terça-feira, 15 de setembro de 2009

do mês

Oito anos e ainda há quem se lembre dos corpos sem penas a cair de janelas perto do céu. A queda, ou o susto, o estalar dos ossos no chão ou o baque a meio da queda. O ouro misturado com o medo, uma confusão enorme pintada a cinza-pó. E nós a apreciar tudo segundo após segundo, segundo após segundo. É verdade que as cartas deixaram de cair na mesa, mas nem por isso as gargantas ficaram mais secas. Passaram oito anos.

Quatro anos e a pergunta é a mesma. Alguma coisa? Porquê? Nada? Dizem que a vida continua para quem cá fica, mas isto depende sempre daquilo a que se chama vida que as definições nunca agradam a todos. Factos são factos, o resto sobra para quem há-de sempre olhar para a esquina a seguir.

Três anos e o gajo da guitarra e da pose morreu entretanto. Lá continua o lago e o rio lilás mais os barcos abandonados. A voz estará resguardada algures, agora, longe das luzes.

Dois anos, o preto e um pequeno almoço diferente, quase igual. Seres que comem piolhos quando a noite se confunde com o dia e o dia com a noite. Ácido e pintas brancas nos pés.

Um ano. Águas mil. Podia ser Março para a canção fazer um pouco mais de sentido, afinal, no Brasil o Verão não acaba depois de Agosto. A lama faz maravilhas à pele e o sol ajuda-nos a assímilar vitamina D. A cor sangue-de-boi é linda de ver e isto é daquelas verdades absolutas, pelo menos para mim.

Hoje. Azulejos escondidos debaixo das saias e o mesmo ser-não-ser em tudo, desde sempre. Pedras escondidas debaixo de água e casas atrás de muros, livros encobertos por pesadas cortinas, lindas, e as árvores a tratar do resto. Chovem nuvens na rua ou talvez tenham só pousado um pouco. Um facto, as pessoas são más.

outono

qualquer coisa... e depois verbos soltos como na cantiga do Zé Mário. vaguear, deambular, acontecer, andarilhar, amanhecer, suceder, ver, ser, gostar, dizer, fazer, amar, chover, cantar, alindar, descer, contar. verbos soltos e as frases a ganhar forma. mas não hoje. cai o império sob os ouvidos. o império...
isto são tudo ironias, azulejos trazidos por mouros trepadores de muros e relógios de corda apodrecida pelo tempo. 

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

tempo-espaço ou outra coisa qualquer

Correr. Outra vez. Subir e descer as mil e uma pedras. As horas todas a bater em cima dos olhos. O passo encurta e a corrida de si já só tem o nome. Os metros são grandes demais, absurdamente grandes, como os dias se foram fazendo. Faltam palavras que sobram. O eco, esse, é sempre o mesmo nas paredes da alma. [leve, mão, sol, medo, dança, vento]. Simples. Demasiadamente simples para que alguma vez se possa tentar explicar.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

da manta em cima das pernas


sorte

há aquela história-anedota do acidente em que a sorte é tudo. é o morto que teve a sorte de não ficar paraplégico e o paraplégico que teve a sorte de não morrer. isto contado assim até que tem a sua graça. até ao dia em que deixa de ter. como tudo...

Cierto

?

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Música

como um raio a rasgar a vida, como uma flor
a florir desmedida, como uma cidade secreta
a levantar-se do chão, como água, como pão,

como um instante único da vida, como uma flor
a florir desmedida, como uma pétala dessa flor
a levantar-se do chão, como água, como pão,

assim nasceste no meu olhar, assim te vi,
flor a florir desmedida, instante único
a levantar-se do chão, a rasgar a vida,

assim nasceste no meu olhar, assim te amei,
vida, água, pão, raio a rasgar uma cidade secreta
a levantar-se do chão, flor a florir desmedida.

José Luís Peixoto

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Sexta



Fica longe este ano o tejo e a quinta vermelha. Nem sempre se pode ter tudo... Haverá o bandido a poucos metros dos sentidos.

de uma noite longe

somos a fachada
de uma coisa morta
e a vida como que a bater à nossa
porta
quando formos velhos
se um dia formos velhos
quem irá querer saber quem tinha razão
de olhos na falésia
espera pelo vento
ele dá-te a direcção

ninguém é quem queria ser
eu queria ser ninguém

a idade é oca e não pode ser motivo
estás a ver o mundo feito um velho
arquivo
eu caminho e canto pela estrada fora
e o que era mentira pode ser verdade
agora
se o cifrão sustenta a química da vida
porque tens ainda medo de morrer
faltará dinheiro
faltará cultura
faltará procura dentro do teu ser

diz-me se ainda esperas encontrar o
sentido
mesmo sendo avesso a vê-lo em ti
vestido
não tens de olhar sem gosto
nem de gostar sem ver
ninguém é quem queria ser

Manel Cruz, Ninguém é quem queria ser

esfera

os xilofones embalam

todas as certezas condensadas num xilofone de fazer sorrisos. [aprendi uma vez num documentário, daqueles que quase ninguém vê, como é que se apanham os impostores. por mais brancos que sejam os dentes há coisas impossíveis de fingir] gosto de xilofones, do som que me faz lembrar cartolinas brancas coloridas com lápis-de-cera sem cor e tinta da china e da porta ao lado onde havia um fato vermelho. [é preciso um pouco de laranja, ou outra cor, depende da pessoa]

divagações sem sentido.

sentido, como se todas as coisas precisassem de o ter. e nem se há-de descansar nunca até ao dia em que se puser tudo numa qualquer fórmula cheia de números e letras. mas isto é o que é e as pessoas são assim. C, H, N, O. carbono, hidrogénio, azoto e oxigénio. é isto! a vida é isto, ensinaram-me na escola há uma dúzia de anos atrás. tudo simples simples simples. e somos iguais à mosca e à aranha e aos bichinhos que vão comendo a merda do esgoto. claro que não inventam caixas de música nem máquinas de teletransporte mas talvez sejam felizes à sua maneira.

a verdade é que ela mesmo só existe até ao dia em que se transforma em mentira, basta olhar um pouco para trás e ver onde está agora o nosso grande império ou o muro que dividia o mundo... no meio de tudo isto dizem que sempre houve mar e o sol a mergulhar ao fim da tarde.