segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010


"pouco a pouco o passo faz-se vagabundo
dá-se a volta ao medo dá-se a volta ao mundo
diz-se do passado que está moribundo
bebe-se o alento num copo sem fundo
e vem-nos à memória uma frase batida"

Sérgio Godinho

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Kristallnacht

"Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?"
Álvaro de Campos

avança, recua. 1984, 2009. 2009, 1984. ortografia, língua, a evolução natural das coisas na linearidade do tempo circularmente abstacto. lentamente a caminhar. desta vez para trás...

palavras novas. bufo, ocorre.me e parece até já a ter ouvido em algum lado, talvez o mesmo contexto, talvez, talvez tenhamos de voltar a ter medo das esquinas.

e foi tudo tão fácil. foi tão fácil convencer.nos que precisamos de ter um telefonezinho sempre no bolso. tão fácil acreditar que precisamos de uma câmara em cada rua. tão fácil cair. e a puta da ratoeira é sempre a mesma. sempre sempre...

no dia em que acabarem definitivamente os loucos que ainda usam envelopes e selos, restarão apenas -mais uma vez- os vidros estilhaçados no chão como cristal.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

365
Fez um ano e as paredes mudaram de cor. No fundo foi isso. Uma mudança na cor das paredes. De resto tudo igual, tudo diferente, confuso, difuso…
Relativo.
Não há neve na rua. Mas há. Não há neve na minha rua. Tenho uma rua? Não há neve do lado de fora da janela do quarto. Qual quarto? Somos tão importantes que nem nos damos ao trabalho de situar os lugares. É tudo nosso. A janela, a rua, o mundo, a vida, a morte, as cinco ou seis gramas de ouro anel.

da escola

hidrogénio e nebulosas difusas. um compasso de espera, ou dois, depende da paciência de quem se encosta à parede e eis a estrela. estável. movem.se os ponteiros no sentido dos ponteiros da maioria dos relógios ou noutro qualquer. evolução. gigante vermelha ou super gigante, depende do tamanho. roda o cubo. anã branca, supernova, pulsar, buraco negro. relatividade, ano-luz, parsec, metro, pé, unha negra...

sabemos tanto de estrelas que nos esquecemos de aprender a olhar para uma cova.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

dos prefixos


"As pessoas que eu mais admiro são aquelas que nunca acabam."

José de Almada Negreiros

domingo, 31 de janeiro de 2010


tão estranhas, as nossas entranhas.

31 anos depois III

"Entretém-te meu anjinho, entretém-te, que eles são inteligentes, eles ajudam, eles emprestam, eles decidem por ti, decidem tudo por ti, se hás-de construir barcos para a Polónia ou cabeças de alfinete para a Suécia, se hás-de plantar tomate para o Canadá ou eucaliptos para o Japão, descansa que eles tratam disso, se hás-de comer bacalhau só nos anos bissextos ou hás-de beber vinho sintético de Alguidares-de-Baixo! Descansa, não penses em mais nada, que até neste país de pelintras se acho normal haver mãos desempregadas e se acha inevitável haver terras por cultivar!"

José Mário Branco, FMI

sábado, 30 de janeiro de 2010

a luz

a luz é uma coisa boa porque sem luz não se consegue ver. os cegos não vêm. quem consegue ver vê coisas. as coisas podem ser coisas lindas ou coisas feias. as coisas feias podem desaparecer se forem mortas. para haver luz é preciso qualquer coisa que dê luz. uma lâmpada dá luz. as casas têm lâmpadas. é por isso que de noite se consegue beber água da torneira.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

da(s) memória(s)

"Primeiro levaram os comunistas,
mas eu não me importei,
porque não era nada comigo.

Em seguida levaram alguns operários,
mas a mim isso não me afectou,
porque eu não sou operário.

Depois prenderam os sindicalistas,
mas eu não me incomodei,
porque nunca fui sindicalista.

Logo a seguir,
chegou a vez dos padres,
mas como eu não sou religioso, também não liguei.

Agora levaram-me a mim e,
quando percebi,
já era tarde."

