te, que o Eanes trata da saúde à oposição parlamentar, entretém-te, que o FMI trata da saúde ao Eanes, entretém-te filho e vai para a cama descansado que há milhares de gajos inteligentes a pensar em tudo neste mesmo instante, enquanto tu adormeces a não pensar em nada, milhares e milhares de tipos inteligentes e poderosos com computadores, redes de policia secreta, telefones, carros de assalto, exércitos inteiros, congressos universitários, eu sei lá! Podes estar descansado que o Teng Hsiao-Ping está a tratar de ti com o Jimmy Carter, o Brezhnev está a tratar de ti com o João Paulo II, tudo corre bem, a ver quem se vai abotoar com os 25 tostões de riqueza que tu vais produzir amanhã nas tuas oito horas. A ver quem vai ser capaz de convencer de que a culpa é tua e só tua se o teu salário perde valor todos os dias, ou de te convencer de que a culpa é só tua se o teu poder de compra é como o rio de S. Pedro de Moel que se some nas areias em plena praia, ali a 10 metros do mar em maré cheia e nunca consegue desaguar de maneira que se possa dizer: porra, finalmente o rio desaguou! Hão te convencer de que a culpa é tua e tu sem culpa nenhuma, tens tu a ver, tens tu a ver com isso, não é filho? Cada um que se vá safando como puder, é mesmo assim, não é? Tu fazes como os outros, fazes o que tens a fazer, votas à esquerda moderada nas sindicais, votas no centro moderado nas deputais, e votas na direita moderada nas presidenciais! Que mais querem eles, que lhe ofereças a Europa no natal?! Era o que faltava! É assim mesmo, julgam que te levam de mercedes, ora toma, para safado, safado e meio, né filho? Nem para a frente nem para trás e eles que tratem do resto, os gatunos, que são pagos para isso, né? Claro! Que se lixem as alternativas, para trabalho já me chega. Entretém-te meu anjinho, entretém-te, que eles são inteligentes, eles ajudam, eles emprestam, eles decidem por ti, decidem tudo por ti, se hás-de construir barcos para a Polónia ou cabeças de alfinete para a Suécia, se hás-de plantar tomate para o Canada ou eucaliptos para o Japão, descansa que eles tratam disso, se hás-de comer bacalhau só nos anos bissextos ou hás-de beber vinho sintético de Alguidares-de-Baixo! Descansa, não penses em mais nada, que até neste país de pelintras se acho normal haver mãos desempregadas e se acha inevitável haver terras por cultivar! Descontrai baby, come on descontrai, arrefinfa-lhe o Bruce Lee, arrefinfa-lhe a macrobiótica, o biorritmo, o euroscópio, dois ou três ofeneologistas, um gigante da ilha de Páscoa e uma Grace do Mónaco de vez em quando para dar as boas festas às criancinhas! Piramiza filho, piramiza, antes que os chatos fujam todos para o Egipto, que assim é que tu te fazes um homenzinho e até já pagas multa se não fores ao recenseamento. Pois pá, isto é um país de analfabetos, pá! Dá-lhe no Travolta, dá-lhe no disco-sound, dá-lhe no pop-xula, pop-xula pop-xula, iehh iehh, J. Pimenta forever! Quanto menos souberes a quantas andas melhor para ti, não te chega para o bife? Antes no talho do que na farmácia; não te chega para a farmácia? Antes na farmácia do que no tribunal; não te chega para o tribunal? Antes a multa do que a morte; não te chega para o cangalheiro? Antes para a cova do que para não sei quem que há-de vir, cabrões de vindouros, ah? Sempre a merda do futuro, a merda do futuro, e eu ah? Que é que eu ando aqui a fazer? Digam lá, e eu? José Mário Branco, 37 anos, isto é que é uma porra, anda aqui um gajo cheio de boas intenções, a pregar aos peixinhos, a arriscar o pêlo, e depois? É só porrada e mal viver é? O menino é mal criado, o menino é 'pequeno burguês', o menino pertence a uma classe sem futuro histórico... Eu sou parvo ou quê? Quero ser feliz porra, quero ser feliz agora, que se foda o futuro, que se foda o progresso, mais vale só do que mal acompanhado, vá mandem-me lavar as mãos antes de ir para a mesa, filhos da puta de progressistas do caralho da revolução que vos foda a todos! Deixem-me em paz porra, deixem-me em paz e sossego, não me emprenhem mais pelos ouvidos caralho, não há paciência, não há paciência, deixem-me em paz caralho, saiam daqui, deixem-me sozinho, só um minuto, vão vender jornais e governos e greves e sindicatos e policias e generais para o raio que vos parta! Deixem-me sozinho, filhos da puta, deixem só um bocadinho, deixem-me só para sempre, tratem da vossa vida que eu trato da minha, pronto, já chega, sossego porra, silêncio porra, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me morrer descansado. Eu quero lá saber do Artur Agostinho e do Humberto Delgado, eu quero lá saber do Benfica e do bispo do Porto, eu quero se lixe o 13 de Maio e o 5 de Outubro e o Melo Antunes e a rainha de Inglaterra e o Santiago Carrilho e a Vera Lagoa, deixem-me só porra, rua, larguem-me, zórpila o fígado, arreda, 'terneio' Satanás, filhos da puta. Eu quero morrer sozinho ouviram? Eu quero morrer, eu quero que se foda o FMI, eu quero lá saber do FMI, eu quero que o FMI se foda, eu quero lá saber que o FMI me foda a mim, eu vou mas é votar no Pinheiro de Azevedo se eu tornar a ir para o hospital, pronto, bardamerda o FMI, o FMI é só um pretexto vosso seus cabrões, o FMI não existe, o FMI nunca aterrou na Portela coisa nenhuma, o FMI é uma finta vossa para virem para aqui com esse paleio, rua, desandem daqui para fora, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe...

