terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Isto

Isto é tudo um sonho do qual um dia se há-de acordar. Somos todos homens e mulheres das cavernas, esfomeados e mal-cheirosos que nem o fogo conhecemos, quanto mais este mar de tudo.

Isto é tudo um sonho e metade do que sonhámos, do que sonhamos, não há, como nos sonhos que vamos tendo dentro deste. Naqueles onde as nuvens se comem e sabem a algodão-doce, naqueles onde cheira a café acabado de fazer, nesses.

Isto é tudo um sonho e o "para sempre" não existe, nem a noção de tempo, de tempos. Nada!

Nos sonhos há sempre uma parte em que se acorda. Gosto especialmente quando caio de uma qualquer altura para o chão.

domingo, 30 de novembro de 2008

se

Hoje não, só amanhã, mas isso não existe, que o hoje é eterno. Hoje, agora, e nada mais há. Nem horas, nem tempo, nem dias...

Algures não sei bem onde alguém acabou de ser morto a tiro neste mesmo instante, o mesmo em que não sei quantos putos mosca respiram pela ultima vez. Mas nada disso importa, são só estatística.

E nada de sentir demais hoje, que mais dias virão –se nenhum meteorito nos cair em cima- logo depois de acordar -se-.

sábado, 29 de novembro de 2008

#27

Ora até que enfim..., perfeitamente...
Cá está ela!
Tenho a loucura exactamente na cabeça.

Meu coração estoirou como uma bomba de pataco,
E a minha cabeça teve o sobressalto pela espinha acima...

Graças a Deus que estou doido!
Que tudo quanto dei me voltou em lixo,
E, como cuspo atirado ao vento,
Me dispersou pela cara livre!
Que tudo quanto fui se me atou aos pés,
Como a serapilheira para embrulhar coisa nenhuma!
Que tudo quanto pensei me faz cócegas na garganta
E me quer fazer vomitar sem eu ter comido nada!
Graças a Deus, porque, como na bebedeira,
Isto é uma solução.
Arre, encontrei uma solução, e foi preciso o estômago!
Encontrei uma verdade, senti-a com os intestinos!

Poesia transcendental, já a fiz também!
Grandes raptos líricos, também já por cá passaram!
A organização de poemas relativos à vastidão de cada assunto resolvido em vários —
Também não é novidade.
Tenho vontade de vomitar, e de me vomitar a mim...
Tenho uma náusea que, se pudesse comer o universo para o despejar na pia, comia-o.
Com esforço, mas era para bom fim.
Ao menos era para um fim.
E assim como sou não tenho nem fim nem vida...

Álvaro de Campos

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Quase-susto

Vi um fantasma. Por isso quase não existi hoje. Que existir não é só estar.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Escalas

O chamamento, a chama, a dor, ou tudo isso junto. Tudo junto com um pouco de nada. E pronto. Já está e não doeu. Ou doeu e o resto é fazer de conta.

Mas a vida já é um pouco isso também, fazer de conta e contar. Os dias, as horas, o dinheiro... Contar as histórias e as estórias. Fazer contas e resolver matemáticas difíceis...

Acho que devem ser as conversões que confundem o mundo. Ainda vai alguma diferença do euro ao dólar e do fahrenheit ao celsius. E trinta graus podem não ser bem a mesma coisa. Depende. Como tudo. Depende de tudo.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Sopro

O tropeçar e a queda, o abismo ao fundo, metros sem rede e as asas abertas quase ao bater no chão. Abertas mas frágeis. Logo quebram e o corpo cai sem amparo. Quebram-se depois os ossos e rasgam-se as carnes. Mas há sempre um canto para servir de abrigo e uma manta para não deixar escapar o calor que ainda resta.

Depois as escadas voltam a chamar. Sobem-se os degraus um a um esquecendo que tudo tem um fim - e a escada não será diferente -. Último degrau, próxima queda, ciclo infinito, grande roda ou qualquer outro nome. A vida, talvez.

[ao lado, outras escadas, outras quedas, outros corpos. nas pontas do mundo as cordas da rede cortadas por quem a não quer esticada]

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Coiso...

Canções, escadas e moinhos de vento movidos a água. Seres pequeninos, gigantes, algodão aos molhos e tangerinas. Escadas, casas, ruas, a quase chuva e as pedras da calçada debaixo dos pés. Comboios, estacões, paragens, viagens. Árvores e grades e relógios partidos contra o céu. E palavras. Porque sim, eis tudo!

domingo, 16 de novembro de 2008

Porque as casas não são só paredes e tecto, portas e escadas...

Porque

Porque as casas não são paredes e tecto, portas e escadas...

Casas são cheiros e sorrisos, barcos a vapor e aquecedores ferrugentos, são ruas íngremes e caranguejos pequenos, torradas com manteiga e vento nas varandas.

sábado, 15 de novembro de 2008

Sinos

E os fins são todos iguais não são? As seis tábuas do paralelipipedo bem envernizadas, as mesmas vozes que mais tarde acabam por ser abafadas pelo barulho da tasca, as almofadas ao quadrados e a ansiedade das larvas com fome...

O cangalheiro faz a conta ao fim do dia e deus queira que amanhã haja mais trabalho.