quinta-feira, 10 de junho de 2010

daquele país que faz fronteira com Espanha

Surge-me, de quando em vez, aquela imagem heroica (ou egoista) do Luís Vaz a nadar só com um braço e com o Portugal na mão mais seca. 

Inquieta-me imaginar o Portugal a ser salvo daquela maneira. Inquieta-me imaginar o Portugal a precisar de ser salvo. Inquieta-me. Inquieta-me também o modo como algumas pessoas teimam em confundir o género quando agradecem. Isso e o facto de impermeabilizarem os bancos de jardim.

Chagas, quinas, castelos, o mundo em forma de esfera. A mania das grandezas é demasiado nossa para que a possamos ignorar. Deve ser por isso que ainda cremos num cavalo branco a aparecer do nevoeiro. O Sebastião mais velho do mundo. E nem quinhentos anos passaram...

Mas o que eles não sabem é que o Portugal ainda tem quem goste dele.
Já foste rico e forte e soberano,
Já deste leis a mundos e nações,
Heróico Portugal, que o gram Camões
Cantou, como o não pôde um ser humano!

Zombando do furor do mar insano,
Os teus nautas, em fracos galeões,
Descobriram longínquas regiões,
Perdidas na amplidão do vasto oceano.

Hoje vejo-te triste e abatido,
E quem sabe se choras, ou então,
Relembras com saudade o tempo ido?

Mas a queda fatal não temas, não.
Porque o teu povo, outrora tão temido,
Ainda tem ardor no coração. 
Saúl Dias

domingo, 6 de junho de 2010

dias úteis

é domingo.

divago acerca do porquê da aparente cor da água vista do cimo da serra. incolor, insípida e inodora. aprendi assim na escola. por vezes desconfio das coisas que lá me ensinaram. era para beber. o mar não se bebe. dizem. irrito-me com o que dizem. pergunta: os olhos comem?



acho que sim. depois há castelos no alto e estradas que levam aos castelos a serpentear pela encosta. viagens. fins de terra ventosos e estradas que não se sabe muito bem onde vão dar. dias de sol. úteis.

domingo, 30 de maio de 2010

dias

os dias são coisas com vinte e quatro horas. as horas são coisas. os dias dividem-se neles mesmos, dias, e nas noites. as horas têm coisas dentro, segundos. os segundos dividem-se até ao infinito. tic-tac.

os dias começam quando o sol nasce. na verdade o sol não nasce, mas os dias começam. pela definição de segundo as horas não passam.

gosto de aranhas, já devo ter escrito. gosto delas quando se passeiam pelos cantos. e gosto dos dias que não o são por serem diferentes disso mesmo.

sábado, 29 de maio de 2010

arrabalde

diz-se que pode passar um elefante debaixo da rua augusta. coisas que poucos sabem, também não é fácil descer ao esgoto. e se fosse, saberiam?

lembro-me do elefante e da lua feita lençol no espelho rio. e quantos sabem do estender de luz à frente da praça? e do resto? das sardinhas penduradas entre telhas e do macaco da esquina.

colam-se os passos ao chão. bancos de jardim. uma pergunta: os bancos das praças são bancos de jardim? importa pouco no desenrolar das horas. correm. as horas e os passos. 

cais. talvez seja a palavra. dois e o espaço entre eles. andam a fazer um jardim na ribeira das naus.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

chinelos

A normalidade. Anormalidade. 

Uma letra é também uma palavra? Sei agora da variância da água e do sal ao longo do muro. Maré. Não sei ainda do dormir dos pombos nas paredes das igrejas. A questão é: dormem sempre no mesmo sitio ou alternam? Atormenta-me muito mais que a subida do IVA. Outra: porque é que os cães teimam em cair nos poços?

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Ammophila arenaria

mar. as gaivotas têm nome e direcção no vôo. quase todas. era uma vez.

coisas que toda a gente sabe. o calcário é diferente do granito. coisas que se notam entre os dedos dos pés. a ela, a gaivota, voava só para a frente, diferente das outras. dava a volta ao mundo sempre que queria voltar onde tinha estado. a volta ao mundo. há caçadores na patagónia. a gaivota levou um tiro. 

por vezes julgava perseguir o sol. outras julgava ser perseguida. ocorreu-lhe nunca que o girar da terra pode ser traiçoeiro. nem todos os tiros matam. fazem sentir o cheiro a aço e pouco mais. alguns. a imagem sonora dos chumbos a cair numa tigela de sopa metálica é algo que me faz roer as unhas. 

caiu. fugiu. asa quebrada, vôo novo. circulos quase infinitos agora. tempo. o tempo. viu um muro pintado de tangerina. picou o vôo.

as promoções de tinta podem ter um efeito fantástico. cor.sangue.de.boi, no caso. voava agora para onde queria, a rosa dos ventos passou a ser mais do que uma qualquer coisa aprendida na escola da praia. voltou. perdeu-se. afinal, o lugar era o mundo e não o pedaço de terra onde havia querido voar em circulos. abriu as asas. foi. em frente.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Nos pesadelos
os monstros às vezes temem que os olhemos de frente
que possamos apagar-lhes a sombra
ou acordá-los a meio da tarde
abrindo as portadas dos seus refúgios
deixando a luz avassaladora a cobrir-lhes o corpo
a queimar-lhes as pupilas remanescentes
como se fôssemos nós
os monstros 
deles.
José Carlos Barros, Os monstros

sexta-feira, 14 de maio de 2010

porque as histórias também se cantam


Sérgio Godinho, O primeiro gomo da tangerina

terça-feira, 11 de maio de 2010






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