Mãe, eu quero ficar sozinho... Mãe, não quero pensar mais... Mãe, eu quero morrer mãe. Eu quero desnascer, ir-me embora, sem ter que me ir embora. Mãe, por favor, tudo menos a casa em vez de mim, outro maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo, de quê mãe? Diz, são coisas que se me perguntem? Não pode haver razão para tanto sofrimento. E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar. Partir e aí nessa viajem ressuscitar da morte às arrecuas que me deste. Partida para ganhar, partida de acordar, abrir os olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar, terra, mar, mãe... Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar nota a nota o canto das sereias, lembrar o depois do adeus, e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar...

Assim mesmo, como entrevi um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o azul dos operários da Lisnave a desfilar, gritando ódio apenas ao vazio, exército de amor e capacetes, assim mesmo na Praça de Londres o soldado lhes falou: Olá camaradas, somos trabalhadores, eles não conseguiram fazer-nos esquecer, aqui está a minha arma para vos servir. Assim mesmo, por detrás das colinas onde o verde está à espera se levantam antiquíssimos rumores, as festas e os suores, os bombos de lava-colhos, assim mesmo senti um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o bater inexorável dos corações produtores, os tambores. De quem é o carvalhal? É nosso! Assim te quero cantar, mar antigo a que regresso. Neste cais está arrimado o barco sonho em que voltei. Neste cais eu encontrei a margem do outro lado, Grandola Vila Morena. Diz lá, valeu a pena a travessia? Valeu pois.

Pela vaga de fundo se sumiu o futuro histórico da minha classe, no fundo deste mar, encontrareis tesouros recuperados, de mim que estou a chegar do lado de lá para ir convosco. Tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos, o meu canto e a palavra, o meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda não nasceram. A minha arte é estar aqui convosco e ser-vos alimento e companhia na viagem para estar aqui de vez. Sou português, pequeno burguês de origem, filho de professores primários, artista de variedades, compositor popular, aprendiz de feiticeiro, faltam-me dentes. Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto, muito mais vivo que morto, contai com isto de mim para cantar e para o resto.

José Mário Branco, FMI

terça-feira, 26 de junho de 2007

A 5ª da 161

Ora mais uma corrente. Mas desta vez faço batota. Os 3 primeiros livros em que peguei tinham menos de 150 páginas, por isso decidi abrir O LIVRO e ver o que estava na tal 5ª da 161.

(Isto são as supostas regras)
1. Pegar no livro mais próximo
2. Abri-lo na página 161
3. Procurar a 5ª frase completa
4. Colocar a frase no blog
5. Não vale procurar o melhor livro que têm, usem o mais próximo
6. Passar o desafio a cinco pessoas.

