terça-feira, 27 de outubro de 2009

azar



eu conheço um homem que tinha dois filhos, dois irmãos e uma irmã. o homem tinha dois sobrinhos e a irmã puta de profissão. o homem estava a fazer uma casa e tinha dois filhos e uma mulher. o homem achou por bem não deixar os sobrinhos serem entregues a uma qualquer instituição. o homem tem agora dois filhos e dois sobrinhos para alimentar e ensinar a ler. o homem acha que devia ser ajudado de qualquer maneira pelo estado. o estado acha que não.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

côco

O mofo tem o mesmo cheiro de sempre por mais luz e ar que circule por entre o chão e o tecto. Mais longe, a vista de sempre é igual. As árvores que crescem devagar como se o não fizessem, o correr do rio, o embalar das folhas pela brisa da tarde, um comboio ocasional... Hoje, cheiro a tinta verde com que mãos vagarosas pintam a casa pequena.

Creio que poderiam passar mil anos e tudo seria igual. Mas virá uma ponte nova e o som do comboio ocasional será um constante rugir de motores furiosos, haverá ainda quem comprove que os carros são seres racionais que, de certo modo, absorvem a raiva de quem os conduz, como na natureza nada se ganha nem se perde estando tudo sujeito a uma infinita transformação, pode concluir-se que a raiva se transforma em som.
 
Rio por vezes...

-Tens ai um saco de plástico?
-Não sei, [procura e encontra um de papel meio roto] toma, serve?
-Serve pois...

Não servia. Ando e deixo-o no primeiro caixote do lixo que encontro, vou a pé pelo caminho que é ainda cicatriz, o latejar a cada passo... Mas precisava de um saco. Surge a epifania e o padeiro ajuda. As padarias costumam ter gente dentro às cinco da manhã.
 
-Bom dia, pode arranjar-me um saco de plástico?
-[…]
-[…]
-Serve?
-Sim! Obrigado! 
 
Procuro um espelho. Largo o saco. Volto para casa.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

algures sob o luar da patagónia um elefante anão uiva aos corvos albinos

terça-feira, 20 de outubro de 2009

sapiens sapiens?

descobri hoje a razão de não sermos os únicos a ter o polegar oponível. assim, é possível comparar certos exemplares da espécie humana ao, por exemplo, gambá.

descobri também o porquê da existência de noventa por cento das guerras do mundo.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Mariposa


quarta-feira, 14 de outubro de 2009


depende






















terça-feira, 13 de outubro de 2009

e talvez agarre a madrugada

vi hoje um orangotango a lavar roupa. imitava o homem que tinha ao lado. lavou depois os braços e a cara. o orangotango não usa roupa. não precisa de roupa lavada, mas lavava roupa e sorria como é possível ao orangotango sorrir.

sábado, 10 de outubro de 2009

das pandeiretas

sombra-luz e os olhos semi-abertos-semi-cerrados-semi-qualquer-coisa. coisa, qualquer coisa e eis a ausência de palavras estendida a quase tudo. não é mau de todo, o silêncio, o problema é que poucos o sabem escutar. barulho, tanto barulho. tanta palavra solta por aí sem que nada se diga. tanta, tanta...

e isto cansa. isto. isto do ser uma outra qualquer coisa faz cócegas nos pés e incomoda as horas. as horas que agora são uma papa grossa e amarelada atirada contra a parede. deixei de ver homenzinhos desfeitos em verde a meio da noite e estou em crer que isso não foi necessariamente bom. a normalidade é uma merda.

gosto de andar à chuva, a pele é semi-impermeável e não se consta que por mais enrugada que fique, alguma vez deixe a água chegar aos ossos como dizem alguns daqueles que acreditam que a terra é redonda. não é! há montes e vales e mares e rios e casas e florestas e desertos e pedras no meio dos desertos e formigueiros entre as pedras. redondas são as bolas, se bem que só algumas.

faz-me falta os carris. faz-me falta os pratos pequenos a voar. faz-me falta a guitarra na parede. faz-me falta as garrafas pequenas. faz-me falta o cheiro. faz-me falta o chão. a distância é uma coisa absurda.

Fazes-me falta!

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

isto

isto é silêncio e a depressão que já não anima. isto é a vontade e a falta da mochila azul. isto é o longe mesmo que os metros sejam centimetros. isto é o convite que fica preso sem qualquer razão aparente. isto é a falta de gente. isto é outra coisa qualquer.

e não. isto não sou eu.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

outono

vi hoje as primeiras folhas castanhas a esvoaçar a caminho do chão. e o homem de vassoura a tentar apanhá-las. varrer, esvoaçar, varrer, esvoaçar e há-de ser assim até que as árvores voltem a ser mais que paus espetados a apontar o céu. as árvores são sempre mais que isso, aliás.

e chove na rua, do lado de fora da janela, chove.

gosto do outono. gosto-o na mesma medida em que o detesto. gosto da lama e do mar revolto e da água a entrar pelas casas e dos barcos presos em ramos e telhados e do quente que o cheiro das castanhas trazia no tempo em que havia castanhas no outono. detesto-lhe a melancolia e a ironia dos azulejos pintados a cobras de rabo na boca.