quinta-feira, 9 de julho de 2009

quarta-feira, 8 de julho de 2009

o lado e a garrafa. a mão do corpo sem nome e a tua, também ela quase sem cor, quase sem brilho. o negro da noite salpicado a pontos de luz pelo brilho das estrelas e numa outra parte do mundo, ou talvez aqui ao lado milhões de almas viajam em comboios que levam a todo o lado e a lado nenhum.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

#33

"E é sempre melhor o impreciso que embala do que o certo que basta,
Porque o que basta acaba onde basta, e onde acaba não basta,
E nada que se pareça com isto devia ser o sentido da vida..."

Fernando Pessoa

sexta-feira, 3 de julho de 2009

#32

no fundo do poço cai o corpo na lama mole. desfaz-se a carne, perde-se a alma, sobram os ossos. o poço não tem fundo. o poço tem lama no fundo. as fendas nos ossos contam as histórias que nunca chegaram a ser palavras. histórias de um tempo em que se marcava o corpo ao ritmo das quedas no chão por entre choros e gargalhadas.

no fundo do poço, na pouca água que ainda resta na poça pequena boiam sorrisos e olhares mais uns quantos pedaços de mãos partidas pelo tempo. o mesmo tempo que cavou o poço até este não ter fundo onde repouse a água. onde descansem os ossos. onde morra o corpo cansado da vida vivida a correr por entre os espaços que as horas abriram no velho relógio cheio de pó. faltou-lhe a corda, parou o tempo. deve ter sido por isso que os dias se tornaram todos iguais e os gestos se passaram a esconder no mesmo baú onde se foram fechando também as palavras e as entrelinhas a sete chaves, logo torcidas até partir.

Definições

Casa é a rua e o banco pintado de verde, as pedras frias do chão e a chuva a molhar a cara. Casa são sorrisos abertos e trapézios pendurados no tecto. Casa é o relógio parado. Casa são escadas castanhas debaixo de estrelas. Casa é uma mão. Casa é uma canção a meio da noite. Casa é tudo o que não há-de caber nunca entre quatro paredes e um telhado.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Die mauer



às vezes parece que o tempo não nos ensinou nada...

Estações - Berlin

terça-feira, 23 de junho de 2009

Quase

A palavra toma a forma de algo mais e no fundo será sempre a falta de algo a comandar o lado para onde o mundo há-de girar enquanto, ironia estranha, as borboletas entram no quarto pela janela entreaberta e esvoaçam embalando os olhos de um corpo sem sono.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Tamanduá


"o sol espeta-me agulhas nos olhos: agulhas feitas de linhas de luz. Mas continuo sempre, continuo sempre, continuo"

José Luís Peixoto, Cemitério de Pianos

domingo, 21 de junho de 2009

Tijolo sete

O céu por cima, piceladas de nuvens no tecto azul. Um sotaque meio manhoso e a espécie de casa a muitos metros de distância. Talvez anos-luz. As mais que vistas uvas de barro coladas à parede e o chão quase de pó agora coberto por ladrilhos frios, gelados. A canção-vida-destino-história numa voz desafinada. Coisas simples. Tudo coisas simples e uma luz que teima em não acender.

Tic-tac...

da palavra

"Aprendemos desde pequenos que saudades são coisas boas. Vem nos livros. Conhecemos os poemas de cor. Se a alma dói, dizem-nos que é sinal que se tem qualquer coisa no peito com que doer. Se nos lembramos sem nos querermos lembrar de uma mão que não podemos agarrar, a deixar cair um cigarro, dum cais, dum riso, dizem-nos que isso é bom, que é uma prova de amor. É como dizer que deitar sangue da cabeça quando se bate com a cabeça no chão é bom, porque é sinal que se está vivo.

A ausência, estão sempre a ensinar-nos, é quase melhor do que a presença. A saudade embeleza os sentimentos. A memória melhora. As lágrimas lavam a vista. A saudade dói, mas é doce. É o que nos dizem."

Miguel Esteves Cardoso, A Aventura das Saudades
e era tão mais fácil quando num raio de sol se encontrava toda uma vida

terça-feira, 16 de junho de 2009

do ponteiro dos segundos

O bar mudou de nome, de cor, de gente, de gentes. Acabaram os pratos a voar e os gritos a meio da manhã e o relato da vida do Sr.Freitas. Acabou o preto sem que tal se pudesse evitar. Arrancaram primeiro o prego da parede para depois desaparecer a guitarra e qualquer dia serão as palavras na parede do outro lado...