Bertolt Brecht


Não saber é muito mais fácil. Não querer saber. Afinal foi tão longe. Tantos quilómetros, tantos anos. Tão longe…

E no fundo, as coisas, todas elas, só têm a importância que lhes quisermos dar. Dos metros não sei, ouvi dizer que passaram sessenta e cinco anos -nós e a mania do lustro-. Tanto tempo para aprender…

Há uma história que mete uma rã e uma panela de água fria. E um fogão. Dá até para ver ao vivo na cozinha mais próxima. Pega-se numa rã, viva, e mete-se dentro de uma panela de água a ferver (um tacho é melhor, se não houver convém que a panela não esteja cheia). A rã salta, ou pelo menos tenta. E se a rã for posta em água fria? E se se aquecer a água devagar? E se a rã se for habituando ao calor até morrer cozida?

Histórias simples que se lembram enquanto se espera para ter um cartão novo, mega moderno. Vamos passar a ser um número. Um destes dias já nem importa dar nome aos putos. Imagino o alívio dos  futuros Ermenegildos.

Há outras coisas que também se pode. Agora até é mais fácil a vida de tantos... Gasolina? É ir às bombas, atestar, e dar o nome e o número ao senhor que lá trabalha -se existir, claro está-. Não pagar deixou de ser crime, ouvi hoje nas notícias.

Andemos então para a frente. Nada nos falta... Mais dia menos dia poderá aparecer o cinema restaurante. Um comprimido antes de entrar para matar a fome, ração de combate barata. E depois iguarias a desfilar à frente dos óculos suados por mil caras famintas. O abrir da boca -real- e o mastigar -imaginário-, um aroma fantástico. A felicidade dos tempos modernos. Arranja-se de quando em vez um distrair de qualquer coisa para mudar de assunto e eis quase tudo. Já agora a gripe A é uma doença fodida não é?



















 





há sessenta e cinco anos os russos encontraram no meio do nada polaco seres bípedes de pijama azul. tinham frio e fome. alguns deles eram, ainda, Homens.

domingo, 24 de janeiro de 2010

O frio especial das manhãs de viagem,
A angústia da partida, carnal no arrepanhar
Que vai do coração à pele,
Que chora virtualmente embora alegre.
 
Álvaro de Campos

sábado, 23 de janeiro de 2010

apodis

e foi, um dia, mais que um até.

porque as pessoas são esquecidas.

afinal as estrelas estão sempre sempre lá em cima. mas não as vemos com o ofuscar do sol.

e era isto e coisas simples demais para que alguma mente as pudesse complicar que se deviam ouvir pelos altifalantes que nos cercam todos os dias. mas as pessoas são esquecidas. é esse o problema.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

...

lei
s. f.

Preceito ou regra estabelecida por direito.
Norma, obrigação.
Religião.
Relação constante entre fenómenos da Natureza, ou entre as fases de um mesmo fenómeno.
Quantidade de metal precioso que deve entrar em cada quilograma de metal preparado ou cunhado.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

...

fora-da-lei
adj. 2 gén. 2 núm. s. 2 gén. 2 núm.

Que ou quem vive à margem das leis criadas pela sociedade. = CRIMINOSO, MARGINAL

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

da normalidade

conheço alguém que rapa o cabelo e tem um taco de basebol e o Mein Kampf no quarto.

31 anos depois II

"Estás desiludido com as promessas de Abril, né? As conquistas de Abril! Eram só paleio a partir do momento que tas começaram a tirar e tu ficaste quietinho, né filho? E tu fizeste como o avestruz, enfiaste a cabeça na areia: «não é nada comigo, não é nada comigo», né? E os da frente que se lixem... E é por isso que a tua solução é não ver, é não ouvir, é não querer ver, é não querer entender nada: precisas de paz de consciência. Não andas aqui a brincar, né filho? Precisas de ter razão, precisas de atirar as culpas para cima de alguém, e atiras as culpas para os da frente..."

José Mário Branco, FMI

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

de facto

o mundo tem uns conceitos de normalidade algo estranhos

31 anos depois I

"Entretém-te, filho! E vai para a cama descansado, que há milhares de gajos inteligentes a pensar em tudo neste mesmo instante, enquanto tu adormeces a não pensar em nada! Milhares e milhares de tipos inteligentes e poderosos, com computadores, redes de polícia secreta, telefones, carros de assalto, exércitos inteiros, congressos universitários, eu sei lá!"

