quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

onomatopeia para dedo a carregar num botão que, ao ser carregado, emite um pequeno estalido

a cidade. a outra. estendida como um lençol amarrotado. a cartografia mental embalada por passos grandes. o macaco azul numa esquina perdida e as pedras a falar por debaixo dos pés. só os outros se admiram com a nossa indiferença ao calcar, quase todos, arte feita de cubos bicolores. ingratos.

talvez cheirasse a alecrim, talvez noutros tempos, e, talvez, por isso os, nos, tenham posto ali no cimo da rua. um semi-cego de frente para um semi-louco e eis o semi-retrato do rectângulo à beira mar plantado.

o sol importa-se pouco com o que somos, a luz, essa é inteira.


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010


"pouco a pouco o passo faz-se vagabundo
dá-se a volta ao medo dá-se a volta ao mundo
diz-se do passado que está moribundo
bebe-se o alento num copo sem fundo
e vem-nos à memória uma frase batida"

Sérgio Godinho

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Kristallnacht

"Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?"
Álvaro de Campos

avança, recua. 1984, 2009. 2009, 1984. ortografia, língua, a evolução natural das coisas na linearidade do tempo circularmente abstacto. lentamente a caminhar. desta vez para trás...

palavras novas. bufo, ocorre.me e parece até já a ter ouvido em algum lado, talvez o mesmo contexto, talvez, talvez tenhamos de voltar a ter medo das esquinas.

e foi tudo tão fácil. foi tão fácil convencer.nos que precisamos de ter um telefonezinho sempre no bolso. tão fácil acreditar que precisamos de uma câmara em cada rua. tão fácil cair. e a puta da ratoeira é sempre a mesma. sempre sempre...

no dia em que acabarem definitivamente os loucos que ainda usam envelopes e selos, restarão apenas -mais uma vez- os vidros estilhaçados no chão como cristal.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

365
Fez um ano e as paredes mudaram de cor. No fundo foi isso. Uma mudança na cor das paredes. De resto tudo igual, tudo diferente, confuso, difuso…
Relativo.
Não há neve na rua. Mas há. Não há neve na minha rua. Tenho uma rua? Não há neve do lado de fora da janela do quarto. Qual quarto? Somos tão importantes que nem nos damos ao trabalho de situar os lugares. É tudo nosso. A janela, a rua, o mundo, a vida, a morte, as cinco ou seis gramas de ouro anel.

da escola

hidrogénio e nebulosas difusas. um compasso de espera, ou dois, depende da paciência de quem se encosta à parede e eis a estrela. estável. movem.se os ponteiros no sentido dos ponteiros da maioria dos relógios ou noutro qualquer. evolução. gigante vermelha ou super gigante, depende do tamanho. roda o cubo. anã branca, supernova, pulsar, buraco negro. relatividade, ano-luz, parsec, metro, pé, unha negra...

sabemos tanto de estrelas que nos esquecemos de aprender a olhar para uma cova.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

dos prefixos


"As pessoas que eu mais admiro são aquelas que nunca acabam."

José de Almada Negreiros

domingo, 31 de janeiro de 2010


tão estranhas, as nossas entranhas.

31 anos depois III

"Entretém-te meu anjinho, entretém-te, que eles são inteligentes, eles ajudam, eles emprestam, eles decidem por ti, decidem tudo por ti, se hás-de construir barcos para a Polónia ou cabeças de alfinete para a Suécia, se hás-de plantar tomate para o Canadá ou eucaliptos para o Japão, descansa que eles tratam disso, se hás-de comer bacalhau só nos anos bissextos ou hás-de beber vinho sintético de Alguidares-de-Baixo! Descansa, não penses em mais nada, que até neste país de pelintras se acho normal haver mãos desempregadas e se acha inevitável haver terras por cultivar!"

José Mário Branco, FMI

sábado, 30 de janeiro de 2010

a luz

a luz é uma coisa boa porque sem luz não se consegue ver. os cegos não vêm. quem consegue ver vê coisas. as coisas podem ser coisas lindas ou coisas feias. as coisas feias podem desaparecer se forem mortas. para haver luz é preciso qualquer coisa que dê luz. uma lâmpada dá luz. as casas têm lâmpadas. é por isso que de noite se consegue beber água da torneira.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

da(s) memória(s)

"Primeiro levaram os comunistas,
mas eu não me importei,
porque não era nada comigo.

Em seguida levaram alguns operários,
mas a mim isso não me afectou,
porque eu não sou operário.

Depois prenderam os sindicalistas,
mas eu não me incomodei,
porque nunca fui sindicalista.

Logo a seguir,
chegou a vez dos padres,
mas como eu não sou religioso, também não liguei.

Agora levaram-me a mim e,
quando percebi,
já era tarde."

Bertolt Brecht


Não saber é muito mais fácil. Não querer saber. Afinal foi tão longe. Tantos quilómetros, tantos anos. Tão longe…

E no fundo, as coisas, todas elas, só têm a importância que lhes quisermos dar. Dos metros não sei, ouvi dizer que passaram sessenta e cinco anos -nós e a mania do lustro-. Tanto tempo para aprender…

Há uma história que mete uma rã e uma panela de água fria. E um fogão. Dá até para ver ao vivo na cozinha mais próxima. Pega-se numa rã, viva, e mete-se dentro de uma panela de água a ferver (um tacho é melhor, se não houver convém que a panela não esteja cheia). A rã salta, ou pelo menos tenta. E se a rã for posta em água fria? E se se aquecer a água devagar? E se a rã se for habituando ao calor até morrer cozida?

Histórias simples que se lembram enquanto se espera para ter um cartão novo, mega moderno. Vamos passar a ser um número. Um destes dias já nem importa dar nome aos putos. Imagino o alívio dos  futuros Ermenegildos.

Há outras coisas que também se pode. Agora até é mais fácil a vida de tantos... Gasolina? É ir às bombas, atestar, e dar o nome e o número ao senhor que lá trabalha -se existir, claro está-. Não pagar deixou de ser crime, ouvi hoje nas notícias.

Andemos então para a frente. Nada nos falta... Mais dia menos dia poderá aparecer o cinema restaurante. Um comprimido antes de entrar para matar a fome, ração de combate barata. E depois iguarias a desfilar à frente dos óculos suados por mil caras famintas. O abrir da boca -real- e o mastigar -imaginário-, um aroma fantástico. A felicidade dos tempos modernos. Arranja-se de quando em vez um distrair de qualquer coisa para mudar de assunto e eis quase tudo. Já agora a gripe A é uma doença fodida não é?



















 





há sessenta e cinco anos os russos encontraram no meio do nada polaco seres bípedes de pijama azul. tinham frio e fome. alguns deles eram, ainda, Homens.