quarta-feira, 30 de setembro de 2009

noite

são largas, as horas...

terça-feira, 29 de setembro de 2009

marés

256
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segunda-feira, 28 de setembro de 2009

do que é

Agora só temos que nos entreter mais um pouco. Descansarão as peixeiras e os entusiastas de bandeira no ar. O magalhães evolui para a versão dois, os putos evoluem também para uma outra versão qualquer e tudo o resto evoluirá durante outro par de anos, pelo menos. A evolução pode ser positiva e negativa, como tudo. A ironia, essa, há-de continuar a ser espalhada pelo mundo como aquelas cisternas de leite lá longe, não tão longe quanto pudessem ser úteis a alguém... Há fibra a crescer pelas casas, trepadeiras dos tempos modernos enquanto os livros se habituam ao pó. O mundo. O mundo que todos os dias entra pelas casas... O mundo que interessa, o que nos querem mostrar... Sempre eles a escolher. Sempre eles a mandar no que vemos e no que havemos de sentir depois de ver e por aí fora até que o abutre invada os sonhos. Mas acorda-se e está tudo igual. A ponte cor-sangue-de-boi cheia de carros às nove da manhã e o café sempre frio no sitio do costume. Sempre tudo igual... Aparecem uns, desaparecem outros, mudam as cores da calçada, vagueiam os gatos, inundam-se as ruas no inverno, arrefecem os pés mas a casa costuma aquecer os ossos suficientemente bem para nunca se pensar nisso. Só quando a não há por perto, ou também.

quase branco

Pulseiras e brincos, óculos e aneis. Gritos absurdos e pouco mais. Desbota o preto dia após dia, ano após ano, na correria rumo a uma qualquer coisa que ninguém sabe o que é. Há-de restar sempre o que ficou, guardado, lá, no lugar que se sabe e, lá, não há cloro que possa fazer efeito.

"Agora em espanhol..."

domingo, 27 de setembro de 2009

isto

farto do diz que disse
diz que viu
diz que aconteceu
diz que estava lá um amigo de um amigo
que é amigo teu
farto de ouvir
o mais bonito
o mais astuto
o mais sensível
mas o incrível
é que ao espelho eu só vejo o mais bruto
farto das mesmas queixas no mesmo caderno
farto da caneta que me leva ao inferno
farto de mim de ti de nós contra o resto do mundo
a selecção deles é mais forte
ficaremos sempre em segundo
ninguém te disse
ninguém te contou
ninguém te falou
não dá para ganhar
eles dizem foge foge
mas eu fico
foge foge
e eu fico
cada vez mais bandido


não sou luz da serra
nem sombra nem luz
nem sombra da noite
no alvor da madrugada
não sou coisa nem nada
talvez louco
o louco não tem número
o limite da soma é o vazio
não sou murmúrio de rio
nem cigarro viciado
nem ponta de cio
nem lua patética
crescendo e fugindo do tempo que passa
não sou quebra-luz
nem gavinha entrelaçada num abraço de frio
sete raios de sol queimaram o sonho
sete chuvas de esperma o fecundaram
já não sou resina
nem merda nem mijo
nem sangue nem seiva
morreram afrodites e leões de pêlo fulvo
quando se inventou a alma
e eu não sou mais do que rescaldo
já não sou poeta nem nada


Manel Cruz, "O canto dos homem-conto"

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Ora digam lá mal do Sr. Silva




"Sua Santidade o Papa Bento XVI efectuará uma Visita a Portugal no próximo ano, em resposta ao convite que lhe foi endereçado pelo Presidente da República.

Para lá do programa oficial, Sua Santidade o Papa Bento XVI deslocar-se-á ao Santuário Mariano de Fátima, onde presidirá às cerimónias religiosas de 13 de Maio."

Quem é amigo do povo, quem é?

terça-feira, 15 de setembro de 2009

do mês

Oito anos e ainda há quem se lembre dos corpos sem penas a cair de janelas perto do céu. A queda, ou o susto, o estalar dos ossos no chão ou o baque a meio da queda. O ouro misturado com o medo, uma confusão enorme pintada a cinza-pó. E nós a apreciar tudo segundo após segundo, segundo após segundo. É verdade que as cartas deixaram de cair na mesa, mas nem por isso as gargantas ficaram mais secas. Passaram oito anos.

Quatro anos e a pergunta é a mesma. Alguma coisa? Porquê? Nada? Dizem que a vida continua para quem cá fica, mas isto depende sempre daquilo a que se chama vida que as definições nunca agradam a todos. Factos são factos, o resto sobra para quem há-de sempre olhar para a esquina a seguir.

Três anos e o gajo da guitarra e da pose morreu entretanto. Lá continua o lago e o rio lilás mais os barcos abandonados. A voz estará resguardada algures, agora, longe das luzes.

Dois anos, o preto e um pequeno almoço diferente, quase igual. Seres que comem piolhos quando a noite se confunde com o dia e o dia com a noite. Ácido e pintas brancas nos pés.