José Mário Branco, FMI

domingo, 10 de janeiro de 2010

das voltas

"Mundo puro e circular: quatro senhoras inventaram a diplomacia rotativa do bolo. Uma fez um toucinho-do-céu e deu-o a outra para agradecer um favor, esta passou o bolo a uma terceira por causa de uma festa,  a terceira não o serviu na festa e, como devia um bolo a uma colega, deu-lho mas fazendo de conta que a obra era sua, e a colega finalmente, lembrou-se de fazer simpatia a outra amiga, um toucinho-do-céu a pensar no futuro. E a verdade é que a merda do bolo deu a volta a quatro frigoríficos em quatro dias, de travessa em travessa a secar a capa de açúcar, escurecendo a baba do ovo, perdendo o odor da amêndoa para, finalmente, reentrar em casa da mesma senhora que o tinha cozinhado e que, sendo diabética, não o podia comer, embora comesse, as nossas diabéticas comem doces até cegarem ou perderem as extremidades por amputação.
   - Espero que goste, dona Natalina, tenho um fraco no ponto-rebuçado.
   - Olhe, leve já o naperon, por acaso não é meu. É a única coisa aliás.
Universo que expande e encolhe, nódoa de chávena numa mesa de café."

Rui Cardoso Martins, E se eu gostasse muito de morrer

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

solstitium

hoje foi o mais curto dia do ano. lá fora a lua cresce a quase sorrir.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

dos pregos

acabou a estrada. afinal as bermas não eram paralelas perfeitas que só aparentemente se juntavam ao fundo, no fim, aparentemente. eram uma outra coisa e a estrada acaba mesmo como se imagina. pelo menos eu. uma cascata em bico que dá para lado nenhum. dizem que é o lado do medo. talvez seja verdade mas isto são palavras já tão gastas, tão gastas, tão...

o rasto de garrafas e flores mortas ficou para trás. trás daqui, frente de outro lado qualquer. afinal é uma roda não é? é isso que nos ensinam na escola. a terra é uma roda e as bolas são rodas e os carros são rodas e o que não roda pára e as rodas para um lado e para o outro e as rodas para rodar e girar e saltar e, talvez, ser, ou não. deixar de existir.

as definições estão todas erradas. conheço pelo menos uma mão cheia de imortais que, a esta hora, já deixaram de ser carne para ser bicho e couve e, quem sabe, semente de girassol no bico do pássaro apanhado no vôo por um gato sem o olho esquerdo. há gatos sem o olho esquerdo, não é por isso que deixam de ser gatos. os pássaros que perdem as asas é outra conversa. os imortais. deixei de gostar de pombos às três da manhã de um dia de março enquanto um respirar dorido era tudo o que ouvia. e andam aí, aqui, em tudo e em todo o lado. mas não se mostram a todos, lá terão as suas razões. mas eu vi! era uma esquina e a geometria toda em cima da cabeça. era isto. e foi, depois, num outro dia, a mesma mesa e o cheiro que há em mais lugar nenhum. e o resto.

a estrada que acabou nas duas linhas feitas ponto, ponto feito fim, fim feito medo. a ultima palavra dos Lusíadas é inveja. as aranhas têm oito patas e as formigas seis. há gente em pânico para que se defina  finalmente o quilograma. as pessoas são más. os cogumelos são fungos. six feet under tem um fim de lamber os dedos. um ano-luz não consigo perceber o que é.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

anniversarìu






"nem choros nem medos nem uivos
nem gritos nem pedras nem facas
nem fomes nem secas nem feras
nem ferros nem farpas nem farsas
nem forcas nem cardos nem dardos
nem guerras"


José Carlos Ary dos Santos, Canção de Madrugar

sete de Dezembro

(...)

sábado, 5 de dezembro de 2009

trilho

a mão na boca evita a saida das palavras que não há. vinte e oito vezes um, dois, três, vinte e cinco. escondem-se algures entre as mãos bem abertas e pousadas no chão queimado, quente. e hoje, gripe, tiros, um poço sem água, o esquecimento de alguém. importa pouco. calou-se o homem que gritou três dias no fundo do poço, talvez já não lhe doam os ossos partidos.

click

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

ovelhas

são brancas e vão pela beira da estrada. umas atrás das outras. devagar. ou mais depressa. pouco lhes interessa. caminham apáticas para lugar algum. lugar nenhum. movem-se. ou param.

Princípio de Peter


"In a hierarchy, every employee tends to rise to his level of incompetence"

Laurence Johnston Peter

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Eu vi


"Se o meu peito diz coragem,
Volto a partir em paz."

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Eles existem II


dos olhos

Sei que pareço um ladrão...
mas há muitos que eu conheço
que, sem parecer o que são,
são aquilo que eu pareço.

