sexta-feira, 29 de abril de 2011

dos impérios que não caem




sonhei esta noite com o FMI. fazia sol. estava ali na praça do imperio e eram cinco. iamos reunir nos jerónimos. escorriam restos de marisco pelo canto da boca. alimentam-se bem, pensei. acordei depois. nem tempo tive de lhes dizer de quem é a culpa de tudo isto. dos espelhos. os espelhos pendurados pelos cantos que fazem as pessoas sorrir mais para elas do que para os outros. eles que venham. os impérios não caem. talvez seja por isso que se pede pão de maneira igual em mértola e tokyo. e somos maiores. maiores que eles mesmo que debaixo do braço tragam pastas ruças pelo tempo e cheias de notas. é bonita a nossa terra. e tem também jacarandás. e barcos. e mar. e um império em forma de praça. e o outro.

domingo, 5 de dezembro de 2010

a distância lá no muito alto mede-se em pés

Quatro e meia da tarde. A cidade grande aos pés. Homens formiga e carrinhos de brinquedo. Da varanda vejo o longe pintado nas latas dos aviões que vão passando, como uma maçã de Carrazeda de Ansiães, vejo o Tejo já sem falar espanhol, consigo ver a outra banda até em dias como não hoje, de cinza e água caída em gotas.

Sopro o café vindo sei lá de onde. O cheiro quente do grão abafa o de alguma gota de suor caída meses antes. Quero que seja do Brasil, dá-me jeito, até porque é fácil de imaginar com a cabeça do Rei um pouco à vista. É novo. Soube que fez cinquenta anos há pouco tempo.

Arrefece, não gosto de café quente. Tic-tac e volto à cadeira. A partir de agora é China. Os chinesinhos alinhados de cara igual para um dia igual ao outro igual ao outro igual de cara igual a colar pedaços de ouro com colas estranhas. Os computadores são feitos de ouro sabias? Também de silício mas isso seria outra conversa que iria terminar num vale. Pena não ser o vale do Ave. Pena que por lá já não se transformem partes de ovelha em almoços e camisolas. Talvez em almoços ainda. Por enquanto. Tenho os pés aquecidos por três putos tailandeses cheios de fome e tosse convulsa. 

Tal como a cerveja, o café é um diurético. Carrego no botão e imagino a tainha de boca aberta para a fotografia. Mais uma semana e a capital do país onde vivo deixará de ter os esgotos ligados directamente ao rio. Coisas que o progresso faz. Não sei se alguém pensou na desgraça dos peixes, falta-nos o pregador Vieira.

Suspiro. É tarde. Na rua o queixume de sempre. Ou faz sol ou frio, acaso chove, nevar, isso, já é raro. Uma desgraça, no fundo. Dizia o poeta que “não importa sol ou sombra” mas a verdade é que tudo importa demais. De duas ribeiras nasceram as duas principais avenidas da cidade, sabias? A da Liberdade, liberdade, fica melhor assim com letra pequena e a Almirante Reis, o homem que com medo de morrer se matou sem que fosse preciso, a vergonha é uma coisa fodida. Eram ribeiras as avenidas. Teorizo que talvez as pessoas se assemelhem a água, eventualmente tem que ver com os setenta e tal por cento, basta um olhar pouco atento para ver onde se vão estendendo os corpos que pouco já vão devendo à outra parte do mundo, e a esta também, afinal. Lá estão eles nas ribeiras antigas, nas margens, a confluir lentamente para baixo, cada vez mais para baixo, fundo. Diz-se que no dia em que um dos elefantes fugir do zoológico poderá passear por baixo da rua Augusta sem grandes apertos. Dos corpos na margem digo que não gostam de maçãs. Até os esfomeados têm direito a ser esquisitos, percebo-os, mas deixei de dar chocolates.
Hei-de aprender a dizer alguma coisa em Indiano.

Nem tudo é mau, desenganem-se os que nos querem dar como perdidos. Temos agora também blindados. Dão um jeito enorme para as cimeiras. Podem dar jeito para quando numa eventualidade desmentida por todos os quase mil anos de história o povo pegar em tudo o que tiver à mão e marchar rumo a qualquer lado (guardo num postal a preto e branco memórias bonitas de outros tempos no largo do Carmo) para espetar uma facada nos organizadores desta excursão reles prometida para o céu mas onde pelo caminho apenas se vêm placas a indicar o abismo. 

Já comprei o pão para a noite. Dezasseis cêntimos. Trinta e dois escudos, um pão. Ainda puto, levava cinquenta escudos para uma manhã de escola, cem para o dia todo. Pão, sumo, batatas fritas e rebuçados. Já fui rico.

