sexta-feira, 15 de maio de 2009

da falta

Uma pergunta redundante feita dia após dia como naquela história do espelho mágico.

Será, será, será?

Pergunto-me porque não são verdadeiramente simples as coisas aparentemente simples. Sem resposta e todas as perguntas são agora em vão. Como a neve onde antes afundava os pés e que agora não passa de uma imagem desbotada na memória.

Frio. Frio na mesma.

E o descobrir...

Quando for grande hei-de ser caçador de borboletas. Hei-de apanhar mil barrigas delas. Mas mil barrigas das grandes.

Talvez nesse dia o mundo se pinte de outra cor...

Poiso

Talvez seja do álcool a menos no sangue. Ou então foi a chuva que tirou o pó do ar mas nem por isso o deixou mais leve.

As moscas sentem?

Diz-se por aí que o criminoso volta sempre ao local do crime, muitos há que assim vão sendo apanhados. Faz-me lembrar uma casa cor de rosa e as vezes que lá ia, mesmo sem crime, mesmo sem ser criminoso, mas voltava sempre sempre. Enquanto houve casa e café acabado de fazer.

Depois olho para trás e o que me sai é só uma metáfora mal amanhada. A vida são só casas. É isto! Vamo-nos habituando, pintando as paredes, arranjando o chão e o espaço à nossa maneira, limpando o pó à janela verde... E um dia chegam pela madrugada bandos de espingardas com homens por perto e a casa passa a ser só tijolos e telhas e pedaços de madeira [há sempre duas maneiras diferentes de ver a mesma coisa] e vidros que já foram copos espalhados pelo chão.

E tudo é um resumo simples ou mero "dejá vu" enquanto os dias correm.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

pico

e depois já esta tudo dito, tudo escrito, tudo inventado, tudo feito...

para quê correr e saltar e pensar e querer e esperar, se todos os dias o comboio chega à estação. mais hora menos minuto. que ás vezes há atrasos e bombas e atentados e gente parva que não paga e insiste em não sair. mais hora menos hora lá está ele... está o comboio e tudo o resto. igual, igual. igual. porque já nada de novo há para acontecer.

Ouvem-se gritos ao telefone pela manhã acabada de nascer, os olhos ainda turvos do sono mal acabado.

e não vale a pena pois não? amanhã, que amanhã há tempo e então amanhã pode ser que haja a tal vontade que hoje falta e oneco m não apareceu. também já está tudo inventado. dizem os inteligentes que até as canções já acabaram...


E já está tudo inventado não é verdade? Não falo dos satélites e do resto que nos vai querer controlar daqui a uns dias, das cameras e do grande irmão escondido no bunker de ouro a espreitar quem mija no canto da parede e a que horas chegas a casa, se bem que isso também está mais que feito.

Dizem que acabaram as canções e todos os dias nos mostram o filme do dia pelas oito da noite que agora empura o dia por volta das cinco, dizem que isto está mau para que no outro dia de manhã as ovelhinhas o repitam a uma só voz "Isto está mau, isto está mau...", se calhar o grande irmão não passa de um reles pastor. "as ovelhas gostam de companhia, vão-se sempre juntando umas ás outras.". o rebanho engrossa "isto está mau, isto está mau" e enquanto fala não ouve nem vê. Para quê? Ás oito saberão de tudo, de tudo o que quiserem que saibam. "isto está mau, isto está mau", e nos gabinetes cheios de mofo assinam-se resmas de papeis para tornar isto melhor.

Mais um decreto e não se pode faltar às aulas porque isso não pode ser considerado um direito. Não se falta e não há sermão nem responsabilidade e depois se houvesse agora também já não se chumba e as bicicletas não são prémios mas direitos. Criam-se assasinos de português, incapazes de somar e dividir. Passeiam-se com os afamados "Magalhães" debaixo do braço sem saber sequer quem deu o nome aquela máquina azul. Sem saber que houve tempos em que homens se faziam ao mar para matar e morrer. Sem saber que houve tempos em que nos diziamos donos de meio mundo. E agora? Esperamos ansiosamente que do outro lado do oceano haja alguém capaz de nos tornar a vida melhor. Ironias que também não hão-de perceber.

