domingo, 25 de abril de 2010

alguns

não sei do dia nem da hora. era inverno e quase noite. eramos muitos e eramos mil. dez. dez mil dizia-se na altura.

não sei também das queixas. talvez propinas e bolonha. sei que fui pela razão de sempre. a que não há. 

não sei também do nome da rua, hoje é Amália. sei sim de um segundo andar, ou terceiro, e sei de uma velha muito velha e vestida de preto à janela. lembro-me de um punho fechado e de lágrimas nos olhos. lembro-me disso e de ouvir que éramos muitos e sentir que ao mesmo tempo tão poucos.
 
a velha dizia força como quem parte pedra com um martelo. a velha chorava e a rua era cheia. eramos muitos, mil, dez, dizia-se.

(ainda) somos muitos muitos mil

a vida é uma merda. queixemo-nos então. queixemo-nos bem alto para toda a gente ouvir. seis lamentos por dia, um por refeição, são tudo o que basta para que isto mude.

as pessoas dantes eram tão limitadas. acreditavam que para mudar as coisas era preciso agir e viver na sombra e abdicar e ter ideias e sujar as mãos de tinta em tipografias clandestinas e fugir de guitarra às costas e escrever o que olhos ansiosos esperavam por ler. acreditavam que podiam mudar o mundo se um dia, por volta da meia noite, ouvissem uma pergunta simples na rádio. acreditavam no sempre e no nunca e em revoluções à quinta-feira. definitivamente limitadas. 

seis refeições por dia. um lamento por refeição. as revoluções que fiquem para os outros. afinal de contas, aquilo das balas pode ser chato.

sábado, 24 de abril de 2010

de uma linha de comboio enterrada na areia

e depois os barcos dão à costa. na verdade são cartilagem ou osso ou apenas tecido um pouco mais duro. importa pouco. barcos. basta um pau e uma vela para dar a volta ao mundo.

peixolho. fica o registo.

dos peixes artistas

os peixes riem no rio lilás. riem de dia e fazem desenhos de luz pela noite. é fácil perceber os dorsos virados à lua embalados pelo vai-vem infinito só quebrado numa qualquer manhã de todos os marços. é fácil percebê-los felizes a imaginar quem ainda consegue  ver desenhos no rio feitos por peixes artistas. 

a verdade é que se vê bem o mundo lá do alto. e a cidade lençol feita pontos de luz também. mais os sorrisos.

domingo, 11 de abril de 2010

varanda





quinta-feira, 8 de abril de 2010

passos

era uma vez uma senhora chamada augusta que gostava de estátuas verdes. gostava também de ver o ir e vir das marés, do cheiro a sal e de gaivotas. fez.se rua e diz.se feliz.

era uma vez um senhor chamado alberto que certo dia enquanto se distraiu no chuveiro pôs no papel aquilo que já era uma verdade mais que absoluta. mas foi ele que concluiu que o tempo que corre das nove às onze é diferente do tempo que passa das seis às oito.

era uma vez uma senhora sem nome que achava pouco simpático o lugar onde lhe mataram a filha.

era uma vez um homem chamado joão que nunca seria capaz de imaginar que o click que lhe saiu do dedo ainda no século passado seria capaz de fazer sorrir mais de cinquenta anos depois.

era uma vez um cego que via um só fio de luz  pelo canto do olho  direito depois de lhe ter acontecido aquilo naquele dia e que agora se irritava quando o julgavam mais ou menos do que uma pessoa que não vê.

e era uma vez um barco e um cais e uma estação e (também, mesmo que noutro tempo) alecrim aos molhos.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

guinness

os papeis amarelados na parede anunciam alheiras e sorrio. vem-me à cabeça a nossa ânsia de recordes e surge.me a ideia de que o senhor adolfo possa ter sido apenas um invejoso ao bater palmas quando ouviu falar dos fornos gigantes.

tendo em conta as questões técnicas, não sei se não nos pertence o recorde de maior número de judeus mortos num fim de semana. foi numa páscoa destas, algures no rossio, vai para quinhentos e poucos anos.

mais um. haverá cidade no mundo com mais nomes de santos pelas ruas que esta? chegamos a santa apolónia, vê-se o branco do são vicente que se deve entreter a ouvir a amália, abre.se o passo, sobe-se um bocado e o são pedro poe.nos um sorriso nos lábios, mais meia dúzia de passos compridos e surge a catarina, santa também. outro ponto de vista para o mesmo rio lilás e são bento ali já ao lado. pasteis em santa maria de belém, o santo antónio à espera de um dia doze já não muito distante. o são josé deixou a carpintaria e dedicou.se às ligaduras, também há o sebastião que guarda os horriveis grandes armazéns de nuestros hermanos... até o castelo não é da cidade mas do são jorge.

e quantos mais debaixo dos pés? haverá cidade no mundo com mais pedras de calçada? da nossa, a portuguesa.obra.de.arte que calcamos sem dar conta, sem quase nunca dar conta. depois aparecem os visigodos do século vinte e um de máquina fotográfica em punho e há quem os julgue tolos por fixarem a objectiva no chão com o maior dos cuidados.

do resto, é verdade que os inteligentes afirmam que das coisas subjectivas não se pode fazer medida, mas ainda estou à espera que venha o primeiro que diga não gostar da luz. quando a vir, claro está.

domingo, 4 de abril de 2010

um

aranhas, calendários, camelos de asfalto, pedras, matemática, degraus.

as palavras surgem devagar e sem outras que as liguem. talvez a argamassa da páscoa não tenha sido bem feita, agora que parece começar de novo o tempo das alheiras, versão 2.0.

ocorrem sobretudo nomes de santos. a ironia é uma coisa enorme. o antónio, a catarina, o vicente, também o pedro, a lúzia e apolónia. aparece também o sol, escadas ainda não vistas descidas quatro a quatro, as portas do primeiro e cores talvez mil. 

isto um dia há.de ser junto de forma diferente.