sábado, 15 de novembro de 2008

Sinos

E os fins são todos iguais não são? As seis tábuas do paralelipipedo bem envernizadas, as mesmas vozes que mais tarde acabam por ser abafadas pelo barulho da tasca, as almofadas ao quadrados e a ansiedade das larvas com fome...

O cangalheiro faz a conta ao fim do dia e deus queira que amanhã haja mais trabalho.

Just

Blackbird singing in the dead of night
Take these broken wings and learn to fly
All your life
You were only waiting for this moment to arise

Black bird singing in the dead of night
Take these sunken eyes and learn to see
All your life
you were only waiting for this moment to be free

Blackbird fly, Blackbird fly
Into the light of the dark black night.

Blackbird fly, Blackbird fly
Into the light of the dark black night.

Blackbird singing in the dead of night
Take these broken wings and learn to fly
All your life
You were only waiting for this moment to arise,oh
You were only waiting for this moment to arise, oh
You were only waiting for this moment to arise

The Beatles, Blackbird

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Absurdo:

do Lat. absurdu

s. m., contra-senso, disparate, dislate, tolice, paradoxo;

adj., contrário à razão, ao senso comum;
ilógico, contraditório, paradoxal.

domingo, 9 de novembro de 2008

Chuvas

Chovem-me as letras em cima da cabeça como se fossem meteoritos. Vêm juntas em forma de palavras que se juntaram também em frases. Não param de cair, de bater... Dizem que vieram mostrar que existem, dizem que não querem ser esquecidas, batem, caem...

Procuro um abrigo mas não há.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Cores

E já está tudo inventado não é verdade? Não falo dos satélites e do resto que nos vai querer controlar daqui a uns dias, das camaras e do grande irmão escondido no bunker de ouro a espreitar quem mija no canto da parede e a que horas chegas a casa, se bem que isso também está mais que feito.

Dizem que acabaram as canções e todos os dias nos mostram o filme do dia pelas oito da noite que agora empura o dia por volta das cinco, dizem que isto está mau para que no outro dia de manhã as ovelhinhas o repitam a uma só voz "Isto está mau, isto está mau...", se calhar o grande irmão não passa de um reles pastor. "as ovelhas gostam de companhia, vão-se sempre juntando umas ás outras.". O rebanho engrossa "isto está mau, isto está mau" e enquanto fala não ouve nem vê. Para quê? Às oito saberão de tudo, de tudo o que quiserem que saibam. "isto está mau, isto está mau", e nos gabinetes cheios de mofo assinam-se resmas de papeis para tornar isto melhor.

Mais um decreto e não se pode faltar às aulas porque isso não pode ser considerado um direito. Não se falta e não há sermão nem responsabilidade e depois se houvesse agora também já não se chumba e as bicicletas não são prémios mas direitos. Criam-se assasinos de português, incapazes de somar e dividir. Passeiam-se com os afamados "Magalhães" debaixo do braço sem saber sequer quem deu o nome áquela máquina azul. Sem saber que houve tempos em que homens se faziam ao mar para matar e morrer. Sem saber que houve tempos em que nos diziamos donos de meio mundo. E agora? Esperamos ansiosamente que do outro lado do oceano haja alguém capaz de nos tornar a vida melhor. Ironias que também não hão-de perceber. Aumenta o rebanho...

Fazem ouvidos moucos e sorriem, as ovelhas negras. Sorriem e riem e rebolam no meio do caminho sem medo de serem pisadas. Aprenderam a levantar-se depressa e fugir dos pés ansiosos. Também se tornaram maiores que as outras, pelo menos maiores aos olhos, mesmo que só a cor pareça distingui-las. Dizem que isto está bom, que gostam de chuva quando ela cai e de sol quando ele nasce. Acreditam que o impossível é só uma palavra inventada que não faz qualquer sentido, parar é morrer e as tangerinas têm um lugar especial no mundo a par com os girassóis.

Dizem-se felizes e alimentam-se de algodão-doce.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Change!

Agora que o senhor Obama já tem lugar na casa branca, podia começar a campanha para que em Portugal houvesse também um primeiro ministro diferente.

Teria a sua graça, afinal Ele já vai para todo o lado, pelo que a diplomacia não lhe mete medo. E é azul. E tem a sua graça. Até um nome engraçado...