E a Maggie, onde pára? E todos os outros que foram passando?

Agora até já se atravessa o rio por uma ponte nova. Apareceram livros, canções, filmes... Como é que é possível que se tenha vivido num tempo sem “Fon-fon-fon”? Criaram-se peças de teatro fantásticas e outras menos boas. Abriram bares, fecharam bares, bares mudaram de nome, mudaram de sitio. Acabou o D.D. e o karaoke da quarta também já não é na mesma rua. Também já não há a Chica para cantar e chorar depois aninhada no meio de um corredor.

Descobriram-se varandas, túneis, caves e peles de javali penduradas no tecto.

Dezenas de ovos a voar, um fósforo queimado, centenas de nomes, milhares de gritos. Quantos quilos de carne e batatas? Oito dias passaram a dez.

Rosas, girassois e flores de imitação. Comboios, aviões, autocarros, carros, pés, quilómetros, metros. Chãos de pó, chuva miuda, sol abrasador, brisas leves, areia, jardins. Caixas, ferramentas, o primeiro sábado do primeiro fim-de-semana de Setembro por volta das três da tarde.

Palavras a fazer doer mais que ferros em brasa cravados no peito.

Morte, morte, morte.

Casamentos, divórcios, zangas, partidas, ilhas.

Bengalas e identidades queimadas, fogo, chamas, quente. Andarilhos, sapatilhas amarelas, amanhecer, escadas, ruelas, pés descalços, corridas, “foda-se!”.

Caixas de correio, quartos, barris e copos. Personagens que vão e vêm e passam e entram e saem e desaparecem e reaparecem e desaparecem de vez e tudo isto ao ritmo marcado pelo tic-tac do velho relógio. Latas, garrafas, papel, preto, preto, preto, “vai!”.

Os mapas agora alinhados à direita da estante, o algodão a repousar ao lado e uma aranha a brincar no fio de teia que pende do tecto.

“O mundo nunca deixou de mudar mas lá no fundo é sempre igual”
.

Eles existem I

Enquanto as moscas batem na janela...

...descobri que tenho muitos problemas o número 2.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Não cá

Uma casa ao lado, trinta ruas à esquerda, no andar de cima, três andares acima, três quartos para a direita, algumas centenas de quilómetros para oeste, mil para sul. Algures noutro lado que não aqui, noutro eu que não eu mesmo, lá, além.

Restam os espelhos e os olhos para que o engano persista, para que tudo seja, aparentemente, normal.

Dói-me a cabeça embora não doia.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

(Um)a ironia

"Uma cidadã italiana que devia ter embarcado no voo 447 da Air France, mas não chegou a horas ao aeroporto, morreu num acidente de automóvel na Áustria."

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Junho, 10

No dia em que deixemos de pensar pequeno. No dia em que não se sonhe mais em ser a Califórnia da Europa.

No dia em que a Califórnia deseje ser o Portugal da América.

Será aí cumprido o destino.

Que levante

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a hora!

Valete, Fratres.

Fernando Pessoa, "Nevoeiro"

terça-feira, 9 de junho de 2009

A cabeça explode ao som de gargalhadas mil dentro do sonho mal sonhado

Gargalhadas mil a acabar o sonho. Mais um.

Junho, 9

O medo.

O medo de abrir a porta e não haver mais chão para pisar como acontece naqueles sotãos, que por vezes se encontram por ai no meio de ruas semi desertas, sem escadas, só com um buraco tapado por uma porta de madeira.

Duas agulhas pequenas.

O papel de parede já gasto a chamar as unhas roidas, a noite na rua e o candeeiro de luz amarelada. Sempre a luz amarela a iluminar os sonhos. Amarelo até que nem é uma palavra feia. Outras há mais bonitas, alalia, por exemplo. Andarilho, terrina, lápis... Divagações parvas e o medo escondido debaixo do tapete.

Números na ponta dos dedos, à frente dos olhos, medidas e contas agora cada vez mais difíceis de fazer que isto das contas nunca foi simples que há sempre sempre alguém para lembrar que a distância entre dois pontos é sempre infinito. Sempre!

