sábado, 10 de dezembro de 2005

Natal

O Natal cada vez mais me diz menos. Na minha família nunca houve o acto de reunião, por isso as noites de Natal para mim não são mais do que as outras. Acredito que em tempos pudesse partilhar um pouco do espírito que se vive nesta altura, até perceber que estar alegre por uma época é ser demasiado hipócrita.

E que dizer da enorme solidariedade do nosso povo que vê mendigos na rua, de mão estendida, dia após dia, a implorar por uma pequena moeda, ou um bocado de comida -já experimentaram oferecer? – e que nesta altura logo se apressa a encher os sacos do banco alimentar para fazer ver ao vizinho da caixa ao lado. E dos velhos brinquedos oferecidos ás crianças que nada têm. Quem tem nada o pouco agradece, mas dar restos tem muito pouco de partilha…

Nem queria falar do gajo das barbas que aparece em todas as esquinas, pois irrita-me profundamente, mais aqueles que andam com os barretes comprados numa qualquer loja chinesa. Também acho graça aos outros que afirmam não acreditar em nenhum tipo de Deus e que embarcam nesta ridícula onda de consumismo. Gostava de saber o que celebram eles nesta altura.

Este Natal vai ser passado, como sempre, em casa sentado no sofá com os pés à lareira, então depois da meia-noite lá estarei ansioso a contar os dias para a passagem de ano.

sábado, 3 de dezembro de 2005

Bairro

Há em Coimbra dois locais onde me gosto de “perder”. Para além da alta que é uma espécie de recuo no tempo e que tem dos mais belos monumentos do nosso país, a Sé velha, existe outro local que irradia uma espécie de magia. Estou a falar do Bairro Norton de Matos, ou Bairro, como toda a gente o conhece. Este sítio é uma espécie de ilha, é como ter uma pequena vila dentro de uma cidade. Por lá as casas são pequeninas e quase todas têm um pequeno jardim, há cafezinhos onde todos conhecem todos, é possível ir a passar na rua e ouvir um bom-dia, podem ver-se senhoras de idade a colher flores no jardim para por na jarra da cómoda, em cada esquina os amigos de infância que sempre ali moraram e hoje estão um pouco mais velhos conversam sem ter noção do tempo. Há lojinhas pequenas onde se compra o almoço e se paga no fim do mês, há os quiosques onde não é preciso pedir o jornal, pois este já está guardado. E há simpatia na cara das pessoas que passam na rua, até aqueles que já não esperam muito desta vida senão vê-la acabar trazem consigo um sorriso.

Mas o bairro não é só isto. É também “casa” de centenas de estudantes que por ali vão passando, por vezes sem dar valor ao local onde moram. Há dias, duas amigas minhas chegaram a casa e não encontraram a roupa onde a tinham deixado a secar, minutos depois chegou a senhoria, que por acaso mora perto, com a roupa na mão, pois tinha começado a chover e a roupa podia molhar-se, então ela tinha-a apanhado. Acho que cada vez se torna mais raro encontrar lugares assim dentro de uma cidade cada vez mais cheia de pessoas que só pensam em si próprias.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2005

Vale a Pena?

Nós somos o que somos, por mais voltas que o mundo dê. E podemos tentar mudar, normalmente para melhor. Mas será que aquilo que nos faz mudar vale a pena?

Acredito que há qualquer coisa dentro de nós que é imutável. Certas coisas que faço, faço involuntariamente, mas sempre. São hábitos que vêm de longe e que não consigo controlar. Que culpa é que tenho de por vezes me preocupar com coisas ou pessoas que não me dizem respeito? Não há nada a fazer e nada nem ninguém me pode fazer mudar, porque em sou assim. Deixei aqui uma pergunta há dias e estava curioso para ler as vossas respostas. A minha é não.

Pode Alguém ser quem não é?

Senhora de preto
diga o que lhe dói
é dor ou saudade
que o peito lhe rói
o que tem, o que foi
o que dói no peito?
- É que o meu homem partiu

Disse-me na praia
frente ao paredão
“tira a tua saia
dá-me a tua mão
o teu corpo, o teu mar
teu andar, teu passo
que vai sobre as ondas, vem”

Pode alguém ser quem não é?

Seja um bom agoiro
ou seja um mau presságio
sonhei com o choro
de alguém num naufrágio
não tenho confiança
já cansa este esperar
por uma carta em vão
“por cá me governo”
escreveu-me então
“aqui é quase Inverno
aí quase Verão
mês d’Abril, águas mil
no Brasil também tem
noites de S. João e mar”

Pode alguém ser quem não é?

É estranho no ventre
ser de outro lugar
e tão confusamente
ver desmoronar
um a um sonhos sãos
duas mãos
passando da alegria ao desamor

Pode alguém ser livre
se outro alguém não é
a algema dum outro
serve-me no pé
nas duas mãos,
sonhos vãos, pesadelos
diz-me:
Pode alguém ser quem não é?

Sérgio Godinho, Pode alguém ser quem não é?

sábado, 26 de novembro de 2005

Estou à espera de respostas...