Se alguém se quiser dar ao trabalho, está à vontade...

"Queria perdoar-lhe o Rei benino,
Movido das palavras que o magoam;
Mas o pertinaz povo e seu destino
(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam."

Luís Vaz de Camões, "Os Lusíadas" III-130

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Força

Conversas vagabundas no meio de horas perdidas. São boas, muito, muito boas...
O tempo corre depressa, ao ritmo das amarelinhas que vão passando por cima da mesa, ao ritmo das palavras que vão voando.
A noite acaba pouco depois de começar, nasce um novo dia e há sempre mais alguma coisa em que pensar.

"Respiro fundo
E lembro-me da força"

sábado, 23 de junho de 2007

Lol

Riem-se de mim quando digo algumas coisas. Quando digo que o amanhã não existe e que as formigas são extraterrestres. Quando digo que o longe é já ali e os meteoritos andam lá por cima e podem cair a qualquer momento. Riem-se quando digo que não me importo e me sento ao sol á espera de nada. Riem-se quando digo que faço fogueiras. Acho graça aos risos. Muito mais agora que me dá vontade de rir quando olho para eles a rirem de mim por querer vender sorrisos e frascos cheios de nada. Vão ter que rir mais.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Vómito

Vomitei como poucas vezes tinha feito, corri para longe, longe no tempo, para que o cheiro não me pudesse incomodar.
Foram algumas horas, nem sabia que se podia guardar tanta coisa estragada cá dentro, com tudo aquilo aos trambolhões e a fermentar durante tanto tempo o resultado não podia ser agradável.
Mas foi um vómito em condições, com uma banda sonora em tons de violeta e amarelo. Já sem força, adormeci.

Acordei bem disposto.

terça-feira, 19 de junho de 2007

Palavras sem sentido que surgem num dia mau

Yellow,
Srebrenica,
Folhas,
Violeta,
Chuva,
Rotunda,
e, já agora, terrina.

*Pode ser que noutro tipo de dia isto venha a dar um texto...

domingo, 17 de junho de 2007

Rotina

Lia todos os dias, no jornal do café, com especial atenção as páginas da necrologia. Quase todos os dias lhe eram estranhos os nomes e as caras. Entretinha-se assim durante uns bons minutos, dia após dia. Enquanto outros imaginavam o novo reforço do clube a marcar um grande golo, ele via caras coladas a um corpo imaginário. Arranjava-lhes uma vida. A todas.

Jogavam cartas no jardim do bairro à sombra de uma árvore o Manuel Carvalho (76 anos, 3 filhos e 7 netos) com o José Silva (80 anos, solteiro), observados de perto pela Amélia Santos (94 anos, cara de 60). Todos os dias uma história diferente feita com nomes e caras encontradas numa página negra.

Certo dia, à hora certa, chegou com o olhar molhado, pediu o mesmo de sempre e sentou-se no lugar do costume a folhear o jornal, mas desta houve uma página que virou sem sequer olhar. Já não havia o gozo de dar largas à imaginação. Não era preciso inventar uma história para o nome que conhecia tão bem, quase desde que nascera.

Mas as páginas estavam lá para o lembrar, que por mais que se tente não ver, a verdade existe e mais cedo ou mais tarde acaba por aparecer, como quando chegou a criança que pegou nas folhas soltas e quase por ironia deixou só uma sobre a mesa. A tal, para que não tinha sequer olhado.

No bone today

I've got a little black book with my poems in.
Got a bag with a toothbrush and a comb in.
When I'm a good dog, they sometimes throw me a bone in.

I got elastic bands keepin my shoes on.
Got those swollen hand blues.
Got thirteen channels of shit on the T.V. to choose from.
I've got electric light.
And I've got second sight.
And amazing powers of observation.
And that is how I know
When I try to get through
On the telephone to you
There'll be nobody home.

I've got the obligatory Hendrix perm.
And the inevitable pinhole burns
All down the front of my favorite satin shirt.
I've got nicotine stains on my fingers.
I've got a silver spoon on a chain.
I've got a grand piano to prop up my mortal remains.

I've got wild staring eyes.
And I've got a strong urge to fly.
But I got nowhere to fly to.
Ooooh, Babe when I pick up the phone
There's still nobody home.