Lá em baixo há corpos que se arrastam rumo ao nada um pouco mais abaixo, ao fim da rua que é a descer. Lá em baixo não há sótãos e os monstros vivem na terceira casa do lado direito, toda a gente sabe.

É mais um segundo, minuto, hora, dia, mês.

Mas há frases que existem escritas por dentro da pele.

E o sol nasce às quatro e meia da manhã.

domingo, 7 de junho de 2009

Contas

1,
29,
682,
770,
68,
120,

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Junho, 4


"que a vida sem ti morreu"

terça-feira, 2 de junho de 2009

Números

Os aviões vão caindo pelo mundo,

"Todos os dias, há mais 6.800 pessoas infectadas pelo vírus da sida e morrem 5.700 doentes, de acordo com o relatório da ONU sobre a doença no mundo em 2007"

"Mais de três mil crianças morrem de malária por dia na África"

"Mais de dois milhões de pessoas morrem de fome a cada dia"

e ao cairem até que sentimos coisas estranhas e até que aparece logo alguém a falar nas mensagens de ultima hora, logo num lugar onde há tudo menos rede. Whisky, café e chá, vinho tinto talvez haja... Rede, podia haver até uma rede antes de chegar ao mar. E se houvesse tinham morrido menos duzentos e qualquer coisa. Duzentos e qualquer coisa mais um ou dois, os importantes, os que se conhecem que os outros serão sempre só numeros... Como os 5700 + 3000 + 2000000.

Afinal de contas não há-de ficar ninguém por cá. Mas quantos de nós não gastávamos um euro que fosse para salvar uma daquelas vidas? Até um bebé morreu...

Lembro-me agora dos que acusam o senhor Adolfo de ter tentado matar seis milhões. Isso dá três dias dos nossos não é? Ou será menos?

Matámos quantos hoje?

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Notícias

Junho, 1

Praha, 2009

sábado, 30 de maio de 2009

Manhã

"não sou luz da serra
nem sombra nem luz
nem sombra da noite
no alvor da madrugada
não sou coisa nem nada
talvez louco
o louco não tem número
o limite da soma é o vazio"

Manel Cruz, "Canto dos Homens Conto"

quarta-feira, 27 de maio de 2009

#31


[grito]



era isto.

Hoje

Uma biblioteca enorme,
Espaço,
Calor,
Pouco mais de um euro, não tão pouco como dois cêntimos,
Frango,
Batatas,
Frango,
Arroz,
Relva,
Garrafas,
Frio,
Chuva,
O velho bar,
Corredor,
Chão,
Noite,
Fogo,
Papel,
Gritos,
Música,
Palavras,
Portas,

E todo o vazio que se esconde algures no meio do ar,

E uma cara, uma voz, uma mão, um sorriso, um par de olhos,

Longe.

Restos


Oświęcim

segunda-feira, 25 de maio de 2009

domingo, 24 de maio de 2009

Estrada

Os milagres acontecem. Em dias estranhos. Em dias que depressa se transformam em noite e novamente em dia. Em noites em que as linguas se pintam de negro e deixa de haver longe. Em estradas onde carros se conduzem sem mãos e os postes têm o cuidado de se desviar.

#30

A inveja é, de facto, uma coisa fodida.

dos Rinocerontes cor de mel

Preto e branco.

As fotografias velhas espalhadas pelas paredes agora meio amareladas pelo tempo mas que já foram brancas, cal. As teclas do piano abandonado a um canto. Uma televisão que até mostra imagens coloridas mas que podiam ser só como dantes.

Preto e branco, preto e branco, preto e branco.

Dois gatos, duas cores.

Dois cães, duas ruas, duas casas.

Os ratos são cinzentos. Alguns, pelo menos, que depois há os ratos brancos e os outros de mil e uma cores.

Ratos de mil e uma cores.

Isto vai tudo dos olhos de quem vê...

E se as teclas do piano fossem pintadas de verde e rosa?

O som seria igual que isto há sempre dois lados, o de quem suja as mãos para fazer as cordas cantar e o de quem se limita a fechar os olhos para as ouvir. O som seria sempre diferente, o som será sempre diferente, o som é sempre diferente para quem se senta a ouvir. O verde e rosa de quem toca subitamente descolora. O preto e branco ganham cor.

