sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Sonnenblume


(negociável)

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Cinza

O cinza de cima conta as núvens e um outro mostra o céu. Mais azul, um, mais negro, o outro. À frente, o cinzento das grades que encerram nada, e debaixo, a cor da cadeira que segura o corpo também não muda. Cinzento o rio que corre ao fundo e até o verde das árvores parece ter mudado de cor.

O chão sempre foi uma mistura de preto e branco e reparando bem, nem as telhas da casa velha são laranja como as restantes. Na linha passa o comboio, invariavelmente cinzento, agora limpo que foi dos graffitis arco-iris.

Ao lado, as caras cinzentas, falam do cinzentismo da vida e tudo parece ter sido pintado por um inconsciente qualquer. Talvez um daltónico a querer vingança.

Depois fecho os olhos e vejo as mil e uma cores dos peixes que teimam em saltar da àgua para os barcos que não há ao som de um qualquer louco que grita "PEIXE, PEIXE, PEIXE!", embalado por marés de campainhas. Saltam os peixes e chovem sapos. O cinzento deixa de fazer sentido com os olhos fechados, e ao voltar a abri-los a cidade é toda luzes.

As núvens foram empurradas pelo sol, o rasto laranja pintou o céu e o pescador terá um grande jantar ao chegar a casa.

Porque sim!

“chovam as palavras em pedaços de algodão.
Doce… que o rasto do sol não se quer amargo…”

domingo, 26 de outubro de 2008

Vácuo

A boca sabe a papel, como se todas as folhas do mundo tivessem sido comidas de uma só vez. O frio congela as palavras escritas e metidas entre os dentes enquanto da voz resta apenas um ligeiro assobio.

As caras e os corpos lá estão, a vaguear de um lado para outro. Esquerda, direita, frente, trás. Sem rumo, rumo a qualquer lado... Falta Gente no meio disto tudo. Falta a chuva que parece ter tirado férias e até o sorriso da lua se mostra falso e torto.

Indiferente a tudo, o rio-casa vai correndo ao lado. Ao lado, como as casas onde se não está, os abrigozinhos de cobertor já roto, ao canto, à espera que o corpo aceite o abraço para que da janela se solte o grito.

Tic-tac e agora o dia tem mais uma hora para se ser. Os corpos cansados arrastam-se até casa ou morrem na lama. As palavras que escorrem das bocas ébrias soam todas a falso, e o "para sempre" parece ser um dia como outro qualquer. Até ao nascer do sol...

sábado, 18 de outubro de 2008

Roda

"Cada um tem aquilo que merece
E bebo as palavras e quase que me engasgo
São belas perco-me nelas sem me fartar
Sem quase nunca me fartar
Podiamos ficar nisto o resto da noite
Em lugar nenhum"

Manel Cruz, Fora de Combate

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Números

Nada, nada, nada... Vai evitando a parede de vidro a todo o instante, sem se lembrar no instante a seguir de como há tão pouco o tinha feito. Come, se alguém deixa cair umas migalhas coloridas sobre a água. Come uma e outra vez, uma e outra... Sabe nada. Limita-se a existir num nadar infinito, sem memória do que foi ou noção do que é. Se ao menos pudesse pensar em sair... Se ao menos pensasse... Uma memória de poucos segundos não deve servir para grande coisa...

O peixinho vermelho a boiar no aquário, indiferente a tudo. A vida condensada num agora sem fim. Tic-tac, pequena máquina indiferente ao passar das horas.

- E se morrer?

- Compra-se outro, são todos iguais...

domingo, 12 de outubro de 2008

Talvez

"Devíamos todos usar suspensórios para que a alma nos caísse um pouco menos sobre os calcanhares..."

António Lobo Antunes, Os Cus de Judas

sábado, 11 de outubro de 2008

"Mas é sempre a mesma história..."

Como se fosse possível viver sem os papéis espalhados pelo chão e meio mundo perdido e espalhado pelo outro meio.