I've got a pair of Gohills boots
and I got fading roots.

Pink Floyd, Noboody home

sábado, 16 de junho de 2007

Livros

Eu, que sou gajo de poucas leituras fui apanhado por uma corrente de livros. A responsável foi a Leonor.

Cinco livros, disse ela, os últimos foram estes:

-Animal farm, George Orwell;
-E se eu gostasse muito de morrer, Rui Cardoso Martins;
-A metamorfose, Franz Kafka;
-Hamlet, William Shaskespeare;
-A minha andorinha, Miguel Esteves Cardoso.

Agora vem a parte em que tenho que propor o mesmo a cinco blogs. Aqui vai.

A Outra Voz

A vida, o Amor e as Vacas

Caixa de Ritmos

Guerra de Palavras

São Apenas Coisas que Acontecem

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Navegar

O que às vezes parece uma estupida divagação de uma tarde de sol, pode tornar-se num quebra cabeças. Dos dificeis.

Sei que sou capaz de navegar, sei que o mar tem dias bons e dias maus, sei que nem sempre vai haver peixe e sei também que nunca meti o barco ao mar para ficar pelo caminho. Tenho também quem me ajude a empurrar o barco para a àgua e me dê um mapa para a viagem. Tenho tudo isso, mas não sei se quando chegar a hora o barco vai largar amarras. Até lá, espero ao sol.

Epifania

(Não tiro da cabeça o "Tcharam" do Nuno Lopes entre um bacalhau e um chouriço no CREDO do Herman)

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Negação

Muitas vezes ouvi dizer o ditado "Não faças aos outros o que não queres que te façam.". Há nele algo de muito Português, uma certa maldade. Não me serviu, mas com uma negação tornei-o mais bonito. Faz aos outros o que gostavas que te fizessem. Soa bem melhor, pelo menos a mim.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

#7

Após um dia tristonho,
De mágoas e agonias
Vem outro alegre e risonho:
São assim todos os dias.

António Aleixo

domingo, 10 de junho de 2007

Portugal, Portugal

Hoje é dia de Portugal, este belo país à beira mar plantado.

É nestas alturas que me ponho a tentar descobrir o que "nos" aconteceu. Fomos donos de meio mundo e mais um pouco, descobrimos que o chão não acababa lá em baixo ,perto do pólo, e que o caminho não era só um, pela direita também dava.

E depois? Que fizeram os nossos egrégios avós para no deixar assim? Tentaram enriquecer, pois claro, e para isso, roubaram e mataram até não haver amanhã.

É claro que hoje somos ainda maiores, temos o Cristiano e o Figo, esses grandes jogadores da bola para distrair o povo enquanto nos afundamos...

E enquanto o povo se distrai, o país muda. Onde haviam àrvores, há cinza, onde havia cinza, há terra, onde havia terra, há casas. Há também casas em cima do mar, esse malvado que de vez em quando as inunda.

Enquanto o povo se distrai, vai sendo controlado. O cartãozinho de cliente da loja A, B e C é muito bom, e se por acaso amanhã um gajo qualquer sentado num gabinete quiser saber o que comprou o Zé no sábado à tarde não há-de fazer mais que carregar em meia duzia de teclas.

Enquanto o povo se distrai, vai sendo roubado como se não houvesse amanhã. Só o simples facto de ter dinheiro no banco, custa dinheiro, muito dinheiro. Um euro para isto mais dois para aquilo e no fim do ano, lá foi uma noite bem passada para o bolso de alguém.

Enquanto o povo se distrai, tentam convencer o povo que a culpa é de todos e não de meia dúzia de gajos comandados por seitas manhosas que só querem ser um pouco mais ricos.

Nestas alturas lembro-me sempre do Jorge e do seu Portugal. Não sei do que estamos à espera, eu até que não me importo de levar umas bastonadas se for por uma boa causa...

Depois há os bons a quem ninguém dá valor e que tentam calar à força. Há muitos, vou recordar um, Gonçalo Ribeiro Telles. Um pregador, que ainda há-de viver para dizer "Eu tinha razão!".

