domingo, 27 de setembro de 2009

isto

farto do diz que disse
diz que viu
diz que aconteceu
diz que estava lá um amigo de um amigo
que é amigo teu
farto de ouvir
o mais bonito
o mais astuto
o mais sensível
mas o incrível
é que ao espelho eu só vejo o mais bruto
farto das mesmas queixas no mesmo caderno
farto da caneta que me leva ao inferno
farto de mim de ti de nós contra o resto do mundo
a selecção deles é mais forte
ficaremos sempre em segundo
ninguém te disse
ninguém te contou
ninguém te falou
não dá para ganhar
eles dizem foge foge
mas eu fico
foge foge
e eu fico
cada vez mais bandido


não sou luz da serra
nem sombra nem luz
nem sombra da noite
no alvor da madrugada
não sou coisa nem nada
talvez louco
o louco não tem número
o limite da soma é o vazio
não sou murmúrio de rio
nem cigarro viciado
nem ponta de cio
nem lua patética
crescendo e fugindo do tempo que passa
não sou quebra-luz
nem gavinha entrelaçada num abraço de frio
sete raios de sol queimaram o sonho
sete chuvas de esperma o fecundaram
já não sou resina
nem merda nem mijo
nem sangue nem seiva
morreram afrodites e leões de pêlo fulvo
quando se inventou a alma
e eu não sou mais do que rescaldo
já não sou poeta nem nada


Manel Cruz, "O canto dos homem-conto"

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Ora digam lá mal do Sr. Silva




"Sua Santidade o Papa Bento XVI efectuará uma Visita a Portugal no próximo ano, em resposta ao convite que lhe foi endereçado pelo Presidente da República.

Para lá do programa oficial, Sua Santidade o Papa Bento XVI deslocar-se-á ao Santuário Mariano de Fátima, onde presidirá às cerimónias religiosas de 13 de Maio."

Quem é amigo do povo, quem é?

terça-feira, 15 de setembro de 2009

do mês

Oito anos e ainda há quem se lembre dos corpos sem penas a cair de janelas perto do céu. A queda, ou o susto, o estalar dos ossos no chão ou o baque a meio da queda. O ouro misturado com o medo, uma confusão enorme pintada a cinza-pó. E nós a apreciar tudo segundo após segundo, segundo após segundo. É verdade que as cartas deixaram de cair na mesa, mas nem por isso as gargantas ficaram mais secas. Passaram oito anos.

Quatro anos e a pergunta é a mesma. Alguma coisa? Porquê? Nada? Dizem que a vida continua para quem cá fica, mas isto depende sempre daquilo a que se chama vida que as definições nunca agradam a todos. Factos são factos, o resto sobra para quem há-de sempre olhar para a esquina a seguir.

Três anos e o gajo da guitarra e da pose morreu entretanto. Lá continua o lago e o rio lilás mais os barcos abandonados. A voz estará resguardada algures, agora, longe das luzes.

Dois anos, o preto e um pequeno almoço diferente, quase igual. Seres que comem piolhos quando a noite se confunde com o dia e o dia com a noite. Ácido e pintas brancas nos pés.

Um ano. Águas mil. Podia ser Março para a canção fazer um pouco mais de sentido, afinal, no Brasil o Verão não acaba depois de Agosto. A lama faz maravilhas à pele e o sol ajuda-nos a assímilar vitamina D. A cor sangue-de-boi é linda de ver e isto é daquelas verdades absolutas, pelo menos para mim.

Hoje. Azulejos escondidos debaixo das saias e o mesmo ser-não-ser em tudo, desde sempre. Pedras escondidas debaixo de água e casas atrás de muros, livros encobertos por pesadas cortinas, lindas, e as árvores a tratar do resto. Chovem nuvens na rua ou talvez tenham só pousado um pouco. Um facto, as pessoas são más.

outono

qualquer coisa... e depois verbos soltos como na cantiga do Zé Mário. vaguear, deambular, acontecer, andarilhar, amanhecer, suceder, ver, ser, gostar, dizer, fazer, amar, chover, cantar, alindar, descer, contar. verbos soltos e as frases a ganhar forma. mas não hoje. cai o império sob os ouvidos. o império...
isto são tudo ironias, azulejos trazidos por mouros trepadores de muros e relógios de corda apodrecida pelo tempo. 

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

tempo-espaço ou outra coisa qualquer

Correr. Outra vez. Subir e descer as mil e uma pedras. As horas todas a bater em cima dos olhos. O passo encurta e a corrida de si já só tem o nome. Os metros são grandes demais, absurdamente grandes, como os dias se foram fazendo. Faltam palavras que sobram. O eco, esse, é sempre o mesmo nas paredes da alma. [leve, mão, sol, medo, dança, vento]. Simples. Demasiadamente simples para que alguma vez se possa tentar explicar.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

da manta em cima das pernas


sorte

há aquela história-anedota do acidente em que a sorte é tudo. é o morto que teve a sorte de não ficar paraplégico e o paraplégico que teve a sorte de não morrer. isto contado assim até que tem a sua graça. até ao dia em que deixa de ter. como tudo...

Cierto

?

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Música

como um raio a rasgar a vida, como uma flor
a florir desmedida, como uma cidade secreta
a levantar-se do chão, como água, como pão,

como um instante único da vida, como uma flor
a florir desmedida, como uma pétala dessa flor
a levantar-se do chão, como água, como pão,

assim nasceste no meu olhar, assim te vi,
flor a florir desmedida, instante único
a levantar-se do chão, a rasgar a vida,

assim nasceste no meu olhar, assim te amei,
vida, água, pão, raio a rasgar uma cidade secreta
a levantar-se do chão, flor a florir desmedida.

José Luís Peixoto

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Sexta



Fica longe este ano o tejo e a quinta vermelha. Nem sempre se pode ter tudo... Haverá o bandido a poucos metros dos sentidos.