O primeiro assombro... E depois pouco resta dele. Farta-se o corpo e volta tudo ao que era dantes.

Sabe melhor assim, enquanto o corpo não se farta...

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

(som áspero e seco)

As peças do dominó todas alinhadas e ao alto à espera da primeira queda para que o desenho surja na mesa enorme.

Imóveis, tanto tempo, tanto.

Pim! Estalar de dedos, rajada de vento, empurrão mágico. Caiu a primeira.

Que surja o desenho...

sábado, 4 de outubro de 2008

"Sete"

As caras fecham-se para te dar a notícia. Escuta-la meio incrédulo, mas o tom de voz acaba por te convencer. Depois compras as flores e deixa-las ao lado do caixão. Olhas mais uma vez para ver se não te esqueceste de escrever o nome em letras bem grandes (as pessoas esquecidas são assim, às vezes até nem se lembram que outras ainda existem até ao dia em que sabem do funeral), comentas o tom de pele do morto e a roupa escolhida para a última viagem, desta vez na horizontal. Na horizontal, mas agora sem ressonar.

Ainda deve haver tempo para pensar um bocadinho e fazer as pazes, nem que só por uns meros segundos, com aquele que tanto invejas e não suportas, meros segundos e todos são amigos e justos e sensatos e morais.

Buraco aberto, terra para cima, não sem antes o senhor padre deixar as palavras mágicas no ar. Duas lágrimas no chão, óculos escuros nos olhos e se esperares pela noite talvez vejas uma alma esverdeada a subir aos céus. Mas não esperas, que no café a cerveja é fresca e a televisão lá está com o grande relvado acabado de regar. A cerveja é fresca e os copos muitos. Entretanto secaram os olhos e todos voltaram a ser os mesmos de sempre, inimigos, injustos, insensatos e imorais. O senhor padre troca as palavras mágicas por três "ais" na cama da sobrinha e dia um do mês que vem lá irão todos pôr as velas vermelhas a arder.

Sentir a horas marcadas deve ser uma coisa estranha.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

smilejacking

Por mais prisões e grades que mande construir, nunca o homem-máquina há-de ver-se livre dos ladrões de sorrisos.

Haverá sempre quem não olhe só para o chão e se atreva a segurar a porta pesada de um qualquer centro comercial. Mesmo que sem dentes na boca...

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

#26

E agora todos terão computadores, algo indispensável para os putos do quinto ano, está visto. Um magalhães em cada mochila e seremos outra vez os melhores do mundo. Os maiores do mundo. Se esperarmos mais uns dias talvez possamos ver os nossos vizinhos do lado a distribuir uns colombos. Depois, num gesto simbólico até se poderia fazer uma conferência lá para os lados de Tordesilhas, mas desta vez em formato lan-party-ministerial.

- Viste Zé? Matei o cabrão do espanhol.
- Porreiro pá!

A sexta lingua mais falada do planeta. Quem diria... Talvez não fosse má ideia ensiná-la bem... E se se oferececem uns livros? Daqueles em papel que se podem riscar e dobrar e trazer debaixo do braço, dos que ficam com as páginas amarelas e por vezes gastas...

Seria isso bom? Pessoas mais inteligentes e pensantes... Gente com voz e sonhos.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Gotas

Chove e há poças de água no chão. Molham-se os pés por entre dois saltos mal medidos. Depois há quem diga que a vida é linda enquanto as joaninhas vão voando para a fotografia como que por invejarem a borboleta fotogénica.

O Eládio Clímaco anima a viagem de comboio rumo ao pôr do sol na praia quase deserta e as coisas simples são tão mais.

Surge então a lua-bolacha-trincada enquanto a espuma branca e amarga depressa se troca por algodão doce cor-de-rosa. O preto ganha mil e uma cores e por mais que se pinte uma casa velha, nunca ela voltará a ser nova.