Ainda não sei dizer uma palavra em Indiano, apesar de ter mais indianos que Portugueses como vizinhos.
Perdi a fome com tudo isto. Antes de ir sonhar com a paz nuns braços pequenos de sorriso aberto vou à janela olhar para a lua escondida pelas nuvens. E lá, na lua que não vejo, milhões de olhos reflectem luz e sonhos também. Talvez maiores que os meus, que os nossos todos juntos. 

Sete andares abaixo, os homens parecem menos formigas e mais humanos. Coisas piores, portanto. Quase todos. Quase…

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

cinco

a gota de água à escala da formiga. depende da formiga, depende da água. a descrição da gota de água, separada de todas as gotas de água que são a chuva, observada à escala da formiga. depende, ainda, da água e da formiga. trocar a formiga por aranha. muda o quê? muda? trocar a água por pó. grão de pó do meio dos olhos de um beduino. camelo. baba.

agora a sério. não sei porquê mas engano-me a escrever a palavra água. troco o acento. assento. àgua. brincar. com as palavras também. livro? riso encolhido. nomes estranhos. de novo. agua. o salazar caiu de uma cadeira, o salazar é uma espátula, os cavacos queimam-se na lareira. o cavaco é de pau. que se foda o cavaco. pim!. (obrigado Almada)

tempo

o tempo

o tempo à escala humana e do universo. à escala dos milhões de planetas e homenzinhos verdes talvez azulados. sei lá. o tempo à escala da humanidade e da vida. gota de água. formiga. cronómetro. pessoa. 

acordar

o homem vestido de branco usa sapatos vermelhos. nas colunas faz frio. vendem-se dinossauros dados. o tempo. dinossauros no seculo XXI. dragões são dinossauros com asas que cospem fogo a pilhas. o fogo dos dragões não serve para aquecer mãos. mãos aquecem mãos. olhos são espelhos-porta e o coração é mais que algo bom para arranjar de cebolada. soubessem as tainhas de tudo o que se lhes passa por perto. soubessem elas... 

o tempo à escala humana. cinco meses de humanidade são pouco mais que mortos e vivos contados em estatistica bonita. cinco meses de humanidade. suspiro. mas a minha humanidade é maior que a do mundo. é a minha. egoista. egoista. outra vez egoista. cinco meses. não quero saber dos minutos. prefiro ir juntando os segundos no bolso, junta-los com os barcos e os pés e os grãos de areia e as marés vivas do tejo à uma menos vinte e os peixes artistas e os poços mágicos e tudo tudo tudo. sei de uma humanidade parecida. sorriso. sei de um rio ribeirinho fio de água que até uma formiga seria capaz de atravessar.

é outubro. dia 13.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

de um son(h)o na outra banda

há um rio. dizem-no grande mas a conversa das medidas soa-me a falso há já muito tempo, nem sei bem porquê. ou talvez saiba, de cada vez que a espécie de jangada laranja recolhe as cordas de terra. ou isso ou o bater constante de ferro (adivinhar a cor. do ferro). os comboios são de ferro. também de plástico e esponjas e coisas que pouco importam para isto de rio e medidas. a ponte é de ferro.

tenho um qualquer problema em organizar datas, mas ainda sei quantos dias demora a lua a dar a volta que é a volta que a terra dá à lua ou uma qualquer espécie de vice-versa ou isso mesmo. vinte mais oito. e sei de plataformas de madeira por debaixo da cor. e de subir carris. e de putos no meio da rua em vésperas de Santo António. e de muito mais coisas. o macaco (?) na parede, por exemplo.

e o rio é grande. assim dizem. é grande. grande. mas tão pequeno. pequeno. minusculo. ribeiro saltado a passo na vontade de um estender de mão. as mil e uma leis da hidraulica condensadas em nada. o rio é um fio de cabelo feito água. o rio está ali mas parece nada. o rio é grande. há, contudo, coisas imensamente maiores (uma palavra de quatro letras apenas é um bom exemplo).

sexta-feira, 23 de julho de 2010

também de um relvado sintéctico algures no oeste por entre os moinhos que D.Quixote não viu

são dias. são histórias e são horas a pingar histórias no correr dos dias. é qualquer coisa assim ou algo parecido. sonhei outro dia com um alfarrabista do tempo. talvez seja profissão de futuro. um pouco de mil  novecentos e catorze e bancos de palha se ainda houver. alguns cêntimos, ou escudos, talvez reis, dinheiro romano, azeite grego. tábua de barco. colinas trilhadas por carris e pés.

o tejo ja não tem canoas, o que é uma pena. tem tainhas e merda fresca ao fim da tarde quando a maré está baixa. devia haver qualquer coisa em atravessar o tejo numa canoa. se bem que o barco bebedor de nome serve bem para ver o lençol estendido cada vez mais perto. pontos de luz. luz.

ainda tenho uma aranha.

tenho uma aranha pendurada no tecto. tenho uma teia de aranha pendurada no tecto. estou em crer que a dona se passeia pela casa enquanto não estou. comem formigas também, as aranhas. deve ser por isso que teimo em não limpar as migalhas espalhadas pelo chão. ou por qualquer outra coisa.

seja como for, gosto de tapetes que não o são.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

e uma nuvem

"Vem por aqui" -dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
-Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
-Sei que não vou por aí.

