quarta-feira, 26 de maio de 2010

chinelos

A normalidade. Anormalidade. 

Uma letra é também uma palavra? Sei agora da variância da água e do sal ao longo do muro. Maré. Não sei ainda do dormir dos pombos nas paredes das igrejas. A questão é: dormem sempre no mesmo sitio ou alternam? Atormenta-me muito mais que a subida do IVA. Outra: porque é que os cães teimam em cair nos poços?

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Ammophila arenaria

mar. as gaivotas têm nome e direcção no vôo. quase todas. era uma vez.

coisas que toda a gente sabe. o calcário é diferente do granito. coisas que se notam entre os dedos dos pés. a ela, a gaivota, voava só para a frente, diferente das outras. dava a volta ao mundo sempre que queria voltar onde tinha estado. a volta ao mundo. há caçadores na patagónia. a gaivota levou um tiro. 

por vezes julgava perseguir o sol. outras julgava ser perseguida. ocorreu-lhe nunca que o girar da terra pode ser traiçoeiro. nem todos os tiros matam. fazem sentir o cheiro a aço e pouco mais. alguns. a imagem sonora dos chumbos a cair numa tigela de sopa metálica é algo que me faz roer as unhas. 

caiu. fugiu. asa quebrada, vôo novo. circulos quase infinitos agora. tempo. o tempo. viu um muro pintado de tangerina. picou o vôo.

as promoções de tinta podem ter um efeito fantástico. cor.sangue.de.boi, no caso. voava agora para onde queria, a rosa dos ventos passou a ser mais do que uma qualquer coisa aprendida na escola da praia. voltou. perdeu-se. afinal, o lugar era o mundo e não o pedaço de terra onde havia querido voar em circulos. abriu as asas. foi. em frente.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Nos pesadelos
os monstros às vezes temem que os olhemos de frente
que possamos apagar-lhes a sombra
ou acordá-los a meio da tarde
abrindo as portadas dos seus refúgios
deixando a luz avassaladora a cobrir-lhes o corpo
a queimar-lhes as pupilas remanescentes
como se fôssemos nós
os monstros 
deles.
José Carlos Barros, Os monstros

sexta-feira, 14 de maio de 2010

porque as histórias também se cantam


Sérgio Godinho, O primeiro gomo da tangerina

terça-feira, 11 de maio de 2010






ar






quinta-feira, 6 de maio de 2010

caracol

macacos nas esquinas, ou não macacos nas esquinas. eis a questão, mas não há questão, não importa. está lá o que é e é um macaco não macaco pintado de azul. e uma borboleta. e há quem saiba que lá está a olhar pelos passos vagarosos estendidos dia após dia, noite após noite. passos vagarosos e sorrisos longos.

e gárgulas sedentas de laranjas. e tudo. montes pintados de branco, as luzes longe no sangue vivo. de boi. um suspiro. dois. e no direito de.

no fundo, creio que gosto de varandas. de nêsperas também. e de nuvens a pairar, algodão.

domingo, 2 de maio de 2010

colunas

Já li mais de dez livros e ainda assim não encontrei as respostas todas. Sei que no Japão há cinco estações em vez de quatro, sei de ruas debaixo de ruas que são canos e vão dar ao lugar mais óbvio de todos. Sei como se chamam os peixes que gostam de lodo. Aprendi até quantas portas é preciso atravessar para chegar a um outro  qualquer lado, porventura inexistente.

Já li mais de dez livros, é verdade. Mas nenhum deles falava de um barulho em forma de vai.vem na ponte.cor.sangue.de.boi, nem dos personagens sinistros que se passeiam em tabuleiros de xadrez. Talvez tenha falhado algum, mas nesses mais de dez também não aprendi nada acerca de barcos com velas palito e gaivotas suspensas no ar.

Talvez tenha lido os livros errados. Mas foram mais de dez. Pergunto-me como é que em nenhum deles se descreve o porquê de a lua sorrir para uma nuvem ou, até mesmo, da inaudita vontade própria de um rádio. 

Mais de dez, não sei quantos foram, concerteza mais de dez...

domingo, 25 de abril de 2010

alguns

não sei do dia nem da hora. era inverno e quase noite. eramos muitos e eramos mil. dez. dez mil dizia-se na altura.

não sei também das queixas. talvez propinas e bolonha. sei que fui pela razão de sempre. a que não há. 

não sei também do nome da rua, hoje é Amália. sei sim de um segundo andar, ou terceiro, e sei de uma velha muito velha e vestida de preto à janela. lembro-me de um punho fechado e de lágrimas nos olhos. lembro-me disso e de ouvir que éramos muitos e sentir que ao mesmo tempo tão poucos.
 
a velha dizia força como quem parte pedra com um martelo. a velha chorava e a rua era cheia. eramos muitos, mil, dez, dizia-se.

(ainda) somos muitos muitos mil

a vida é uma merda. queixemo-nos então. queixemo-nos bem alto para toda a gente ouvir. seis lamentos por dia, um por refeição, são tudo o que basta para que isto mude.

as pessoas dantes eram tão limitadas. acreditavam que para mudar as coisas era preciso agir e viver na sombra e abdicar e ter ideias e sujar as mãos de tinta em tipografias clandestinas e fugir de guitarra às costas e escrever o que olhos ansiosos esperavam por ler. acreditavam que podiam mudar o mundo se um dia, por volta da meia noite, ouvissem uma pergunta simples na rádio. acreditavam no sempre e no nunca e em revoluções à quinta-feira. definitivamente limitadas. 

seis refeições por dia. um lamento por refeição. as revoluções que fiquem para os outros. afinal de contas, aquilo das balas pode ser chato.

sábado, 24 de abril de 2010

de uma linha de comboio enterrada na areia

e depois os barcos dão à costa. na verdade são cartilagem ou osso ou apenas tecido um pouco mais duro. importa pouco. barcos. basta um pau e uma vela para dar a volta ao mundo.

peixolho. fica o registo.