"É bom ser gente feliz" e o amanhã não existe. Os ovos estrelados são bons, mas nem sempre a frigideira ajuda. Mexidos também não são maus, desde que sem queijo.

sábado, 20 de setembro de 2008

Palavras...

"Estive há dez minutos atrás na varanda do meu quinto andar, a observar a cúpula invisível entre o céu e o enorme lego de betão e a sentir-me um inquilino passageiro desta pensão de uma estrela perdida na imensa cidade negra a que damos o nome de universo.

Curiosamente parece que é o único sítio que temos para passar a longa noite que nos espera.

E é aí que eu saio para apanhar a frequência. Como que a comer um ponto e a cagar um verso. No prisma, a encaixar, provavelmente no de outros feito um filósofo de merda.

Mas a vida é isso mesmo, um monte de gente a fazer de conta que se entende e ninguém sabe dizer o que viveu.

Por isso nos pedem que caminhemos alegres para o precipício sem questionar, porque estaremos sempre longe. Mas longe rapidamente fica perto e perto rapidamente passa por nós. Eu não quero mandar-te para baixo, mas sei que me entendes, tu também tens medo de morrer, toda a gente tem. Só que normalmente inventamos montes de problemas para nos convencermos que estamos ocupados a resolver uma situação importante quando não tem importância nenhuma.

Entretanto o tapete rola e nós irritamo-nos com a inevitabilidade, e nos nossos sonhos dizemos:

- Torna-me imortal! Torna-me imortal! Eu não vou aguentar deixar de existir!

E é aí que eu entro para sair da frequência, seduzir-te com os meus sonhos, tu não vês como empreendo? E como eu mais um milhão de sonhadores leva com ele muitos braços dos outros, acéfalos, na lotaria dos ideais, descrentes, beijando o número do bilhete.

Mas quero dizer-te que a viagem é tua, não quero empurrar-te à força para a rua.

Se eu falhar vou passar de deus a carrasco, embalsamado e metido dentro de um frasco, para te lembrares da mentira, mas a verdade é que ganhamos sempre."

Manel Cruz, Ainda pode descer

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Definitivo




Richard Wright [1943-2008]

Os Pink Floyd acabaram. De vez.

domingo, 14 de setembro de 2008

Prioridades

"O nosso objectivo é que não exista nenhum concelho no país que não tenha pelo menos um campo relvado"

E depois os desportistas do futuro, com os seus milhões, irão transformar este país num num lugar melhor. Porque tudo tem um preço. Daqui a quinze aninhos seremos o país da europa com mais bibliotecas e melhores escolas, com menos pobres e melhores hospitais, o verdadeiro paraíso à beira mar plantado.

Entretanto é só esperar que se formem os craques da bola. Já agora, se não fosse pedir muito, era interessante que no meio de isto tudo aparece um bom defesa esquerdo...

Efémero

A estrela d'alva, visível ao amanhecer, é o planeta Vénus, também denominada de estrela da tarde, visível ao cair da noite.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Sete

as fachadas explodiram... passaram os anos e no fundo continua tudo igual. vieram guerras, perderam-se vidas em nome de um qualquer ideal...

e ainda não é pública a lei que as leis encerram... Quando?

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Os heróis estão todos mortos...

Hotel pinheiro. Os bichos picam devagarinho por entre uns minutos de sono no colchão mais que duro...

Sonho uma janela e uma loja do outro lado da rua que sonhada é um rio de àguas turvas. Um toldo de riscas azuis e um cigarro à porta. Segura-o uma mão queimada pelo tempo ou talvez pelo fumo, pouco importa. A outra acena. Aí vou. Voo por cima da rua rio e sento-me no sofá com a estranha personagem.

Uma aranha sobe para o tecto, há mosca fresca na teia.

Muda de voz e de cara, muda de corpo também, a rua à frente, de rio passa a selva e de selva a deserto. O sofá transforma-se em banco e pouco depois só resta um pouco de chão...

