domingo, 13 de janeiro de 2008

Os porcos também voam

Sentado na relva escurecida pela luz da noite, indiferente aos carros que passam, ainda meio atordoado pelo último zumbido do estupido verme que se apoderou da sua mente, olha o céu e tenta imaginar respostas para as perguntas que não tem.

Limita-se a ver porcos a voar num céu limpo que não a noite estrelada acima de si. Os porcos voam sempre que o homem quer... Na esquina branca onde se juntam as paredes sem cor, onde à vez se encostam corpos sem alma, a velha aranha tece mais um fio de seda. Parede, parede, corpo, parede. Anos e anos na tentativa de fazer a teia perfeita. Anos e anos, milhares de corpos, milhões de fios perdidos, partidos por quem nunca sequer os tentou ver.

Descem os porcos à terra, trazidos pela mesma imaginação que os fez subir. Os porcos não voam. Continua a aranha à procura da perfeição inatingivel. Descansa mais um corpo na esquina das almas perdidas. Acaba o cigarro. Adormece o louco na relva feita verde pelos primeiros raios de sol.

Perdido?

Quantos são os que não sabem dos óculos estando eles mesmo por cima da testa? Estão perdidos os óculos? Ou só escondidos por breves momentos?

Pergunto-me por vezes se as pessoas, por mais distraidas que sejam, podem perder o sorriso estando ele entre a testa e o queixo.

sábado, 12 de janeiro de 2008

#13

Cai depois a chuva em grãos transparentes que já não molham...

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

#12

Um sem número de virgulas do lado de trás dos olhos. Virgulas e pontos e palavras novas.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Ciclo

2007 I

-Tenho um problema!
-Eu tenho muitos...

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Trono

Chega bem cedo e senta-se no seu trono de cristal. Eleva-se no céu e plana até cansar os olhos. Trono mágico que o faz invisivel. Percorre todas as ruas da cidade, observa cada beco como se fosse a primeira vez. Dia ou noite pouco importa. Invisivel como se os seus olhos fossem os olhos de outro alguém ali mesmo à sua frente. Não há som nem cheiro nem frio nem calor. Só imagens.

Paira agora quase ao nível do chão. À frente o homem das chagas, ao lado o cego sem olhos. Sobe e sonha com o dia de amanhã esquecendo que o hoje ainda não acabou. Dorme agora embalado pela neblina cinzenta. Acorda sem saber bem onde. É tarde. Desce da cadeira mágica e sente o cheiro familiar de tempos que já passaram. Ao fundo uma gaivota grita em desespero. Está frio, sente-o nos ossos. Procura, procura-se mas nada encontra. Pensa e lembra. Lembra-se de um passado não muito distante quando nem sequer ainda tinha descoberto o seu trono abandonado à beira da estrada. Jura não mais voltar a subir. Deixa o trono e segue a pé. Há-de chegar ao seu destino ainda hoje. Lembra-se. "Cheira a maresia!".

sábado, 5 de janeiro de 2008

Panos. Linhas. Sorriso.

E no fundo, tudo o que queria agora era poder pegar nos retalhos de pano mal cosidos e nas folhas secas que os enchem. Pegar nos retalhos de pano mal cosidos e nas folhas secas que os enchem e pôr tudo na palma da mão. Os retalhos de pano mal cosidos e as folhas secas que os enchem têm forma, claro está.

Depois, como por magia, soprava bem devagarinho e todas as linhas que estão fora de sitio voltariam ao seu lugar, os pedaços de pano soltos seriam bem cosidos e aquela linha mais especial em forma de meia lua seria reforçada para não mais voltar a ser de outra maneira.

Às vezes querer não basta, mas acreditar pode ser que ajude. E os panos estão tão descosidos...

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Oco

Como se a vida fosse um jogo que aprendemos a jogar com diferentes regras, como se fosse possível haver razão no ponto em que a razão nos separa. Recordo-me de palavras bolorentas de tão antigas que são, lembro-me de ter ouvido nas entrelinhas o que não foi dito. Lembro-me de tudo isso.

Metade, dois terços, três quartos. A confiança e as pessoas medidas em fracções. O horror dos números a marcar o passo dos dias. Resta o castelo, grande, com escadas em caracol e paredes para abrir janelas, há martelos lá dentro e nos dias em que o sol se esconde logo pela manhã cheira a canela na cozinha velha sem fogão.

Em tempos orgulhei-me de saber sonhar, espero agora esquecer-me de como se faz, afinal são as razões que fazem o mundo girar.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Contradições

É se calhar fácil matar, pela madrugada será melhor segundo dizem alguns. Não sei se acredite. Talvez pela noite não seja tão mau assim, os gritos a rasgar o silêncio... Gritos? Há quem morra sem gritar, até quem morra sem dar por nada, sem ter dado por nada, pelo nada da (sua) vida e das vidas que lhe giravam à volta. Devem haver os outros que dão por tudo até à ultima gota de sangue que cai na lama. O mundo a girar e as mãos quentes, metálicas demais do cheiro rubro.

O corpo frio no chão quente, a lâmpada partida a enfeitar o céu, mais um menos um, mais carne menos carne, mais homem menos homem, mais ser menos ser. Na grande mesa comprida (se calhar redonda) não faltarão razões para celebrar outro dia que passou.