Fazem ouvidos moucos e sorriem, as ovelhas negras. Sorriem e riem e rebolam no meio do caminho sem medo de serem pisadas. Aprenderam a levantar-se depressa e fugir dos pés ansiosos. Também se tornaram maiores que as outras, pelo menos maiores aos olhos, mesmo que só a cor pareça distingui-las. Dizem que isto está bom, que gostam de chuva quando ela cai e de sol quando ele nasce. Acreditam que o impossível é só uma palavra inventada que não faz qualquer sentido, parar é morrer e as tangerinas têm um lugar especial no mundo a par com os girassóis. Dizem-se felizes e alimentam-se de algodão-doce.



. Somos agora escravos bem atentos à eleição de um novo mestre, descendente de escravos que souberam deixar de o ser.

sábado, 25 de abril de 2009

Trinta e cinco

E a culpa do aquecimento global é mesmo do gajo que inventou a máquina a vapor. De quem mais? Pouco importa o que veio depois, o que desperdiçamos dia após dia. As luzes acesas, a água a correr, os mil e um carros a andar para lado nenhum. Não temos culpa, não podemos, não queremos. A culpa é toda do tal homem que um dia teve uma ideia luminosa. Talvez fosse melhor viver sem motores. Era muito melhor, não haja quem duvide. Correr a Europa num carro de bois... As coisas eram diferentes, gozava-se mais...

A culpa foi toda dos gajos vestidos de verde. A culpa foi toda deles por quererem mudar alguma coisa, por quererem poder gritar na rua, por quererem poder ler. Ler, ouvir, falar. E é tão fácil agora não é? Porque só naqueles dias em que a luz falta se percebe a falta que na verdade faz. Em cada um que entrou na Cidade estava escondido um potencial currupto, era isso. Porque o sonho, o sonho não tinha nada que ver com liberdade... O sonho só tinha que ver com dinheiro, taxas de juro, spreads, bancos e offshores.

E é tão fácil agora, à distância de trinta e cinco anos dizer que estava tudo bem. É tão fácil gostar de um pobre que pobre morreu...

Porque isto é como tudo, e como dizia o senhor Fernando, há-de chegar o dia em que só há a lembrança no dia do nascimento e da morte, todos os outros serão iguais... Porque já ninguém olha para a esquina mais próxima quando diz mal do engenheiro. Ou será que olha? Será que já se olha? Será como naquela quinta famosa?

A culpa toda é daqueles que tentaram um dia mudar alguma coisa e não de todos os outros que agora que ainda podem falar, se calam. A culpa é toda deles. Ou será que é nossa? Deve ter sido bonito o dia onde os rádios poderam tocar mais alto.

do sorrir

"Found only on the islands of Oahu, Molokai, Maui, and Hawai, the happy face spider, is known for the unique patterns that decorate its pale abdomen. Scientists believe Theridion grallator may have developed its distinctive markings to discourage birds from eating it."

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Teste

Uns
Outros

Eu


feito por aqui

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Acordar

Manhã. Cinzento e o gato deixa de ser pardo. Há um gato malhado à porta e agora que penso nisso reparo que ainda este ano não vi andorinhas.

Gotas

Noite.
Um gato pardo à beira da porta. 
Chove. 
Um gato pardo à chuva... 
Rua.
Água. 
E a falta por entre as gotas...
Porque houve dias em que chovia miudinho e os risos eram maiores...
Saudade...

domingo, 19 de abril de 2009

das caixas escondidas num sótão qualquer

Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte

Natália Correia, Queixa das almas jovens censuradas

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Dilúculo

Partida ao meio. A lua.

E cá em baixo, um banco verde, casas azuis com desenhos de janelas-de-luz-acesa, garrafas vazias, latas vazias, vidros no chão, copos cheios, copos vazios. Uma brisa leve... Cinco vezes noventa e nove. O mesmo banco. Transeuntes que vão passando. Abanam devagar. Tivessem giz nos pés e o chão seria todo ondas brancas. Falo em ondas e lembro o mar. A brisa outra vez mas agora sem sal, sem o cheiro-casa que nem é meu mas que gosto.

Lembro agora o primeiro dia. Manhã de sol e a mão a tremer. Janelas de vidro. Calor. Calor. Calor. Não há longe, não há longe, não há longe...

de repente, o banco faz-se escada, a janela branca janela verde, o cigarro no chão cigarro na mão, a mulher velha homem velho, o cimento pedras, a rua largo, e, num instante breve, deixa de haver tempo e estamos de novo encostados à grossa porta de madeira no instante em que uma cara ensonada larga um "bom dia" e se prepara para a abrir.


"Não há longe nem distância"

Meia bolacha no céu. Meia bolacha brilhante no céu. E o sol a bater de mansinho nas costas.