Ouço com atenção as palavras que vai soltando no ar. Fala de estrelas e luas, de um tal de fio norte, diz que há pessoas a desaparecer dentro de cabines telefónicas e que um dia houve quem fizesse explodir uma baleia encalhada na costa com dinamite (desastre enorme...).

Pergunta-me o que vejo à frente. Descrevo-lhe uma casa grande. Bate-me com as palavras. Uma janela! À frente está uma janela, eis tudo. Aceno com a cabeça e digo-lhe adeus. Agradeço e salto.

Acordo uma e outra vez. Sonho dentro do sonho qual matrioska. Entre um acordar e outro toca no rádio uma música quase esquecida, "shards of glass, splinters like rain..." é tudo o que ouço. Volto a acordar e agora já não é um sonho. Pelo menos o sol brilha e há pessoas a discutir por causa de um pedaço de papel...

A genial falta de sentido

Era um redondo vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar
Pelos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio
Convocando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincavam e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa

José Afonso, Era um redondo vocábulo

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Letras

"Não se mostra o trajecto
A quem parte para se perder
Não se dá boleia
A quem precisa de ir a pé"

Mesa, Boca do mundo

relativo

Chegas com a mala negra e despejas todas as tuas razões e questões perdidas para as quais não tenho nem posso ter resposta. insistes, mas depressa percebes que não dá. depressa percebes que é a conversa errada com a pessoa errada. Perdes-te em "porquês?". tentas perceber o que não pode ser entendido. amuas depois na espécie de mundo que criaste à imagem dos que foste vendo. mas nem tu sabes que mundo é esse em que habitas, nem tão pouco consegues voltar atrás se acaso o quisesses para construir um outro.

E ao olhar para o céu vejo centenas de estrelas e imagino milhões de planetas à volta delas. Milhões de pessoas em cada planeta. Tão longe, tão pequenos. Tão reais...

Há perguntas para as quais a resposta não existe

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

sono

O sono que desce sobre mim,
O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desce individualmente sobre mim —
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.
Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:
E o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.

O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos.
O cansaço tem ao menos brandura,
O abatimento tem ao menos sossego,
A rendição é ao menos o fim do esforço,
O fim é ao menos o já não haver que esperar.

Há um som de abrir uma janela,
Viro indiferente a cabeça para a esquerda
Por sobre o ombro que a sente,
Olho pela janela entreaberta:
A rapariga do segundo andar de defronte
Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém.
De quem?,
Pergunta a minha indiferença.
E tudo isso é sono.

Meu Deus, tanto sono!...

Álvaro de Campos

Avante!







porque é bom acordar com as unhas dos pés pintadas de vermelho...

domingo, 31 de agosto de 2008

Quase domingo

Faz calor. Não há gente na rua. Fora dela talvez haja, mas hoje não encontrei. Um cão que ladra, deve ter fome.

Achei um fragmento de espelho partido em cima de um muro. Peguei-lhe por curiosidade. Apesar de pequeno dava ainda para ver alguma coisa reflectida. Digo a mim mesmo que devia usar aqueles que tenho em casa mais vezes. Esqueço-me sempre...

Moedinhas para a máquina e no fim do mês são só duzentos euros em cigarros. Golo do benfica e esta noite já não se dorme tão mal.

Na televisão oferecem dinheiro às três da manhã. Para quê tanto assalto?

#25

E nos domingos em que pouco havia para fazer, quando longe de corpo, demoravam-se horas por detrás de uma linha e dois telefones. Quando perto, a história era sempre a mesma. Mas havia café quente, sorrisos...

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Chaga:

do Lat. plaga

s. f.,
ferida aberta;
úlcera;
incisão na casca das árvores;

fig.,
desgraça;
mal;
coisa que faz pena;

fam.,
pessoa importuna, desajeitada;

Bot.,
(no pl. ) planta trepadeira tropeolácea ou a sua flor.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Lost in translation

Pois os objectos são só isso e o que se faz com eles cada qual há-de saber. Faca abre-latas, arame chave, caneta garfo, copo arma...