Pode alguém ser quem não é?

Terça-Feira

Eu sou daquelas pessoas que acreditam que há sempre algo mais a descobrir para além daquilo que conhecemos. Para mim é ridículo viver numa cidade sem conhecer os seus recantos, as ruas escuras, as tascas escondidas e os monumentos imponentes. Como grande parte dos caloiros do meu curso que aqui estudam são de outros lados decidimos fazer uma espécie de visita guiada pela alta de Coimbra na passada terça-feira.

Ora uma visita destas implica praxe, em cada paragem havia uma prova a cumprir e por cada prova cumprida havia bebida à espera. Beberam-se uns bons litrinhos nessa noite. Terminada a visita, por acaso, formaram-se duas trupes, uma masculina e outra feminina, que trataram de dar um novo visual aos caloiros que por ali andavam depois da meia-noite. Acabou por ser algo memorável para eles, que estiveram em lugares que nem sequer sabiam que existiam, e também para nós pois tivemos a certeza que durante mais alguns anos a praxe vai continuar viva, apesar de cada vez mais a quererem matar. Nesse dia Coimbra tal como a conheço vai acabar, e é assim que eu gosto dela. Velha.

quinta-feira, 24 de novembro de 2005

Sem Palavras

Ainda estou à espera de encontrar palavras que possam descrever a minha noite de terça-feira, passada na alta de Coimbra.

Quando as encontrar venho aqui escrever qualquer coisa...

segunda-feira, 21 de novembro de 2005

Ao sabor da corrente

Buscando sem saber bem o quê
Perdido como quem não vê
Calado como quem não tem resposta para quem o chama
Desesperado, como quem por ter medo da desilusão não ama

Yogi Pijama
Se deixas apagar a chama, estás virado para o desastre
Como uma vela sem mastro
Ou um barco sem leme
Condenado a andar à toa conforme o vento lhe dá
Ao sabor da corrente

Yogi Pijama
Olha que andar ao deus dará nunca foi coisa boa
Yogi Pijama Quebrando os seus ossos na rua
Fugindo da verdade nua
Como se abrir as portas ao Mundo fosse uma coisa obscena
Desencontrado como quem por ter medo da foz o rio condena

Yogi Pijama
Se deixas apagar a chama, estás virado para o desastre
Como uma vela sem mastro
Ou um barco sem leme
Condenado a andar à toa conforme o vento lhe dá
Ao sabor da corrente

Yogi Pijama
Olha que andar ao deus dará nunca foi coisa boa
Yogi Pijama E já que nós nunca estamos sós
Vamos lá desatar os nós
E vamos lá chegar inteiros, onde quer que a vida nos leve
E enquanto é tempo
Deixa ver esse sorriso, que isso torna a pena mais leve

Yogi Pijama
Se deixas apagar a chama, estás virado para o desastre
Como uma vela sem mastro
Ou um barco sem leme
Condenado a andar à toa conforme o vento lhe dá
Ao sabor da corrente Yogi Pijama
Olha que andar ao deus dará nunca foi coisa boa
Yogi Pijama

Jorge Palma, Yogi pijama

domingo, 20 de novembro de 2005

Fim

Dia após dia, cada vez mais me vou apercebendo que cada vez mais damos menos valor ao que temos. Morreram duas pessoas estas semana que me eram próximas, uma mais do que outra. Uma delas tinha tido anteriormente uma trombose, estava frágil, a outra morreu durante o sono. Em ambos os casos o coração achou por bem parar de trabalhar. Há várias maneiras de encarar a morte, mas à medida que vemos partir pessoas à nossa volta vamos pensando de maneira diferente.
As primeiras perdas são vividas com revolta, um porquê ecoa da nossa mente. Especialmente se não houve tempo para um último adeus… Os anos vão passando e cada vez mais são os que nos deixam. Vezes há em que vão todos de uma vez, como há um par de anos em que perdi três pessoas. Nesta altura instala-se um certo conformismo. E quando finalmente morre um colega nosso num acidente de carro a apatia toma conta de nós. Os porquês e desaparecem e a inevitabilidade torna-se numa espécie de fantasma que vai aparecendo de vez em quando.
Por norma as pessoas têm um certo receio em abordar o tema morte. Arrepia quando nos vemos numa situação de aflição extrema, quer seja por termos comido um “after-eight” na altura errada ou por haver um pesadelo qualquer que nos faz acordar num sobressalto.

Também eu tenho medo, medo de cair numa cama e não me poder voltar a levantar, medo de ter de ficar completamente dependente de alguém até para satisfazer as minhas necessidades mais básicas. Tenho medo da doença. E de uma coisa eu tenho a certeza. Não quero morrer devagar.

terça-feira, 15 de novembro de 2005

Morte

Morreu no Domingo uma das pessoas que mais marcaram a minha vida. Apesar de tudo, só soube hoje. O funeral foi ontem.

Chamava-se Alexandre, tinha 72 anos e foi a primeira pessoa a cortar o meu cabelo.