Magalhães. Voto nele!

knfkzdfgkowr

(e enquanto ando as pedras da calçada redundam nas conversas de sempre mais uma vez a conversa dos pombos das pombas um dois na mão e a voar numa árvore aparecida no meio do passeio desenha-se mais um traço e agora devem ser já mais de quinhentos na ponte as luzes iluminam um bando de gaivotas em linha recta que poderiam ser morcegos mas a cor não perdoa e os morcegos não são brancos mais uns dias e não restarão luzes pois as que se apagam ninguém volta a acender e os vidros partidos vão pelo mesmo caminho caminho igual ao dos buracos na estrada buracos nos bancos buracos em tudo buracos no peito de quem leva tiros e nas cabeças ocas de cérebro ausente)

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Invariável

Cinco da tarde de um dia qualquer. Os pombos levantam dos telhados, cagam nas estátuas.

domingo, 2 de novembro de 2008

Terra

Portugal
Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir como se tivesse oitocentos
Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os infiéis ao norte de África
só porque não podia combater a doença que lhe atacava os órgãos genitais
e nunca mais voltasse
Quase chego a pensar que é tudo mentira, que o Infante D. Henrique foi uma invenção do Walt Disney
e o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente

Portugal
Não imaginas o tesão que sinto quando ouço o hino nacional
(que os meus egrégios avós me perdoem)
Ontem estive a jogar póker com o velho do Restelo
Anda na consulta externa do Júlio de Matos
Deram-lhe uns electro-choques e está a recuperar
àparte o facto de agora me tentar convencer que nos espera um futuro de rosas

Portugal
Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos a ver se contraía a febre do Império
mas a única coisa que consegui apanhar foi um resfriado
Virei a Torre do Tombo do avesso sem lograr encontrar uma pétala que fosse
das rosas que Gil Eanes trouxe do Bojador

Portugal
Se tivesse dinheiro comprava um Império e dava-to
Juro que era capaz de fazer isso só para te ver sorrir

Portugal
Vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém
Sabes
Estou loucamente apaixonado por ti
Pergunto a mim mesmo
Como me pude apaixonar por um velho decrépito e idiota como tu
mas que tem o coração doce ainda mais doce, que os pastéis de Tentúgal
e o corpo cheio de pontos negros para poder espremer à minha vontade

Portugal estás a ouvir-me?
Eu nasci em mil novecentos e cinquenta e sete, Salazar estava no poder, nada de ressentimentos
O meu irmão esteve na guerra, tenho amigos que emigraram, nada de ressentimentos
Um dia bebi vinagre, nada de ressentimentos
Portugal depois de ter salvo inúmeras vezes os Lusíadas a nado na piscina municipal de Braga
ia agora propor-te um projecto eminentemente nacional
Que fossemos todos a Ceuta à procura do olho que Camões lá deixou

Portugal
Sabes de que cor são os meus olhos?
São castanhos como os da minha mãe

Portugal
gostava de te beijar muito apaixonadamente
na boca

Jorge Sousa Braga

Dançando à Volta

"O cobarde é uma pessoa que foge pra trás
O herói é uma pessoa que foge prá frente
Em maior ou menor grau
Todos nós fugimos ao
Medo que faz o cobarde
Medo que faz o valente"

Sérgio Godinho, O baú de Sigmund Freud

Debesis

(soa bem)

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Sonnenblume


(negociável)

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Cinza

O cinza de cima conta as núvens e um outro mostra o céu. Mais azul, um, mais negro, o outro. À frente, o cinzento das grades que encerram nada, e debaixo, a cor da cadeira que segura o corpo também não muda. Cinzento o rio que corre ao fundo e até o verde das árvores parece ter mudado de cor.

O chão sempre foi uma mistura de preto e branco e reparando bem, nem as telhas da casa velha são laranja como as restantes. Na linha passa o comboio, invariavelmente cinzento, agora limpo que foi dos graffitis arco-iris.

Ao lado, as caras cinzentas, falam do cinzentismo da vida e tudo parece ter sido pintado por um inconsciente qualquer. Talvez um daltónico a querer vingança.

Depois fecho os olhos e vejo as mil e uma cores dos peixes que teimam em saltar da àgua para os barcos que não há ao som de um qualquer louco que grita "PEIXE, PEIXE, PEIXE!", embalado por marés de campainhas. Saltam os peixes e chovem sapos. O cinzento deixa de fazer sentido com os olhos fechados, e ao voltar a abri-los a cidade é toda luzes.

