sexta-feira, 14 de maio de 2010

porque as histórias também se cantam


Sérgio Godinho, O primeiro gomo da tangerina

terça-feira, 11 de maio de 2010






ar






quinta-feira, 6 de maio de 2010

caracol

macacos nas esquinas, ou não macacos nas esquinas. eis a questão, mas não há questão, não importa. está lá o que é e é um macaco não macaco pintado de azul. e uma borboleta. e há quem saiba que lá está a olhar pelos passos vagarosos estendidos dia após dia, noite após noite. passos vagarosos e sorrisos longos.

e gárgulas sedentas de laranjas. e tudo. montes pintados de branco, as luzes longe no sangue vivo. de boi. um suspiro. dois. e no direito de.

no fundo, creio que gosto de varandas. de nêsperas também. e de nuvens a pairar, algodão.

domingo, 2 de maio de 2010

colunas

Já li mais de dez livros e ainda assim não encontrei as respostas todas. Sei que no Japão há cinco estações em vez de quatro, sei de ruas debaixo de ruas que são canos e vão dar ao lugar mais óbvio de todos. Sei como se chamam os peixes que gostam de lodo. Aprendi até quantas portas é preciso atravessar para chegar a um outro  qualquer lado, porventura inexistente.

Já li mais de dez livros, é verdade. Mas nenhum deles falava de um barulho em forma de vai.vem na ponte.cor.sangue.de.boi, nem dos personagens sinistros que se passeiam em tabuleiros de xadrez. Talvez tenha falhado algum, mas nesses mais de dez também não aprendi nada acerca de barcos com velas palito e gaivotas suspensas no ar.

Talvez tenha lido os livros errados. Mas foram mais de dez. Pergunto-me como é que em nenhum deles se descreve o porquê de a lua sorrir para uma nuvem ou, até mesmo, da inaudita vontade própria de um rádio. 

Mais de dez, não sei quantos foram, concerteza mais de dez...

domingo, 25 de abril de 2010

alguns

não sei do dia nem da hora. era inverno e quase noite. eramos muitos e eramos mil. dez. dez mil dizia-se na altura.

não sei também das queixas. talvez propinas e bolonha. sei que fui pela razão de sempre. a que não há. 

não sei também do nome da rua, hoje é Amália. sei sim de um segundo andar, ou terceiro, e sei de uma velha muito velha e vestida de preto à janela. lembro-me de um punho fechado e de lágrimas nos olhos. lembro-me disso e de ouvir que éramos muitos e sentir que ao mesmo tempo tão poucos.
 
a velha dizia força como quem parte pedra com um martelo. a velha chorava e a rua era cheia. eramos muitos, mil, dez, dizia-se.

(ainda) somos muitos muitos mil

a vida é uma merda. queixemo-nos então. queixemo-nos bem alto para toda a gente ouvir. seis lamentos por dia, um por refeição, são tudo o que basta para que isto mude.

as pessoas dantes eram tão limitadas. acreditavam que para mudar as coisas era preciso agir e viver na sombra e abdicar e ter ideias e sujar as mãos de tinta em tipografias clandestinas e fugir de guitarra às costas e escrever o que olhos ansiosos esperavam por ler. acreditavam que podiam mudar o mundo se um dia, por volta da meia noite, ouvissem uma pergunta simples na rádio. acreditavam no sempre e no nunca e em revoluções à quinta-feira. definitivamente limitadas. 

seis refeições por dia. um lamento por refeição. as revoluções que fiquem para os outros. afinal de contas, aquilo das balas pode ser chato.

sábado, 24 de abril de 2010

de uma linha de comboio enterrada na areia

e depois os barcos dão à costa. na verdade são cartilagem ou osso ou apenas tecido um pouco mais duro. importa pouco. barcos. basta um pau e uma vela para dar a volta ao mundo.

peixolho. fica o registo.

dos peixes artistas

os peixes riem no rio lilás. riem de dia e fazem desenhos de luz pela noite. é fácil perceber os dorsos virados à lua embalados pelo vai-vem infinito só quebrado numa qualquer manhã de todos os marços. é fácil percebê-los felizes a imaginar quem ainda consegue  ver desenhos no rio feitos por peixes artistas. 

a verdade é que se vê bem o mundo lá do alto. e a cidade lençol feita pontos de luz também. mais os sorrisos.

domingo, 11 de abril de 2010

varanda





quinta-feira, 8 de abril de 2010

passos

era uma vez uma senhora chamada augusta que gostava de estátuas verdes. gostava também de ver o ir e vir das marés, do cheiro a sal e de gaivotas. fez.se rua e diz.se feliz.

era uma vez um senhor chamado alberto que certo dia enquanto se distraiu no chuveiro pôs no papel aquilo que já era uma verdade mais que absoluta. mas foi ele que concluiu que o tempo que corre das nove às onze é diferente do tempo que passa das seis às oito.

era uma vez uma senhora sem nome que achava pouco simpático o lugar onde lhe mataram a filha.

era uma vez um homem chamado joão que nunca seria capaz de imaginar que o click que lhe saiu do dedo ainda no século passado seria capaz de fazer sorrir mais de cinquenta anos depois.

era uma vez um cego que via um só fio de luz  pelo canto do olho  direito depois de lhe ter acontecido aquilo naquele dia e que agora se irritava quando o julgavam mais ou menos do que uma pessoa que não vê.

e era uma vez um barco e um cais e uma estação e (também, mesmo que noutro tempo) alecrim aos molhos.