quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Teia

Pego na ponta do fio de seda que é só mais um pouco de teia. Estico-o um pouco e tento adivinhar o que o segura do outro lado. Poderá até a outra ponta estar a ser esticada também.

Aranha estranha esta, que tece as linhas a seu belo gosto, une pontes a casas, casas a carros, carros ao chão até. Dia após dia, fio após fio zela para que tudo aquilo haja num equilibrio quase perfeito, quase que a perfeição não existe.

Carros e casas, ou nós? Ligados por palavras que flutuam, olhares que não se vêm, medos que crescem e algo mais que só se sente. Tão longe ou tão perto, pode até partir a teia, lá virá de novo a dona aranha, dia após dia, fio após fio...

Estico mais um pouco e sinto vibrar. Serás tu? Outrora tão perto... Não. É outro alguém, do outro lado do mundo, do outro lado da vida. Uma frase só nas patas da aranha e um arrepio estranho na outra face do espelho. Mudo de fio sem mudar de teia, esticarei até te voltar a sentir.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

A vs O

Ou as pequenas diferenças num mundo minúsculo...

(Está tudo nas entrelinhas.)

terça-feira, 28 de agosto de 2007

#8

Se me perguntassem hoje qual o meu maior sonho respondia sem pensar duas vezes.

Guerra

Ouço tiros vindos de todas as direcções, as balas passam por cima da cabeça e vão caindo ali ao lado. Escondi-me dentro de uma vala, bem funda por acaso. Pode ser que um dia parem as armas e me tirem daqui, que isto é tão fundo que sozinho não consigo sair.

Onomatopeia para um qualquer palhaço especial

" ...
PA-RA-PA-PA-PA-PA-PA
PA-RA-PA-PA
... "

Xarope de lima

"See the world in green and blue
See China right in front of you
See the canyons broken by cloud
See the tuna fleets clearing the sea out
See the Bedouin fires at night
See the oil fields at first light
And see the bird with a leaf in her mouth
After the flood all the colors came out"

U2, Beautiful Day

sábado, 25 de agosto de 2007

Medo

Tenho o estomâgo colado ás costas, tenho medo. Tenho medo de voltar uns anos atrás no tempo e ter de viver tudo aquilo de novo. Tenho medo de vir a ter medo. Medo de ter medo de perder. Medo de voltar a fazer o mesmo caminho dia após dia, à mesma hora. Medo de voltar a sentir o cheiro a comida no ar, medo de ver as caras fechadas e as batas brancas. Medo de esperar uma qualquer notícia. Só medo, mas muito.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Ah, onde estou ou onde passo, ou onde não estou nem passo,
A banalidade devorante das caras de toda a gente!
Ah, a angústia insuportável de gente!
O cansaço inconvertível de ver e ouvir!
(Murmúrio outrora de regatos próprios, de arvoredo meu.)
Queria vomitar o que vi, só da náusea de o ter visto,
Estômago da alma alvorotado de eu ser...

Álvaro de Campos

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Já está tudo escrito, já foi tudo escrito...

Em certos momentos tudo parece fazer sentido, cada palavra dita ou escrita, para, instantes depois já tudo ser
uma enorme confusão de letras embaraçadas.

O que já está já está e o que escrevi foi o que achei que devia. Achei mal se calhar. Que importa isso agora?

"Quem ganhou ganhou e usou-se disso, quem perdeu há-de ter mais cartas para dar"

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Ou para ver um pouco de laranja a escapar do verde castanho quase azulado.

Com o fim de tarde começa a cair a noite, mais uma, desde o dia em que tudo parecia uma espécie de filme de segunda. E de cada vez que a noite cai, sai do fundo da cama o monstro, o monstro da colher.

Sobe devagar até se sentar confortavelmente na almofada, saca da colher e devagarinho começa a comer pequenos pedaços de miolo. "Miolo fresquinho este!". Come até estar saciado. Enquanto come sinto-me desaparecer aos poucos e, dia após dia, colher após colher, cada vez sou menos eu e cada vez mais uma outra coisa qualquer que não reconheço sequer ao espelho.

Conheci alguém por estes dias, menina pequenina, de passagem por liliput, um dia ao levá-la à casa que fica no beco sem luz falei-lhe dos duendes que àquela hora saiam das tocas das àrvores e dos extraterrestres que deveriam estar prestes a aterrar no descampado do lado para fazer companhia às formigas, extraterrestres também, contei-lhe que o lobisomem existe mesmo e até havia quem já o tivesse visto por aqueles lados. Olhou para mim sem vontade de rir. Ri eu ao lembrar-me do que seria a conversa com outra pessoa, pequenina também, mas só de altura.

Pergunto às vezes porque me fiz assim, porque dá tantas voltas a minha mente, porque tento sempre ler as entrelinhas mesmo quando elas não existem. Porque me preocupo tanto... Há momentos em que nem sequer ouço ou vejo, um mero corpo escravo de uma mente quase demente. São tantas voltas, voltas que cansam e matam devagar, só por isso deixo que o monstro chegue perto. Se calhar é tempo de ser normal seja lá o que isso for. Deve ser altura de comprar revistas cor de rosa para ver quem é o novo amor do Cristiano e se a Pituxa qualquer merda já deixou de dar mama à filha.

Interessa lá que todos os dia morram milhões de pessoas à fome ou que em certas partes do mundo já não haja neve para ver neste Natal. Sabem que para a semana vão mais soldados nossos para o Afeganistão sem saber sequer porque é que começou a guerra? E há promessas e cera queimada para que as balas passem ao lado... Mas isso pouco interessa não é? Importante é o que não nos diz respeito, a vida dos outros, sempre a vida dos outros...

Lembro-me de há um ano ou dois ter tido um amigo meu no hospital. Raro terá sido o dia em que não o fui ver. "Para que vens tantas vezes?" perguntavam os familiares. Encolhia os ombros e respondia só para mim "Porque sim!".

Um "Porque sim" enorme, a minha vida, "A Coimbra?", "Diz lá o que foste fazer àquela hora...", "Mas porque foste?", "Porque sim! E depois?".