As núvens foram empurradas pelo sol, o rasto laranja pintou o céu e o pescador terá um grande jantar ao chegar a casa.

Porque sim!

“chovam as palavras em pedaços de algodão.
Doce… que o rasto do sol não se quer amargo…”

domingo, 26 de outubro de 2008

Vácuo

A boca sabe a papel, como se todas as folhas do mundo tivessem sido comidas de uma só vez. O frio congela as palavras escritas e metidas entre os dentes enquanto da voz resta apenas um ligeiro assobio.

As caras e os corpos lá estão, a vaguear de um lado para outro. Esquerda, direita, frente, trás. Sem rumo, rumo a qualquer lado... Falta Gente no meio disto tudo. Falta a chuva que parece ter tirado férias e até o sorriso da lua se mostra falso e torto.

Indiferente a tudo, o rio-casa vai correndo ao lado. Ao lado, como as casas onde se não está, os abrigozinhos de cobertor já roto, ao canto, à espera que o corpo aceite o abraço para que da janela se solte o grito.

Tic-tac e agora o dia tem mais uma hora para se ser. Os corpos cansados arrastam-se até casa ou morrem na lama. As palavras que escorrem das bocas ébrias soam todas a falso, e o "para sempre" parece ser um dia como outro qualquer. Até ao nascer do sol...

sábado, 18 de outubro de 2008

Roda

"Cada um tem aquilo que merece
E bebo as palavras e quase que me engasgo
São belas perco-me nelas sem me fartar
Sem quase nunca me fartar
Podiamos ficar nisto o resto da noite
Em lugar nenhum"

Manel Cruz, Fora de Combate

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Números

Nada, nada, nada... Vai evitando a parede de vidro a todo o instante, sem se lembrar no instante a seguir de como há tão pouco o tinha feito. Come, se alguém deixa cair umas migalhas coloridas sobre a água. Come uma e outra vez, uma e outra... Sabe nada. Limita-se a existir num nadar infinito, sem memória do que foi ou noção do que é. Se ao menos pudesse pensar em sair... Se ao menos pensasse... Uma memória de poucos segundos não deve servir para grande coisa...

O peixinho vermelho a boiar no aquário, indiferente a tudo. A vida condensada num agora sem fim. Tic-tac, pequena máquina indiferente ao passar das horas.

- E se morrer?

- Compra-se outro, são todos iguais...

domingo, 12 de outubro de 2008

Talvez

"Devíamos todos usar suspensórios para que a alma nos caísse um pouco menos sobre os calcanhares..."

António Lobo Antunes, Os Cus de Judas

sábado, 11 de outubro de 2008

"Mas é sempre a mesma história..."

Como se fosse possível viver sem os papéis espalhados pelo chão e meio mundo perdido e espalhado pelo outro meio.

O primeiro assombro... E depois pouco resta dele. Farta-se o corpo e volta tudo ao que era dantes.

Sabe melhor assim, enquanto o corpo não se farta...

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

(som áspero e seco)

As peças do dominó todas alinhadas e ao alto à espera da primeira queda para que o desenho surja na mesa enorme.

Imóveis, tanto tempo, tanto.

Pim! Estalar de dedos, rajada de vento, empurrão mágico. Caiu a primeira.

Que surja o desenho...

sábado, 4 de outubro de 2008

"Sete"

As caras fecham-se para te dar a notícia. Escuta-la meio incrédulo, mas o tom de voz acaba por te convencer. Depois compras as flores e deixa-las ao lado do caixão. Olhas mais uma vez para ver se não te esqueceste de escrever o nome em letras bem grandes (as pessoas esquecidas são assim, às vezes até nem se lembram que outras ainda existem até ao dia em que sabem do funeral), comentas o tom de pele do morto e a roupa escolhida para a última viagem, desta vez na horizontal. Na horizontal, mas agora sem ressonar.

Ainda deve haver tempo para pensar um bocadinho e fazer as pazes, nem que só por uns meros segundos, com aquele que tanto invejas e não suportas, meros segundos e todos são amigos e justos e sensatos e morais.