José Régio, Cântico Negro

sábado, 19 de junho de 2010

onomatopeia

linha. linhas. palma da mão. escasseiam as palavras mas por vezes não há muito que dizer. o corpo fala. os corpos falam quando as letras não saltam dos dedos.

alfama é linda, a bica é linda. lisboa é linda. o bom das cidades é que são muito mais que isso. mais que todas as palavras e imagens juntas. a minha varanda é linda. e o sol que morre mais a sul também merece ser (re)visto. 

podia escrever da luz no branco das paredes e do chão. do reflexo azulejo e da brisa na base do pinheiro mais alto que as muralhas do castelo. a cor que não é vermelho nem encarnado nem qualquer outro tom de vinho. sangue-de-boi. sangue-de-boi, como o sangue dos bois touros caido na praça (des)feita  (também) cinema. bifanas de pato. o cheiro das bifanas de pato e a fita a rolar. era uma vez uma casa que tinha um arco e onde morava um cego...

bancos de jardim. verdes. quase todos. havia uma princesa nas mil e uma noites, não me lembro de ler acerca de unhas cravadas na pele.

[barulho-melodia-de-ferro-e-borracha-e-oscilações-metálicas]

alcântara, القنطرة, al-qantara, a ponte, é linda.

tenho uma varanda linda e o fado não tem de ser triste. gosto de tangerinas e de contar as horas pela oscilação das marés. gosto de desenhos. gosto de dias de sol e de chuva. gosto da paz dos dias que nascem devagar quando a luz entra pelo buraco aberto por entre as telhas já senhoras de muita chuva caida. e dos sorrisos que surgem nos dias que nascem devagar quando a luz entra pelo buraco aberto por entre as telhas já senhoras de muita chuva caida. 
linha
s. f.
1. Fio para coser.
2. Linho.
3. Fio de pesca.
4. Fila, fileira, renque, direcção!direção. Raia.
5. Arame para comunicações telegráficas ou telefónicas.
6. Via-férrea.
7. Meio de comunicação entre dois pontos.
8. Traço geométrico que representa uma direcção!.
9. Equador.
10. Série de letras numa direcção!.
11. Cada um dos traços horizontais do papel pautado, do pentagrama, etc.
12. Traço, risca.
13. Trave horizontal em que assentam as pernas da asna.
14. Linhote.
15. Frente das tropas em ordem de batalha.
16. Duodécima parte da polegada.
17. Sinal gráfico com que em matemática uma letra se distingue de outra (ex.: p + p´).
18. Série de gerações numa família.
19. Fig. Categoria; norma, regra.
20. Tip. Filete com que se divide uma página em colunas.

linhas
s. f. pl.
21. Infrm. Carta.
22. Feições.
23. Veios na palma da mão.
Tecnol. em linhacom ligação directa!direta ou remota a um computador ou a uma rede de computadores, como a Internet. = on-line
em fila.
Fís. linha isóbarao mesmo que linha isobárica.
Fís. linha isobáricalinha que passa pelos pontos terrestres em que a amplitude média das variações barométricas é a mesma. = isóbara, isóbare, isobárica, linha isóbara
Fís. linha isotérmicaa que passa pelos pontos de igual temperatura média anual.
Fís. linhas climatéricasas isoquiménicas e as isotérmicas.
ter a linhater o porte ou o aprumo conveniente.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

daquele país que faz fronteira com Espanha

Surge-me, de quando em vez, aquela imagem heroica (ou egoista) do Luís Vaz a nadar só com um braço e com o Portugal na mão mais seca. 

Inquieta-me imaginar o Portugal a ser salvo daquela maneira. Inquieta-me imaginar o Portugal a precisar de ser salvo. Inquieta-me. Inquieta-me também o modo como algumas pessoas teimam em confundir o género quando agradecem. Isso e o facto de impermeabilizarem os bancos de jardim.

Chagas, quinas, castelos, o mundo em forma de esfera. A mania das grandezas é demasiado nossa para que a possamos ignorar. Deve ser por isso que ainda cremos num cavalo branco a aparecer do nevoeiro. O Sebastião mais velho do mundo. E nem quinhentos anos passaram...

Mas o que eles não sabem é que o Portugal ainda tem quem goste dele.