domingo, 30 de maio de 2010

dias

os dias são coisas com vinte e quatro horas. as horas são coisas. os dias dividem-se neles mesmos, dias, e nas noites. as horas têm coisas dentro, segundos. os segundos dividem-se até ao infinito. tic-tac.

os dias começam quando o sol nasce. na verdade o sol não nasce, mas os dias começam. pela definição de segundo as horas não passam.

gosto de aranhas, já devo ter escrito. gosto delas quando se passeiam pelos cantos. e gosto dos dias que não o são por serem diferentes disso mesmo.

sábado, 29 de maio de 2010

arrabalde

diz-se que pode passar um elefante debaixo da rua augusta. coisas que poucos sabem, também não é fácil descer ao esgoto. e se fosse, saberiam?

lembro-me do elefante e da lua feita lençol no espelho rio. e quantos sabem do estender de luz à frente da praça? e do resto? das sardinhas penduradas entre telhas e do macaco da esquina.

colam-se os passos ao chão. bancos de jardim. uma pergunta: os bancos das praças são bancos de jardim? importa pouco no desenrolar das horas. correm. as horas e os passos. 

cais. talvez seja a palavra. dois e o espaço entre eles. andam a fazer um jardim na ribeira das naus.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

chinelos

A normalidade. Anormalidade. 

Uma letra é também uma palavra? Sei agora da variância da água e do sal ao longo do muro. Maré. Não sei ainda do dormir dos pombos nas paredes das igrejas. A questão é: dormem sempre no mesmo sitio ou alternam? Atormenta-me muito mais que a subida do IVA. Outra: porque é que os cães teimam em cair nos poços?

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Ammophila arenaria

mar. as gaivotas têm nome e direcção no vôo. quase todas. era uma vez.

coisas que toda a gente sabe. o calcário é diferente do granito. coisas que se notam entre os dedos dos pés. a ela, a gaivota, voava só para a frente, diferente das outras. dava a volta ao mundo sempre que queria voltar onde tinha estado. a volta ao mundo. há caçadores na patagónia. a gaivota levou um tiro. 

por vezes julgava perseguir o sol. outras julgava ser perseguida. ocorreu-lhe nunca que o girar da terra pode ser traiçoeiro. nem todos os tiros matam. fazem sentir o cheiro a aço e pouco mais. alguns. a imagem sonora dos chumbos a cair numa tigela de sopa metálica é algo que me faz roer as unhas. 

caiu. fugiu. asa quebrada, vôo novo. circulos quase infinitos agora. tempo. o tempo. viu um muro pintado de tangerina. picou o vôo.

as promoções de tinta podem ter um efeito fantástico. cor.sangue.de.boi, no caso. voava agora para onde queria, a rosa dos ventos passou a ser mais do que uma qualquer coisa aprendida na escola da praia. voltou. perdeu-se. afinal, o lugar era o mundo e não o pedaço de terra onde havia querido voar em circulos. abriu as asas. foi. em frente.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Nos pesadelos
os monstros às vezes temem que os olhemos de frente
que possamos apagar-lhes a sombra
ou acordá-los a meio da tarde
abrindo as portadas dos seus refúgios
deixando a luz avassaladora a cobrir-lhes o corpo
a queimar-lhes as pupilas remanescentes
como se fôssemos nós
os monstros 
deles.
José Carlos Barros, Os monstros

sexta-feira, 14 de maio de 2010

porque as histórias também se cantam


Sérgio Godinho, O primeiro gomo da tangerina

terça-feira, 11 de maio de 2010






ar






quinta-feira, 6 de maio de 2010

caracol

macacos nas esquinas, ou não macacos nas esquinas. eis a questão, mas não há questão, não importa. está lá o que é e é um macaco não macaco pintado de azul. e uma borboleta. e há quem saiba que lá está a olhar pelos passos vagarosos estendidos dia após dia, noite após noite. passos vagarosos e sorrisos longos.

e gárgulas sedentas de laranjas. e tudo. montes pintados de branco, as luzes longe no sangue vivo. de boi. um suspiro. dois. e no direito de.

no fundo, creio que gosto de varandas. de nêsperas também. e de nuvens a pairar, algodão.

domingo, 2 de maio de 2010

colunas

Já li mais de dez livros e ainda assim não encontrei as respostas todas. Sei que no Japão há cinco estações em vez de quatro, sei de ruas debaixo de ruas que são canos e vão dar ao lugar mais óbvio de todos. Sei como se chamam os peixes que gostam de lodo. Aprendi até quantas portas é preciso atravessar para chegar a um outro  qualquer lado, porventura inexistente.

Já li mais de dez livros, é verdade. Mas nenhum deles falava de um barulho em forma de vai.vem na ponte.cor.sangue.de.boi, nem dos personagens sinistros que se passeiam em tabuleiros de xadrez. Talvez tenha falhado algum, mas nesses mais de dez também não aprendi nada acerca de barcos com velas palito e gaivotas suspensas no ar.

Talvez tenha lido os livros errados. Mas foram mais de dez. Pergunto-me como é que em nenhum deles se descreve o porquê de a lua sorrir para uma nuvem ou, até mesmo, da inaudita vontade própria de um rádio. 

Mais de dez, não sei quantos foram, concerteza mais de dez...