Tudo faz mais sentido assim. Ou quase.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

#24

Lembro-me como se tivesse sido ontem, ou esta tarde até. Milhares de ingleses à minha volta... As tais bestas eram afinal pessoas mais que vulgares. Pessoas mais que vulgares que numa bola viam, talvez, um sonho. E as bestas cantavam e saltavam. E gritavam, e transpiravam fé e vontade. E eram. Naqueles poucos minutos eram uma outra coisa.

Noventa minutos, dois apitos e tudo voltou ao começo As vozes transformaram-se em corpos. Velhos e novos, homens e mulheres...

Muitos foram os jogos que vi depois desse, quilómetros de estádios, mas não mais voltei a sentir o calor como naquele dia. Tudo passou a saber a pouco quando antes sabia tão bem.

domingo, 24 de agosto de 2008

Planeta estrela

Cimo das escadas. Faz frio. Há estrelas. Há uma luz vermelha lá no alto e grilos que se fazem ouvir (a lua também se vê nos dias em que não se esconde por detrás das casas mal plantadas à volta.).

Passam aviões com mil e uma pessoas divididas entre latas. Três luzinhas por par de asas. Tão pequeninas lá em cima... E se por acaso um dia as luzinhas se apagarem enquanto lhes sigo o rasto?

É assim que acontece quando as estrelas caem (as estrelas não caem mas assim soa melhor, há até quem não acredite em meteoritos...). Um pontinho de luz aparece do nada, cai, cai, cai (ou flutua, ou vagueia, sei lá...) e pronto. Pedes um desejo e agora é so esperar que aconteça (tenta pedir que o sol apareça de manhã para ver se resulta mesmo...).

E o que são os anos para a pedra que deixou de o ser? Isto do tempo é tão relativo...

Entretanto as luzes continuam acesas lá em cima.

De manhã o sol dá-te um pouco de claridade e a história do desejo é mesmo verdadeira (para a próxima pede o fim da fome em Lisboa...). Acordas, vês a luz e vais à tua vida. Algures noutro lado do mundo mais três luzinhas chegam ao chão (explodirão agora?) e ali, ao pé de tua casa, há quem afunde a cabeça num caixote do lixo à procura do pequeno almoço (pão da noite anterior e doce de morango com validade de anteontem. Nada mau. Ontem só havia bananas.).

Três portas abertas. Três luzes apagadas. Três lanços de escadas. Mais um dia...

Pode ser que hoje seja diferente. Pode ser que a lua se pinte de roxo e as estrelas apareçam verdes. Pode ser que o mar cuspa os peixes e volte a nascer mais um salvador (tantos Jesus na América do Sul...). E se todas as máscaras fossem queimadas no meio da praça?

Pode ser que sim...

Ou então resta-nos ser daltónicos à força e sonhadores de olhos abertos...

"e há quem imite os lobos embora imitando gente "


[minuto 5]

Tantos inteligentes, tantos, tantos...

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Estória

de manhã espreguiçava-se devagarinho




depois ia à praia apanhar ouriços e estrelas do mar

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Sinapse

Uma prisão nos olhos. Duas prisões. Quatro olhos. Grades fracas queimadas pelo arder de um cigarro que não há. Como putos de doze anos a fugir dos olhos -mais uma vez os olhos- pequenos das coisas não muito grandes que se nos vão atravessando à frente (e passando ao lado. e ficando para trás.)

O resto é rir enquanto se espreita pela fresta da porta mal fechada. Rir, partir e voltar quando menos se espera só para um abraço tonto e sem sentido aos olhos que servem só para olhar e não para ver.