Mas isto são só analogias de cores, sons e pedacos de carne a bater na madeira.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Estações - Bohumin

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Dias

Contudo, contudo,
Também houve gládios e flâmulas de cores
Na Primavera do que sonhei de mim.
Também a esperança
Orvalhou os campos da minha visão involuntária,
Também tive quem também me sorrisse.

Hoje estou como se esse tivesse sido outro.
Quem fui não me lembra senão como uma história apensa.
Quem serei não me interessa, como o futuro do mundo.

Caí pela escada abaixo subitamente,
E até o som de cair era a gargalhada da queda.
Cada degrau era a testemunha importuna e dura
Do ridículo que fiz de mim.

Pobre do que perdeu o lugar oferecido por não ter casaco limpo com que aparecesse,
Mas pobre também do que, sendo rico e nobre,
Perdeu o lugar do amor por não ter casaco bom dentro do desejo.
Sou imparcial como a neve.
Nunca preferi o pobre ao rico,
Como, em mim, nunca preferi nada a nada.

Vi sempre o mundo independentemente de mim.
Por trás disso estavam as minhas sensações vivíssimas,
Mas isso era outro mundo.
Contudo a minha mágoa nunca me fez ver negro o que era cor de laranja.
Acima de tudo o mundo externo!
Eu que me aguente comigo e com os comigos de mim.

Álvaro de Campos

sexta-feira, 15 de maio de 2009

da falta

Uma pergunta redundante feita dia após dia como naquela história do espelho mágico.

Será, será, será?

Pergunto-me porque não são verdadeiramente simples as coisas aparentemente simples. Sem resposta e todas as perguntas são agora em vão. Como a neve onde antes afundava os pés e que agora não passa de uma imagem desbotada na memória.

Frio. Frio na mesma.

E o descobrir...

Quando for grande hei-de ser caçador de borboletas. Hei-de apanhar mil barrigas delas. Mas mil barrigas das grandes.

Talvez nesse dia o mundo se pinte de outra cor...

Poiso

Talvez seja do álcool a menos no sangue. Ou então foi a chuva que tirou o pó do ar mas nem por isso o deixou mais leve.

As moscas sentem?

Diz-se por aí que o criminoso volta sempre ao local do crime, muitos há que assim vão sendo apanhados. Faz-me lembrar uma casa cor de rosa e as vezes que lá ia, mesmo sem crime, mesmo sem ser criminoso, mas voltava sempre sempre. Enquanto houve casa e café acabado de fazer.

Depois olho para trás e o que me sai é só uma metáfora mal amanhada. A vida são só casas. É isto! Vamo-nos habituando, pintando as paredes, arranjando o chão e o espaço à nossa maneira, limpando o pó à janela verde... E um dia chegam pela madrugada bandos de espingardas com homens por perto e a casa passa a ser só tijolos e telhas e pedaços de madeira [há sempre duas maneiras diferentes de ver a mesma coisa] e vidros que já foram copos espalhados pelo chão.

E tudo é um resumo simples ou mero "dejá vu" enquanto os dias correm.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

pico

e depois já esta tudo dito, tudo escrito, tudo inventado, tudo feito...

para quê correr e saltar e pensar e querer e esperar, se todos os dias o comboio chega à estação. mais hora menos minuto. que ás vezes há atrasos e bombas e atentados e gente parva que não paga e insiste em não sair. mais hora menos hora lá está ele... está o comboio e tudo o resto. igual, igual. igual. porque já nada de novo há para acontecer.

Ouvem-se gritos ao telefone pela manhã acabada de nascer, os olhos ainda turvos do sono mal acabado.

e não vale a pena pois não? amanhã, que amanhã há tempo e então amanhã pode ser que haja a tal vontade que hoje falta e oneco m não apareceu. também já está tudo inventado. dizem os inteligentes que até as canções já acabaram...


E já está tudo inventado não é verdade? Não falo dos satélites e do resto que nos vai querer controlar daqui a uns dias, das cameras e do grande irmão escondido no bunker de ouro a espreitar quem mija no canto da parede e a que horas chegas a casa, se bem que isso também está mais que feito.