António Aleixo

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Há palavras lindas

 
andarilho

domingo, 22 de novembro de 2009


"talvez os homens existam e sejam, e talvez para isso não exista qualquer explicação; talvez os homens sejam pedaços de caos sobre a desordem que encerram, e talvez seja isso que os explique"

José Luís Peixoto, Nenhum Olhar

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

הקיר









 

 

dizem que a grande muralha da china se vê da lua. conta-se que algures em África havia uma frigideira de Homens no meio do mar. caem uns, levantam-se outros. a pequenez causa medo. e é uma pena que cada vez nasçam menos gigantes.

domingo, 8 de novembro de 2009

"Sonhar seduz a paz"

Ornatos Violeta, Nascer Devagar

sábado, 31 de outubro de 2009

scala (la)

é manhã e ainda ninguém sabe se o vôo levará os corpos a algum lado. está frio e ninguém sabe muito bem o que está ao lado. quase ninguém. estrada de ferro e a estação velha à chegada. a falta.

quase tudo é o que parece. as coisas a quererem sempre o mesmo. certo, certo, certo. depois há o resto todo. o resto que nem sequer importa, o que mal se vê para lá das luzes. o caminho que se abre pela rua fora, há uma rua enorme numa cidade grande e quase todos estão perdidos. quase todos. quase.

é manhã. é manhã e noite ao mesmo tempo. chineses que berram, velhos de pele caída a vaguear pelos cantos, olhares atirados contra as paredes e uma frase ecoa na mente "a morte toda...", "eu tenho a morte toda para dormir...". faltas e há uma luz que se acende.

estamos em todo lado. não há praça nenhuma do mundo onde não estejamos. nas pombas, nas pedras, na velha de lenço preto ou até mesmo numa montra qualquer. estamos em todo o lado. eis o império.

depois, os rios correm sempre para o mar de uma maneira ou de outra. as barragens rebentam, as pontes caem. as portas fecham-se e faz frio na rua-casa-cama. "não há longe". apesar de ser infinito. o ar pode faltar em dois lados ao mesmo tempo e há coisas que só se descobrem quando se sentem.

há coisas que só se descobrem quando se sentem.

a vida é curta demais para nós que havemos de passar tanto tempo mortos.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

amigo, não tenho perguntas para fazer-te. quantas
pessoas entendem aquilo que não entendo? quem
descobriu o segredo mais inútil?

amigo, não tenho perguntas para fazer-te. basta-me
olhar. passaram anos, poderiam ter passado mais
anos ainda. poderiam passar séculos.

entendo o teu rosto. isso basta-me quando te vejo.
para mim, serás sempre o príncipe, a criança que
me mostrou as árvores.

o tempo não passou, amigo. agora, ao chegares,
olho para ti. o teu rosto é igual. agora, ao chegares,
sei que nunca partiste.

José Luís Peixoto, Príncipe

terça-feira, 27 de outubro de 2009


azar



eu conheço um homem que tinha dois filhos, dois irmãos e uma irmã. o homem tinha dois sobrinhos e a irmã puta de profissão. o homem estava a fazer uma casa e tinha dois filhos e uma mulher. o homem achou por bem não deixar os sobrinhos serem entregues a uma qualquer instituição. o homem tem agora dois filhos e dois sobrinhos para alimentar e ensinar a ler. o homem acha que devia ser ajudado de qualquer maneira pelo estado. o estado acha que não.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

côco

O mofo tem o mesmo cheiro de sempre por mais luz e ar que circule por entre o chão e o tecto. Mais longe, a vista de sempre é igual. As árvores que crescem devagar como se o não fizessem, o correr do rio, o embalar das folhas pela brisa da tarde, um comboio ocasional... Hoje, cheiro a tinta verde com que mãos vagarosas pintam a casa pequena.

Creio que poderiam passar mil anos e tudo seria igual. Mas virá uma ponte nova e o som do comboio ocasional será um constante rugir de motores furiosos, haverá ainda quem comprove que os carros são seres racionais que, de certo modo, absorvem a raiva de quem os conduz, como na natureza nada se ganha nem se perde estando tudo sujeito a uma infinita transformação, pode concluir-se que a raiva se transforma em som.
 
Rio por vezes...

-Tens ai um saco de plástico?
-Não sei, [procura e encontra um de papel meio roto] toma, serve?
-Serve pois...