Buraco aberto, terra para cima, não sem antes o senhor padre deixar as palavras mágicas no ar. Duas lágrimas no chão, óculos escuros nos olhos e se esperares pela noite talvez vejas uma alma esverdeada a subir aos céus. Mas não esperas, que no café a cerveja é fresca e a televisão lá está com o grande relvado acabado de regar. A cerveja é fresca e os copos muitos. Entretanto secaram os olhos e todos voltaram a ser os mesmos de sempre, inimigos, injustos, insensatos e imorais. O senhor padre troca as palavras mágicas por três "ais" na cama da sobrinha e dia um do mês que vem lá irão todos pôr as velas vermelhas a arder.

Sentir a horas marcadas deve ser uma coisa estranha.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

smilejacking

Por mais prisões e grades que mande construir, nunca o homem-máquina há-de ver-se livre dos ladrões de sorrisos.

Haverá sempre quem não olhe só para o chão e se atreva a segurar a porta pesada de um qualquer centro comercial. Mesmo que sem dentes na boca...

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

#26

E agora todos terão computadores, algo indispensável para os putos do quinto ano, está visto. Um magalhães em cada mochila e seremos outra vez os melhores do mundo. Os maiores do mundo. Se esperarmos mais uns dias talvez possamos ver os nossos vizinhos do lado a distribuir uns colombos. Depois, num gesto simbólico até se poderia fazer uma conferência lá para os lados de Tordesilhas, mas desta vez em formato lan-party-ministerial.

- Viste Zé? Matei o cabrão do espanhol.
- Porreiro pá!

A sexta lingua mais falada do planeta. Quem diria... Talvez não fosse má ideia ensiná-la bem... E se se oferececem uns livros? Daqueles em papel que se podem riscar e dobrar e trazer debaixo do braço, dos que ficam com as páginas amarelas e por vezes gastas...

Seria isso bom? Pessoas mais inteligentes e pensantes... Gente com voz e sonhos.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Gotas

Chove e há poças de água no chão. Molham-se os pés por entre dois saltos mal medidos. Depois há quem diga que a vida é linda enquanto as joaninhas vão voando para a fotografia como que por invejarem a borboleta fotogénica.

O Eládio Clímaco anima a viagem de comboio rumo ao pôr do sol na praia quase deserta e as coisas simples são tão mais.

Surge então a lua-bolacha-trincada enquanto a espuma branca e amarga depressa se troca por algodão doce cor-de-rosa. O preto ganha mil e uma cores e por mais que se pinte uma casa velha, nunca ela voltará a ser nova.

"É bom ser gente feliz" e o amanhã não existe. Os ovos estrelados são bons, mas nem sempre a frigideira ajuda. Mexidos também não são maus, desde que sem queijo.

sábado, 20 de setembro de 2008

Palavras...

"Estive há dez minutos atrás na varanda do meu quinto andar, a observar a cúpula invisível entre o céu e o enorme lego de betão e a sentir-me um inquilino passageiro desta pensão de uma estrela perdida na imensa cidade negra a que damos o nome de universo.

Curiosamente parece que é o único sítio que temos para passar a longa noite que nos espera.

E é aí que eu saio para apanhar a frequência. Como que a comer um ponto e a cagar um verso. No prisma, a encaixar, provavelmente no de outros feito um filósofo de merda.

Mas a vida é isso mesmo, um monte de gente a fazer de conta que se entende e ninguém sabe dizer o que viveu.

Por isso nos pedem que caminhemos alegres para o precipício sem questionar, porque estaremos sempre longe. Mas longe rapidamente fica perto e perto rapidamente passa por nós. Eu não quero mandar-te para baixo, mas sei que me entendes, tu também tens medo de morrer, toda a gente tem. Só que normalmente inventamos montes de problemas para nos convencermos que estamos ocupados a resolver uma situação importante quando não tem importância nenhuma.

Entretanto o tapete rola e nós irritamo-nos com a inevitabilidade, e nos nossos sonhos dizemos:

- Torna-me imortal! Torna-me imortal! Eu não vou aguentar deixar de existir!

E é aí que eu entro para sair da frequência, seduzir-te com os meus sonhos, tu não vês como empreendo? E como eu mais um milhão de sonhadores leva com ele muitos braços dos outros, acéfalos, na lotaria dos ideais, descrentes, beijando o número do bilhete.

Mas quero dizer-te que a viagem é tua, não quero empurrar-te à força para a rua.

Se eu falhar vou passar de deus a carrasco, embalsamado e metido dentro de um frasco, para te lembrares da mentira, mas a verdade é que ganhamos sempre."