Saltam as palavras com vida própria e a Força ganha outro sentido. Mais um par de sorrisos. Adeus? Não pode haver... Estamos sempre lá, sempre cá, sentados no muro de lugar que não existe. Lugar nosso, lugar nenhum, com vista para o que se quer ver.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Linha

"Mas é sempre a mesma história
Depois do primeiro assombro
Logo o corpo fica farto"

Sérgio Godinho, Balada da Rita

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Haver

Como se tudo na vida fossem comboios movidos a vento...

Sem plano e sem vida. Sem hora nem rumo. Só a linha e o relógio de estação a marcar as horas no tic-tac do costume. O tic-tac que varia o ritmo consoante a pressa de quem corre e a serenidade de quem aguarda sem certeza nem medo.

É tão possível morrer debaixo de um relógio de estação. Deve ser pesado. Estás ali à espera e de repente caem-te as todas as horas em cima...

Mosquitos, árvores e chuva. Algodão doce também...

Mais uma rajada de vento e agora impera o avesso. O lugar nascido na rua sem gente. Porta pequena e a casa de sempre... A casa noutra cidade. Fotócopia surreal... Não muda sequer a mobilia, nem o caixote do lixo com o caroço de maçã apodrecido pelo esquecimento.

Dá para sorrir. Na rua dançam as bandeiras. É hora de partir outra vez.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Porque nunca se pode ter tudo

e falta sempre qualquer coisa. Mesmo que haja a cereja no topo do bolo lindo lindo lindo. Esqueceram-se do açúcar... E o bolo amarga...

Desta vez faltou o último adeus.

Ou então não faltou e só não se ouviu...

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

vidro

sim sim senhor razão diga lá mais uma vez...

diga lá, o senhor que sabe tudo, desde a mais bela táctica para ganhar no futebol, até à melhor maneira de depenar estorninhos malhados, passando ainda pelo conhecimento de mecânica aliado a um pouco de física e, já agora previsão meteorológica só com um pouquinho de cuspo no dedo...

diga lá senhor sabão o que é um padrão e um telefone. explique por favor às criancinhas porque é que o mar é azul e o céu salgado... é ao contrário? pouco importa, o senhor consegue na mesma...

conte lá onde se compra o arroz mais barato e qual é o melhor sitio para sair à noite. fale, fale sem parar. não se faça modesto...

pum, pum, pum! fogo de artificio verbal... e os planos da vida do outro. desenhe já no papelinho amarelado, faça-lhe o mapa, ensine-lhe o caminho.

aproveite senhor juiz, alguém errou. julgue, julgue já. ainda há cordas na loja e não falta quem saiba fazer um belo nó de forca. julgue e condene, que matar não custa. não tenha medo, não é preciso matar o corpo, só o resto...

e depois meu senhor, dono da razão do saber e da verdade, quando o longo dia chegar ao fim, tente arranjar um espelho. pode ser que então o sono tarde.

domingo, 10 de agosto de 2008

Sumo de Limão

E são tantas as metáforas e as analogias, mais que muitas. Surgem do nada, talvez venham com o vento... Mas todas redundam. É como a história do hamster e da roda.

Resta uma certeza simples...

Sol

De um lado, o sol queima as palavras, do outro, seca as ideias. O mesmo sol que é bom de ver por entre as folhas das árvores e que convida ao torpor. O sol que gira sempre sem parar. E depois sobra pouco para dizer quando as palavras não surgem...

sábado, 9 de agosto de 2008

Momento

Tenho a perna dormente e há um desconforto enorme em tudo isto.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Manhã


e depois acordar na areia e não saber se a conversa existiu ou foi um só mais um sonho...

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

#

"e dizem e falam, falam demais sabes? farto-me de as ouvir... porque depois pensam assim e assim mesmo e eu estou-me bem a cagar se os putos comeram a papa ou não. uma ilusão... tudo não passa disso. porque depois no fundo sinto-me a andar às voltas como os hamsters sabes? ando e ando mas acabo por nunca sair do lugar. e depois não sei porque já não tenho a certeza de nada. só os fantasmas, sempre os fantasmas atrás de mim. por mais que mude, por mais que fuja eles simplesmente não me largam. e aqui estou a dar voltinhas na roda... às vezes penso em saltar, mas é impossível fugir..."