Não servia. Ando e deixo-o no primeiro caixote do lixo que encontro, vou a pé pelo caminho que é ainda cicatriz, o latejar a cada passo... Mas precisava de um saco. Surge a epifania e o padeiro ajuda. As padarias costumam ter gente dentro às cinco da manhã.
 
-Bom dia, pode arranjar-me um saco de plástico?
-[…]
-[…]
-Serve?
-Sim! Obrigado! 
 
Procuro um espelho. Largo o saco. Volto para casa.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

algures sob o luar da patagónia um elefante anão uiva aos corvos albinos

terça-feira, 20 de outubro de 2009

sapiens sapiens?

descobri hoje a razão de não sermos os únicos a ter o polegar oponível. assim, é possível comparar certos exemplares da espécie humana ao, por exemplo, gambá.

descobri também o porquê da existência de noventa por cento das guerras do mundo.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Mariposa


quarta-feira, 14 de outubro de 2009


depende






















terça-feira, 13 de outubro de 2009

e talvez agarre a madrugada

vi hoje um orangotango a lavar roupa. imitava o homem que tinha ao lado. lavou depois os braços e a cara. o orangotango não usa roupa. não precisa de roupa lavada, mas lavava roupa e sorria como é possível ao orangotango sorrir.

sábado, 10 de outubro de 2009

das pandeiretas

sombra-luz e os olhos semi-abertos-semi-cerrados-semi-qualquer-coisa. coisa, qualquer coisa e eis a ausência de palavras estendida a quase tudo. não é mau de todo, o silêncio, o problema é que poucos o sabem escutar. barulho, tanto barulho. tanta palavra solta por aí sem que nada se diga. tanta, tanta...

e isto cansa. isto. isto do ser uma outra qualquer coisa faz cócegas nos pés e incomoda as horas. as horas que agora são uma papa grossa e amarelada atirada contra a parede. deixei de ver homenzinhos desfeitos em verde a meio da noite e estou em crer que isso não foi necessariamente bom. a normalidade é uma merda.

gosto de andar à chuva, a pele é semi-impermeável e não se consta que por mais enrugada que fique, alguma vez deixe a água chegar aos ossos como dizem alguns daqueles que acreditam que a terra é redonda. não é! há montes e vales e mares e rios e casas e florestas e desertos e pedras no meio dos desertos e formigueiros entre as pedras. redondas são as bolas, se bem que só algumas.

faz-me falta os carris. faz-me falta os pratos pequenos a voar. faz-me falta a guitarra na parede. faz-me falta as garrafas pequenas. faz-me falta o cheiro. faz-me falta o chão. a distância é uma coisa absurda.

Fazes-me falta!

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

isto

isto é silêncio e a depressão que já não anima. isto é a vontade e a falta da mochila azul. isto é o longe mesmo que os metros sejam centimetros. isto é o convite que fica preso sem qualquer razão aparente. isto é a falta de gente. isto é outra coisa qualquer.

e não. isto não sou eu.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

outono

vi hoje as primeiras folhas castanhas a esvoaçar a caminho do chão. e o homem de vassoura a tentar apanhá-las. varrer, esvoaçar, varrer, esvoaçar e há-de ser assim até que as árvores voltem a ser mais que paus espetados a apontar o céu. as árvores são sempre mais que isso, aliás.

e chove na rua, do lado de fora da janela, chove.

gosto do outono. gosto-o na mesma medida em que o detesto. gosto da lama e do mar revolto e da água a entrar pelas casas e dos barcos presos em ramos e telhados e do quente que o cheiro das castanhas trazia no tempo em que havia castanhas no outono. detesto-lhe a melancolia e a ironia dos azulejos pintados a cobras de rabo na boca.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

há por aí muita gente boa



O Sr. Silva não sabe falar nem comer bolo-rei. O Sr. Silva  tem ar de quem bebe pouco vinho. O Sr. Silva não é simpático. O Sr. Silva é alto demais. O Sr. Silva não gosta de cravos. O Sr. Silva deve gostar de mantas de lã. O Sr. Silva ainda não conseguiu descobrir o segredo dos pasteis-de-belém. O Sr. Silva jamais andaria em cima de uma tartaruga. O Sr. Silva não é amigo do Pinto da Costa. O Sr. Silva faz caras feias. O Sr. Silva não há-de escrever livros para crianças. O Sr. Silva devia demitir-se.