Manel Cruz, Ainda pode descer

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Definitivo




Richard Wright [1943-2008]

Os Pink Floyd acabaram. De vez.

domingo, 14 de setembro de 2008

Prioridades

"O nosso objectivo é que não exista nenhum concelho no país que não tenha pelo menos um campo relvado"

E depois os desportistas do futuro, com os seus milhões, irão transformar este país num num lugar melhor. Porque tudo tem um preço. Daqui a quinze aninhos seremos o país da europa com mais bibliotecas e melhores escolas, com menos pobres e melhores hospitais, o verdadeiro paraíso à beira mar plantado.

Entretanto é só esperar que se formem os craques da bola. Já agora, se não fosse pedir muito, era interessante que no meio de isto tudo aparece um bom defesa esquerdo...

Efémero

A estrela d'alva, visível ao amanhecer, é o planeta Vénus, também denominada de estrela da tarde, visível ao cair da noite.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Sete

as fachadas explodiram... passaram os anos e no fundo continua tudo igual. vieram guerras, perderam-se vidas em nome de um qualquer ideal...

e ainda não é pública a lei que as leis encerram... Quando?

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Os heróis estão todos mortos...

Hotel pinheiro. Os bichos picam devagarinho por entre uns minutos de sono no colchão mais que duro...

Sonho uma janela e uma loja do outro lado da rua que sonhada é um rio de àguas turvas. Um toldo de riscas azuis e um cigarro à porta. Segura-o uma mão queimada pelo tempo ou talvez pelo fumo, pouco importa. A outra acena. Aí vou. Voo por cima da rua rio e sento-me no sofá com a estranha personagem.

Uma aranha sobe para o tecto, há mosca fresca na teia.

Muda de voz e de cara, muda de corpo também, a rua à frente, de rio passa a selva e de selva a deserto. O sofá transforma-se em banco e pouco depois só resta um pouco de chão...

Ouço com atenção as palavras que vai soltando no ar. Fala de estrelas e luas, de um tal de fio norte, diz que há pessoas a desaparecer dentro de cabines telefónicas e que um dia houve quem fizesse explodir uma baleia encalhada na costa com dinamite (desastre enorme...).

Pergunta-me o que vejo à frente. Descrevo-lhe uma casa grande. Bate-me com as palavras. Uma janela! À frente está uma janela, eis tudo. Aceno com a cabeça e digo-lhe adeus. Agradeço e salto.

Acordo uma e outra vez. Sonho dentro do sonho qual matrioska. Entre um acordar e outro toca no rádio uma música quase esquecida, "shards of glass, splinters like rain..." é tudo o que ouço. Volto a acordar e agora já não é um sonho. Pelo menos o sol brilha e há pessoas a discutir por causa de um pedaço de papel...

A genial falta de sentido

Era um redondo vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar
Pelos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio
Convocando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincavam e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa

José Afonso, Era um redondo vocábulo

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Letras

"Não se mostra o trajecto
A quem parte para se perder
Não se dá boleia
A quem precisa de ir a pé"

Mesa, Boca do mundo

relativo

Chegas com a mala negra e despejas todas as tuas razões e questões perdidas para as quais não tenho nem posso ter resposta. insistes, mas depressa percebes que não dá. depressa percebes que é a conversa errada com a pessoa errada. Perdes-te em "porquês?". tentas perceber o que não pode ser entendido. amuas depois na espécie de mundo que criaste à imagem dos que foste vendo. mas nem tu sabes que mundo é esse em que habitas, nem tão pouco consegues voltar atrás se acaso o quisesses para construir um outro.

E ao olhar para o céu vejo centenas de estrelas e imagino milhões de planetas à volta delas. Milhões de pessoas em cada planeta. Tão longe, tão pequenos. Tão reais...

Há perguntas para as quais a resposta não existe

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

sono

O sono que desce sobre mim,
O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desce individualmente sobre mim —
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.
Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:
E o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.

O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos.
O cansaço tem ao menos brandura,
O abatimento tem ao menos sossego,
A rendição é ao menos o fim do esforço,
O fim é ao menos o já não haver que esperar.

Há um som de abrir uma janela,
Viro indiferente a cabeça para a esquerda
Por sobre o ombro que a sente,
Olho pela janela entreaberta:
A rapariga do segundo andar de defronte
Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém.
De quem?,
Pergunta a minha indiferença.
E tudo isso é sono.