Dizem que acabaram as canções e todos os dias nos mostram o filme do dia pelas oito da noite que agora empura o dia por volta das cinco, dizem que isto está mau para que no outro dia de manhã as ovelhinhas o repitam a uma só voz "Isto está mau, isto está mau...", se calhar o grande irmão não passa de um reles pastor. "as ovelhas gostam de companhia, vão-se sempre juntando umas ás outras.". o rebanho engrossa "isto está mau, isto está mau" e enquanto fala não ouve nem vê. Para quê? Ás oito saberão de tudo, de tudo o que quiserem que saibam. "isto está mau, isto está mau", e nos gabinetes cheios de mofo assinam-se resmas de papeis para tornar isto melhor.

Mais um decreto e não se pode faltar às aulas porque isso não pode ser considerado um direito. Não se falta e não há sermão nem responsabilidade e depois se houvesse agora também já não se chumba e as bicicletas não são prémios mas direitos. Criam-se assasinos de português, incapazes de somar e dividir. Passeiam-se com os afamados "Magalhães" debaixo do braço sem saber sequer quem deu o nome aquela máquina azul. Sem saber que houve tempos em que homens se faziam ao mar para matar e morrer. Sem saber que houve tempos em que nos diziamos donos de meio mundo. E agora? Esperamos ansiosamente que do outro lado do oceano haja alguém capaz de nos tornar a vida melhor. Ironias que também não hão-de perceber.

Fazem ouvidos moucos e sorriem, as ovelhas negras. Sorriem e riem e rebolam no meio do caminho sem medo de serem pisadas. Aprenderam a levantar-se depressa e fugir dos pés ansiosos. Também se tornaram maiores que as outras, pelo menos maiores aos olhos, mesmo que só a cor pareça distingui-las. Dizem que isto está bom, que gostam de chuva quando ela cai e de sol quando ele nasce. Acreditam que o impossível é só uma palavra inventada que não faz qualquer sentido, parar é morrer e as tangerinas têm um lugar especial no mundo a par com os girassóis. Dizem-se felizes e alimentam-se de algodão-doce.



. Somos agora escravos bem atentos à eleição de um novo mestre, descendente de escravos que souberam deixar de o ser.

sábado, 25 de abril de 2009

Trinta e cinco

E a culpa do aquecimento global é mesmo do gajo que inventou a máquina a vapor. De quem mais? Pouco importa o que veio depois, o que desperdiçamos dia após dia. As luzes acesas, a água a correr, os mil e um carros a andar para lado nenhum. Não temos culpa, não podemos, não queremos. A culpa é toda do tal homem que um dia teve uma ideia luminosa. Talvez fosse melhor viver sem motores. Era muito melhor, não haja quem duvide. Correr a Europa num carro de bois... As coisas eram diferentes, gozava-se mais...

A culpa foi toda dos gajos vestidos de verde. A culpa foi toda deles por quererem mudar alguma coisa, por quererem poder gritar na rua, por quererem poder ler. Ler, ouvir, falar. E é tão fácil agora não é? Porque só naqueles dias em que a luz falta se percebe a falta que na verdade faz. Em cada um que entrou na Cidade estava escondido um potencial currupto, era isso. Porque o sonho, o sonho não tinha nada que ver com liberdade... O sonho só tinha que ver com dinheiro, taxas de juro, spreads, bancos e offshores.

E é tão fácil agora, à distância de trinta e cinco anos dizer que estava tudo bem. É tão fácil gostar de um pobre que pobre morreu...

Porque isto é como tudo, e como dizia o senhor Fernando, há-de chegar o dia em que só há a lembrança no dia do nascimento e da morte, todos os outros serão iguais... Porque já ninguém olha para a esquina mais próxima quando diz mal do engenheiro. Ou será que olha? Será que já se olha? Será como naquela quinta famosa?

A culpa toda é daqueles que tentaram um dia mudar alguma coisa e não de todos os outros que agora que ainda podem falar, se calam. A culpa é toda deles. Ou será que é nossa? Deve ter sido bonito o dia onde os rádios poderam tocar mais alto.

do sorrir

"Found only on the islands of Oahu, Molokai, Maui, and Hawai, the happy face spider, is known for the unique patterns that decorate its pale abdomen. Scientists believe Theridion grallator may have developed its distinctive markings to discourage birds from eating it."