Portugal, Portugal

Tiveste gente de muita coragem
E acreditaste na tua mensagem
Foste ganhando terreno
E foste perdendo a memória

Já tinhas meio mundo na mão
Quiseste impor a tua religião
E acabaste por perder a liberdade
A caminho da glória

Ai, Portugal, Portugal
De que é que tu estás à espera?
Tens um pé numa galera
E outro no fundo do mar
Ai, Portugal, Portugal
Enquanto ficares à espera
Ninguém te pode ajudar

Tiveste muita carta para bater
Quem joga deve aprender a perder
Que a sorte nunca vem só
Quando bate à nossa porta

Esbanjaste muita vida nas apostas
E agora trazes o desgosto às costas
Não se pode estar direito
Quando se tem a espinha torta

Ai, Portugal, Portugal
De que é que tu estás à espera?
Tens um pé numa galera
E outro no fundo do mar
Ai, Portugal, Portugal
Enquanto ficares à espera
Ninguém te pode ajudar

Fizeste cegos de quem olhos tinha
Quiseste pôr toda a gente na linha
Trocaste a alma e o coração
Pela ponta das tuas lanças

Difamaste quem verdades dizia
Confundiste amor com pornografia
E depois perdeste o gosto
De brincar com as tuas crianças

Ai, Portugal, Portugal
De que é que tu estás à espera?
Tens um pé numa galera
E outro no fundo do mar
Ai, Portugal, Portugal
Enquanto ficares à espera
Ninguém te pode ajudar

Jorge Palma, Portugal, Portugal

sábado, 9 de junho de 2007

ASAE

Pergunto como é possível os gajos da ASAE chegarem a uma festa de verão -onde supostamente se iam comer sardinhas assadas , caldo verde e sobremesas- e têm a lata de apreender o caldo verde e as sobremesas.

Falta de higiene? Ratos ao lado da panela? Ovos podres? Mau aspecto? Nada disso. As sobremesas tinham sido, imagine-se lá, feitas em casa de pessoas particulares e não foram devidamente transportadas até ao sitio da bucha. Já o caldo verde ameaçava sériamente a saúde pública de toda a região centro. Estava a ser feito dentro de uma panela, em cima de um fogão no recinto onde se ia comer... Como é óbvio ,o caldo verde, se não for feito num restaurante e (devidamente) transportado para as mesas pode causar uma série de doenças.

E não vou falar da pastelaria aqui perto que pagou um absurdo por vender vinho branco fresco.

Será que depois da liberdade de expressão, nos querem tirar a liberdade da refeição?

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Borrão

A linha do horizonte está cada vez mais desfocada, ao ponto de já nada se poder distinguir. Só há uma espécie de borrão lá longe. Avisto coisas, mas não sei o que são.

Dizem-me que é mentira, que lá longe mora um futuro, com coisas boas e coisas más, dizem o que vai acontecer daqui a dez, vinte anos, quais videntes. Não quero saber. E se tudo o que dizem for mentira e a verdade não passar do tal borrão que vai ganhando forma ao longo do tempo. Não me vejo a mudar o mundo para tentar chegar ao futuro prometido.

De uma maneira ou de outra acho que o fim vai ser trágico.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Razão

Todos os dias somos rodeados de juizes, somos julgados até por coisas que fizemos sem ter noção. Mas os actos estão lá e a sentença é sempre ditada. É curioso ver como por vezes um erro inconsciente muda uma vida para sempre. E todos erramos não é?

Há também os que julgam por aquilo que não fizemos, ou que eles pensam que não fizemos - há quem faça muita coisa sem espalhar a notícia aos sete ventos- sem sequer tentar saber as razões. Acontece que no correr dos dias, as vidas vão mudando ao sabor desses julgamentos onde nem sequer nos foi dada uma hipótese de defesa.

Para lá de tudo isto há que procurar a razão, sempre, mesmo que a razão seja nada.

domingo, 3 de junho de 2007

Ódio

Tanto ódio, tanto ódio... Nas palavras, nas caras, nos olhares. Tanto ódio que vejo nas pessoas. Vou perguntando a mim mesmo porque são assim mas não tenho resposta. De onde veio?

Depois há o efeito bola de neve, ódio gera ódio, sorriso gera sorriso, mas sorrisos cada vez há menos. Ainda não querem que haja guerra no mundo. Houvessem misseis à venda na loja da esquina e se calhar já não estava aqui a escrever.

Sorri!