Meu Deus, tanto sono!...

Álvaro de Campos

Avante!







porque é bom acordar com as unhas dos pés pintadas de vermelho...

domingo, 31 de agosto de 2008

Quase domingo

Faz calor. Não há gente na rua. Fora dela talvez haja, mas hoje não encontrei. Um cão que ladra, deve ter fome.

Achei um fragmento de espelho partido em cima de um muro. Peguei-lhe por curiosidade. Apesar de pequeno dava ainda para ver alguma coisa reflectida. Digo a mim mesmo que devia usar aqueles que tenho em casa mais vezes. Esqueço-me sempre...

Moedinhas para a máquina e no fim do mês são só duzentos euros em cigarros. Golo do benfica e esta noite já não se dorme tão mal.

Na televisão oferecem dinheiro às três da manhã. Para quê tanto assalto?

#25

E nos domingos em que pouco havia para fazer, quando longe de corpo, demoravam-se horas por detrás de uma linha e dois telefones. Quando perto, a história era sempre a mesma. Mas havia café quente, sorrisos...

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Chaga:

do Lat. plaga

s. f.,
ferida aberta;
úlcera;
incisão na casca das árvores;

fig.,
desgraça;
mal;
coisa que faz pena;

fam.,
pessoa importuna, desajeitada;

Bot.,
(no pl. ) planta trepadeira tropeolácea ou a sua flor.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Lost in translation

Pois os objectos são só isso e o que se faz com eles cada qual há-de saber. Faca abre-latas, arame chave, caneta garfo, copo arma...

Tudo faz mais sentido assim. Ou quase.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

#24

Lembro-me como se tivesse sido ontem, ou esta tarde até. Milhares de ingleses à minha volta... As tais bestas eram afinal pessoas mais que vulgares. Pessoas mais que vulgares que numa bola viam, talvez, um sonho. E as bestas cantavam e saltavam. E gritavam, e transpiravam fé e vontade. E eram. Naqueles poucos minutos eram uma outra coisa.

Noventa minutos, dois apitos e tudo voltou ao começo As vozes transformaram-se em corpos. Velhos e novos, homens e mulheres...

Muitos foram os jogos que vi depois desse, quilómetros de estádios, mas não mais voltei a sentir o calor como naquele dia. Tudo passou a saber a pouco quando antes sabia tão bem.

domingo, 24 de agosto de 2008

Planeta estrela

Cimo das escadas. Faz frio. Há estrelas. Há uma luz vermelha lá no alto e grilos que se fazem ouvir (a lua também se vê nos dias em que não se esconde por detrás das casas mal plantadas à volta.).

Passam aviões com mil e uma pessoas divididas entre latas. Três luzinhas por par de asas. Tão pequeninas lá em cima... E se por acaso um dia as luzinhas se apagarem enquanto lhes sigo o rasto?

É assim que acontece quando as estrelas caem (as estrelas não caem mas assim soa melhor, há até quem não acredite em meteoritos...). Um pontinho de luz aparece do nada, cai, cai, cai (ou flutua, ou vagueia, sei lá...) e pronto. Pedes um desejo e agora é so esperar que aconteça (tenta pedir que o sol apareça de manhã para ver se resulta mesmo...).

E o que são os anos para a pedra que deixou de o ser? Isto do tempo é tão relativo...

Entretanto as luzes continuam acesas lá em cima.

De manhã o sol dá-te um pouco de claridade e a história do desejo é mesmo verdadeira (para a próxima pede o fim da fome em Lisboa...). Acordas, vês a luz e vais à tua vida. Algures noutro lado do mundo mais três luzinhas chegam ao chão (explodirão agora?) e ali, ao pé de tua casa, há quem afunde a cabeça num caixote do lixo à procura do pequeno almoço (pão da noite anterior e doce de morango com validade de anteontem. Nada mau. Ontem só havia bananas.).

Três portas abertas. Três luzes apagadas. Três lanços de escadas. Mais um dia...

Pode ser que hoje seja diferente. Pode ser que a lua se pinte de roxo e as estrelas apareçam verdes. Pode ser que o mar cuspa os peixes e volte a nascer mais um salvador (tantos Jesus na América do Sul...). E se todas as máscaras fossem queimadas no meio da praça?