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

(...)


"And if the dam breaks open many years too soon
And if there is no room upon the hill
And if your head explodes with dark forbodings too
I'll see you on the dark side of the moon"

Pink Floyd, Brain Damage

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Vozes

Disseram no outro dia que éramos iguais. Fiz de conta que não ouvi.

Depois pensei nas palavras e nos metros e nas pedras e nas varandas e nas viagens e nos comboios e nas pistas e nos carros e nos silêncios e nas horas perdidas a fazer nada.

Olhei-os de lado e ri-me contigo.

#23

- Não sentes, às vezes que isto não é teu? Que te limitas a ir andando e que por mais que faças acabas sempre parado no mesmo sitio....
- ...
- É como a história do hamster, que anda ali às voltas na roda. Anda, anda, anda, mas nunca dali sai. Sinto isso, sabes? Como se houvesse qualquer coisa a controlar-nos...

domingo, 27 de julho de 2008

Nadas...

No dia triste o meu coração mais triste que o dia...
Obrigações morais e civis?
Complexidade de deveres, de conseqüências?
Não, nada...
O dia triste, a pouca vontade para tudo...
Nada...

Outros viajam (também viajei), outros estão ao sol
(Também estive ao sol, ou supus que estive).
Todos têm razão, ou vida, ou ignorância simétrica,
Vaidade, alegria e sociabilidade,
E emigram para voltar, ou para não voltar,
Em navios que os transportam simplesmente.
Não sentem o que há de morte em toda a partida,
De mistério em toda a chegada,
De horrível em todo o novo...

Não sentem: por isso são deputados e financeiros,
Dançam e são empregados no comércio,
Vão a todos os teatros e conhecem gente...
Não sentem: para que haveriam de sentir?

Gado vestido dos currais dos Deuses,
Deixá-lo passar engrinaldado para o sacrifício
Sob o sol, álacre, vivo, contente de sentir-se...
Deixai-o passar, mas ai, vou com ele sem grinalda
Para o mesmo destino!
Vou com ele sem o sol que sinto, sem a vida que tenho,
Vou com ele sem desconhecer...

No dia triste o meu coração mais triste que o dia...
No dia triste todos os dias...
No dia tão triste...

Álvaro de Campos

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Jardim

Num canto, girassóis, no outro uma roseira. Uma grande árvore no meio, daquelas que se não abraçam de uma vez só. Alguma relva, um banco verde e pedras com vista para o rio.

Enterrada na terra está uma caixa. Folhas e mais folhas. Brancas e lápis coloridos. Pendurado na árvore, um arco-íris pintado a mil cores num dia em que choveu miudinho.

Olhando de baixo, a árvore desenha-se núvem e dos ramos pende um pequeno trapézio que baloiça ao sabor do vento. Lá, no sitio onde não há tempo e o ar não sufoca nunca.

"Não vês que é de nós o jardim..."

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Vagarosamente, como se aquele copo de leite quente agora já quase frio fosse toda a sua vida. Nem hoje, nem amanhã. Tudo o que pode existir no universo condensado na nata que se ia colando à colher ja tonta de tanta volta dada em torno do vidro grosso.

Cega, talvez, ou só de olhar preso ao infinito da parede meio suja. Ou então a parede já não era parede e sim um qualquer espelho da alma. Chorou em poucos minutos todas as lágrimas que em si cabiam.

Tirou do bolso o lenço amarrotado e limpou o que restava dos olhos feitos cascata. Do mesmo bolso tirou também a moeda que abandonou em cima da mesa. Deixou o leite, deixou o lenço. Encontrou numa cara à sua frente um sorriso, pegou nele e foi embora. Bateu com a porta, partiu o vidro, riu e correu.

Sintonia

Sem aviso, nem hora, nem cigarro.

sábado, 19 de julho de 2008

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