terça-feira, 21 de agosto de 2007

Ou para ver um pouco de laranja a escapar do verde castanho quase azulado.

Com o fim de tarde começa a cair a noite, mais uma, desde o dia em que tudo parecia uma espécie de filme de segunda. E de cada vez que a noite cai, sai do fundo da cama o monstro, o monstro da colher.

Sobe devagar até se sentar confortavelmente na almofada, saca da colher e devagarinho começa a comer pequenos pedaços de miolo. "Miolo fresquinho este!". Come até estar saciado. Enquanto come sinto-me desaparecer aos poucos e, dia após dia, colher após colher, cada vez sou menos eu e cada vez mais uma outra coisa qualquer que não reconheço sequer ao espelho.

Conheci alguém por estes dias, menina pequenina, de passagem por liliput, um dia ao levá-la à casa que fica no beco sem luz falei-lhe dos duendes que àquela hora saiam das tocas das àrvores e dos extraterrestres que deveriam estar prestes a aterrar no descampado do lado para fazer companhia às formigas, extraterrestres também, contei-lhe que o lobisomem existe mesmo e até havia quem já o tivesse visto por aqueles lados. Olhou para mim sem vontade de rir. Ri eu ao lembrar-me do que seria a conversa com outra pessoa, pequenina também, mas só de altura.

Pergunto às vezes porque me fiz assim, porque dá tantas voltas a minha mente, porque tento sempre ler as entrelinhas mesmo quando elas não existem. Porque me preocupo tanto... Há momentos em que nem sequer ouço ou vejo, um mero corpo escravo de uma mente quase demente. São tantas voltas, voltas que cansam e matam devagar, só por isso deixo que o monstro chegue perto. Se calhar é tempo de ser normal seja lá o que isso for. Deve ser altura de comprar revistas cor de rosa para ver quem é o novo amor do Cristiano e se a Pituxa qualquer merda já deixou de dar mama à filha.

Interessa lá que todos os dia morram milhões de pessoas à fome ou que em certas partes do mundo já não haja neve para ver neste Natal. Sabem que para a semana vão mais soldados nossos para o Afeganistão sem saber sequer porque é que começou a guerra? E há promessas e cera queimada para que as balas passem ao lado... Mas isso pouco interessa não é? Importante é o que não nos diz respeito, a vida dos outros, sempre a vida dos outros...

Lembro-me de há um ano ou dois ter tido um amigo meu no hospital. Raro terá sido o dia em que não o fui ver. "Para que vens tantas vezes?" perguntavam os familiares. Encolhia os ombros e respondia só para mim "Porque sim!".

Um "Porque sim" enorme, a minha vida, "A Coimbra?", "Diz lá o que foste fazer àquela hora...", "Mas porque foste?", "Porque sim! E depois?".

3 comentários:

leonoreta disse...

porque sim.
tu sabes porque sim, a razao do sim mas nao queres dizer. seria gastar latim. eles nao percebem. é como o porque nao. o nao tambem tem sempre razao.
ah.
e as entrelinhas. as entrelinhas existem mesmo. nao sao invençao da tua cabeça.
beijinho

mariannegreen disse...

os textos "aos bocados" são bons para esvaziar a confusão. o motivo não é necessário para o comportamento. vai-se, faz-se, ama-se, perde-se...sem razão...nem tudo tem resposta, nem tudo tem de ter uma explicação...

... disse...

"S. disse: Grita à vontade, desde que não dês o berro. ;) karvoeiro disse: que piada do caralho ó letra s"

já tas a ver agora?
mas deixo-me agora de merdas... gostei do ambiente do relativo e do trama, foi

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