Pode ser que sim...

Ou então resta-nos ser daltónicos à força e sonhadores de olhos abertos...

"e há quem imite os lobos embora imitando gente "


[minuto 5]

Tantos inteligentes, tantos, tantos...

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Estória

de manhã espreguiçava-se devagarinho




depois ia à praia apanhar ouriços e estrelas do mar

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Sinapse

Uma prisão nos olhos. Duas prisões. Quatro olhos. Grades fracas queimadas pelo arder de um cigarro que não há. Como putos de doze anos a fugir dos olhos -mais uma vez os olhos- pequenos das coisas não muito grandes que se nos vão atravessando à frente (e passando ao lado. e ficando para trás.)

O resto é rir enquanto se espreita pela fresta da porta mal fechada. Rir, partir e voltar quando menos se espera só para um abraço tonto e sem sentido aos olhos que servem só para olhar e não para ver.

Saltam as palavras com vida própria e a Força ganha outro sentido. Mais um par de sorrisos. Adeus? Não pode haver... Estamos sempre lá, sempre cá, sentados no muro de lugar que não existe. Lugar nosso, lugar nenhum, com vista para o que se quer ver.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Linha

"Mas é sempre a mesma história
Depois do primeiro assombro
Logo o corpo fica farto"

Sérgio Godinho, Balada da Rita

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Haver

Como se tudo na vida fossem comboios movidos a vento...

Sem plano e sem vida. Sem hora nem rumo. Só a linha e o relógio de estação a marcar as horas no tic-tac do costume. O tic-tac que varia o ritmo consoante a pressa de quem corre e a serenidade de quem aguarda sem certeza nem medo.

É tão possível morrer debaixo de um relógio de estação. Deve ser pesado. Estás ali à espera e de repente caem-te as todas as horas em cima...

Mosquitos, árvores e chuva. Algodão doce também...

Mais uma rajada de vento e agora impera o avesso. O lugar nascido na rua sem gente. Porta pequena e a casa de sempre... A casa noutra cidade. Fotócopia surreal... Não muda sequer a mobilia, nem o caixote do lixo com o caroço de maçã apodrecido pelo esquecimento.

Dá para sorrir. Na rua dançam as bandeiras. É hora de partir outra vez.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Porque nunca se pode ter tudo

e falta sempre qualquer coisa. Mesmo que haja a cereja no topo do bolo lindo lindo lindo. Esqueceram-se do açúcar... E o bolo amarga...

Desta vez faltou o último adeus.

Ou então não faltou e só não se ouviu...

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

vidro

sim sim senhor razão diga lá mais uma vez...

diga lá, o senhor que sabe tudo, desde a mais bela táctica para ganhar no futebol, até à melhor maneira de depenar estorninhos malhados, passando ainda pelo conhecimento de mecânica aliado a um pouco de física e, já agora previsão meteorológica só com um pouquinho de cuspo no dedo...

diga lá senhor sabão o que é um padrão e um telefone. explique por favor às criancinhas porque é que o mar é azul e o céu salgado... é ao contrário? pouco importa, o senhor consegue na mesma...

conte lá onde se compra o arroz mais barato e qual é o melhor sitio para sair à noite. fale, fale sem parar. não se faça modesto...

pum, pum, pum! fogo de artificio verbal... e os planos da vida do outro. desenhe já no papelinho amarelado, faça-lhe o mapa, ensine-lhe o caminho.

aproveite senhor juiz, alguém errou. julgue, julgue já. ainda há cordas na loja e não falta quem saiba fazer um belo nó de forca. julgue e condene, que matar não custa. não tenha medo, não é preciso matar o corpo, só o resto...

e depois meu senhor, dono da razão do saber e da verdade, quando o longo dia chegar ao fim, tente arranjar um espelho. pode ser que então o sono tarde.

domingo, 10 de agosto de 2008

Sumo de Limão

E são tantas as metáforas e as analogias, mais que muitas. Surgem do nada, talvez venham com o vento... Mas todas redundam. É como a história do hamster e da roda.

Resta uma certeza simples...

Sol

De um lado, o sol queima as palavras, do outro, seca as ideias. O mesmo sol que é bom de ver por entre as folhas das árvores e que convida ao torpor. O sol que gira sempre sem parar. E depois sobra pouco para dizer quando as palavras não surgem...