segunda-feira, 28 de julho de 2008

Vozes

Disseram no outro dia que éramos iguais. Fiz de conta que não ouvi.

Depois pensei nas palavras e nos metros e nas pedras e nas varandas e nas viagens e nos comboios e nas pistas e nos carros e nos silêncios e nas horas perdidas a fazer nada.

Olhei-os de lado e ri-me contigo.

#23

- Não sentes, às vezes que isto não é teu? Que te limitas a ir andando e que por mais que faças acabas sempre parado no mesmo sitio....
- ...
- É como a história do hamster, que anda ali às voltas na roda. Anda, anda, anda, mas nunca dali sai. Sinto isso, sabes? Como se houvesse qualquer coisa a controlar-nos...

domingo, 27 de julho de 2008

Nadas...

No dia triste o meu coração mais triste que o dia...
Obrigações morais e civis?
Complexidade de deveres, de conseqüências?
Não, nada...
O dia triste, a pouca vontade para tudo...
Nada...

Outros viajam (também viajei), outros estão ao sol
(Também estive ao sol, ou supus que estive).
Todos têm razão, ou vida, ou ignorância simétrica,
Vaidade, alegria e sociabilidade,
E emigram para voltar, ou para não voltar,
Em navios que os transportam simplesmente.
Não sentem o que há de morte em toda a partida,
De mistério em toda a chegada,
De horrível em todo o novo...

Não sentem: por isso são deputados e financeiros,
Dançam e são empregados no comércio,
Vão a todos os teatros e conhecem gente...
Não sentem: para que haveriam de sentir?

Gado vestido dos currais dos Deuses,
Deixá-lo passar engrinaldado para o sacrifício
Sob o sol, álacre, vivo, contente de sentir-se...
Deixai-o passar, mas ai, vou com ele sem grinalda
Para o mesmo destino!
Vou com ele sem o sol que sinto, sem a vida que tenho,
Vou com ele sem desconhecer...

No dia triste o meu coração mais triste que o dia...
No dia triste todos os dias...
No dia tão triste...

Álvaro de Campos

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Jardim

Num canto, girassóis, no outro uma roseira. Uma grande árvore no meio, daquelas que se não abraçam de uma vez só. Alguma relva, um banco verde e pedras com vista para o rio.

Enterrada na terra está uma caixa. Folhas e mais folhas. Brancas e lápis coloridos. Pendurado na árvore, um arco-íris pintado a mil cores num dia em que choveu miudinho.

Olhando de baixo, a árvore desenha-se núvem e dos ramos pende um pequeno trapézio que baloiça ao sabor do vento. Lá, no sitio onde não há tempo e o ar não sufoca nunca.

"Não vês que é de nós o jardim..."

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Vagarosamente, como se aquele copo de leite quente agora já quase frio fosse toda a sua vida. Nem hoje, nem amanhã. Tudo o que pode existir no universo condensado na nata que se ia colando à colher ja tonta de tanta volta dada em torno do vidro grosso.

Cega, talvez, ou só de olhar preso ao infinito da parede meio suja. Ou então a parede já não era parede e sim um qualquer espelho da alma. Chorou em poucos minutos todas as lágrimas que em si cabiam.

Tirou do bolso o lenço amarrotado e limpou o que restava dos olhos feitos cascata. Do mesmo bolso tirou também a moeda que abandonou em cima da mesa. Deixou o leite, deixou o lenço. Encontrou numa cara à sua frente um sorriso, pegou nele e foi embora. Bateu com a porta, partiu o vidro, riu e correu.

Sintonia

Sem aviso, nem hora, nem cigarro.

sábado, 19 de julho de 2008

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domingo, 13 de julho de 2008

Cancro

Cancro de merda!

"Ah e tal, tens dois meses de vida...".

Claro que a morte é certa -sempre o foi para todos-, mas nunca o quiseste ver, nunca quiseste saber... E então, é agora, durante dois meses que vais aprender a cheirar uma flor? É agora que vais saber o que vale um "Bom dia!" e um sorriso? E a ver nascer o sol pela janela fosca do hospital mal cheiroso e quente.

Quando podias, não cheiraste, nem disseste, nem viste. Não o quiseste sequer, quanto mais tentar. Anos e anos que tiveste para... E agora em dois meses queres isso tudo. Agora que tens o sangue podre e te começam a cair os dentes arrancados por rios de baba.

Gostavas agora de dizer umas palavrinhas a alguém mas também não podes. Afinal, esse alguém não existe. Ou se existe, só existe para ti... Como lhe podes tu pedir uma visita? Podias telefonar, mas como poderias falar sem que te ouçam pelas paredes orelhudas? Podias também escrever, mas bem sabes que te iriam abrir a carta. Desesperas...

Ficas então calado com as palavras em ti. Belo castigo... Nem tudo é mau, vendo bem, só vai durar dois meses.

Dois meses passaram, e do outro lado, enquanto saceias mais um bichinho, há quem abra a caixa do correio todos os dias... "Bem que podia dizer alguma coisa..."

sábado, 12 de julho de 2008

Metáfora


Passaram quatro anos.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Há quem seja até mais que...

Quase chove. Cheira a terra, o ar. Olho à volta e vejo ninguém. Afinal a chuva quase molha e debaixo dos montes de betão e ferro não entram as leves gotas de água.

Sigo enquanto sinto. Soubessem eles o que perdem... Gente? Não creio!