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Teste

Uns
Outros

Eu


feito por aqui

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Acordar

Manhã. Cinzento e o gato deixa de ser pardo. Há um gato malhado à porta e agora que penso nisso reparo que ainda este ano não vi andorinhas.

Gotas

Noite.
Um gato pardo à beira da porta. 
Chove. 
Um gato pardo à chuva... 
Rua.
Água. 
E a falta por entre as gotas...
Porque houve dias em que chovia miudinho e os risos eram maiores...
Saudade...

domingo, 19 de abril de 2009

das caixas escondidas num sótão qualquer

Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte

Natália Correia, Queixa das almas jovens censuradas

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Dilúculo

Partida ao meio. A lua.

E cá em baixo, um banco verde, casas azuis com desenhos de janelas-de-luz-acesa, garrafas vazias, latas vazias, vidros no chão, copos cheios, copos vazios. Uma brisa leve... Cinco vezes noventa e nove. O mesmo banco. Transeuntes que vão passando. Abanam devagar. Tivessem giz nos pés e o chão seria todo ondas brancas. Falo em ondas e lembro o mar. A brisa outra vez mas agora sem sal, sem o cheiro-casa que nem é meu mas que gosto.

Lembro agora o primeiro dia. Manhã de sol e a mão a tremer. Janelas de vidro. Calor. Calor. Calor. Não há longe, não há longe, não há longe...

de repente, o banco faz-se escada, a janela branca janela verde, o cigarro no chão cigarro na mão, a mulher velha homem velho, o cimento pedras, a rua largo, e, num instante breve, deixa de haver tempo e estamos de novo encostados à grossa porta de madeira no instante em que uma cara ensonada larga um "bom dia" e se prepara para a abrir.


"Não há longe nem distância"

Meia bolacha no céu. Meia bolacha brilhante no céu. E o sol a bater de mansinho nas costas.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Pequenas coisas

Diziam-me em pequeno que haviam muitos cavalos na Hungria. Talvez por lá andem mas não os vi.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Infinito

adj.
Não finito; sem fim.
Ilimitado, eterno.
Absoluto.
Inumerável.

adj. s. m.
Infinitivo.

s. m.
O tempo ou o espaço.
O absoluto.
O que a razão humana não pode alcançar.

adv.
Infinitamente.
Excessivamente.
Muitíssimo.

domingo, 5 de abril de 2009

Sol

As dores nos pés e as sapatilhas apertadas, o sono e as linhas trocadas, a porta grande e o campo maior -maior que o alcançe da vista-, os cabelos agora já feitos brancos pelo tempo. E os dias? O correr dos dias lá no meio da palha certamente seria diferente. As ruas, o acaso, o mapa virado ao contrário que encontrar o norte nem sempre é fácil. O homem do instrumento mágico e a caixa de música e as mil e uma torres... Talvez tenha sido a vontade de chegar ao céu, a vontade de chegar mais longe ainda antes de haver cêntimos de Euro. E a cave escondida, as pedras velhas, os homens que aguentam casas às costas sem nunca se cansarem...

A neve numa bola de vidro.

E é tudo tão simples como na canção...

Da mochila às costas

Nada te espanta, nada te encanta
Nada te tomba ou te levanta
Sem passar dentro de ti
Nada te gera, nada te espera
Nao ha outono nem primavera
Sem que o sintas a surgir

Tu és a escala
A mão que embala
Tomas bem conta de ti
Tu és a escala
A mão que embala
Tens um rumo a seguir

E nada te atrasa, nada te arrasa
Nem que no céu percas uma asa
Vais pegar de novo em ti
Nada te usa, nada te escusa
Mesmo se o mundo inteiro te acusa
Só tu sabes pra onde ir

Tu és a escala
A mão que embala
Tomas bem conta de ti
Tu és a escala
A mão que embala
Tens um rumo a seguir

E nada te esmaga, nada te acaba
Nada te encolhe, nada te alarga
Nada te tenta, nada te inventa
Nada te pesa, nada te aguenta
Nada te falha, nada te empurra
Nada se ri enquanto te esmurra
Nada te esfria, nada te guia
Nada te ofende ou te desvia

Nada te pára

Jorge Cruz, Nada