Um ano. Águas mil. Podia ser Março para a canção fazer um pouco mais de sentido, afinal, no Brasil o Verão não acaba depois de Agosto. A lama faz maravilhas à pele e o sol ajuda-nos a assímilar vitamina D. A cor sangue-de-boi é linda de ver e isto é daquelas verdades absolutas, pelo menos para mim.

Hoje. Azulejos escondidos debaixo das saias e o mesmo ser-não-ser em tudo, desde sempre. Pedras escondidas debaixo de água e casas atrás de muros, livros encobertos por pesadas cortinas, lindas, e as árvores a tratar do resto. Chovem nuvens na rua ou talvez tenham só pousado um pouco. Um facto, as pessoas são más.

outono

qualquer coisa... e depois verbos soltos como na cantiga do Zé Mário. vaguear, deambular, acontecer, andarilhar, amanhecer, suceder, ver, ser, gostar, dizer, fazer, amar, chover, cantar, alindar, descer, contar. verbos soltos e as frases a ganhar forma. mas não hoje. cai o império sob os ouvidos. o império...
isto são tudo ironias, azulejos trazidos por mouros trepadores de muros e relógios de corda apodrecida pelo tempo. 

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

tempo-espaço ou outra coisa qualquer

Correr. Outra vez. Subir e descer as mil e uma pedras. As horas todas a bater em cima dos olhos. O passo encurta e a corrida de si já só tem o nome. Os metros são grandes demais, absurdamente grandes, como os dias se foram fazendo. Faltam palavras que sobram. O eco, esse, é sempre o mesmo nas paredes da alma. [leve, mão, sol, medo, dança, vento]. Simples. Demasiadamente simples para que alguma vez se possa tentar explicar.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

da manta em cima das pernas


sorte

há aquela história-anedota do acidente em que a sorte é tudo. é o morto que teve a sorte de não ficar paraplégico e o paraplégico que teve a sorte de não morrer. isto contado assim até que tem a sua graça. até ao dia em que deixa de ter. como tudo...

Cierto

?

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Música

como um raio a rasgar a vida, como uma flor
a florir desmedida, como uma cidade secreta
a levantar-se do chão, como água, como pão,

como um instante único da vida, como uma flor
a florir desmedida, como uma pétala dessa flor
a levantar-se do chão, como água, como pão,

assim nasceste no meu olhar, assim te vi,
flor a florir desmedida, instante único
a levantar-se do chão, a rasgar a vida,

assim nasceste no meu olhar, assim te amei,
vida, água, pão, raio a rasgar uma cidade secreta
a levantar-se do chão, flor a florir desmedida.

José Luís Peixoto

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Sexta



Fica longe este ano o tejo e a quinta vermelha. Nem sempre se pode ter tudo... Haverá o bandido a poucos metros dos sentidos.

de uma noite longe

somos a fachada
de uma coisa morta
e a vida como que a bater à nossa
porta
quando formos velhos
se um dia formos velhos
quem irá querer saber quem tinha razão
de olhos na falésia
espera pelo vento
ele dá-te a direcção

ninguém é quem queria ser
eu queria ser ninguém

a idade é oca e não pode ser motivo
estás a ver o mundo feito um velho
arquivo
eu caminho e canto pela estrada fora
e o que era mentira pode ser verdade
agora
se o cifrão sustenta a química da vida
porque tens ainda medo de morrer
faltará dinheiro
faltará cultura
faltará procura dentro do teu ser

diz-me se ainda esperas encontrar o
sentido
mesmo sendo avesso a vê-lo em ti
vestido
não tens de olhar sem gosto
nem de gostar sem ver
ninguém é quem queria ser

Manel Cruz, Ninguém é quem queria ser

esfera

os xilofones embalam

todas as certezas condensadas num xilofone de fazer sorrisos. [aprendi uma vez num documentário, daqueles que quase ninguém vê, como é que se apanham os impostores. por mais brancos que sejam os dentes há coisas impossíveis de fingir] gosto de xilofones, do som que me faz lembrar cartolinas brancas coloridas com lápis-de-cera sem cor e tinta da china e da porta ao lado onde havia um fato vermelho. [é preciso um pouco de laranja, ou outra cor, depende da pessoa]

divagações sem sentido.

sentido, como se todas as coisas precisassem de o ter. e nem se há-de descansar nunca até ao dia em que se puser tudo numa qualquer fórmula cheia de números e letras. mas isto é o que é e as pessoas são assim. C, H, N, O. carbono, hidrogénio, azoto e oxigénio. é isto! a vida é isto, ensinaram-me na escola há uma dúzia de anos atrás. tudo simples simples simples. e somos iguais à mosca e à aranha e aos bichinhos que vão comendo a merda do esgoto. claro que não inventam caixas de música nem máquinas de teletransporte mas talvez sejam felizes à sua maneira.

a verdade é que ela mesmo só existe até ao dia em que se transforma em mentira, basta olhar um pouco para trás e ver onde está agora o nosso grande império ou o muro que dividia o mundo... no meio de tudo isto dizem que sempre houve mar e o sol a mergulhar ao fim da tarde.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Medidas

"uma aldeia tem o exacto tamanho do mundo para quem sempre nela viveu"
José Saramago

sábado, 29 de agosto de 2009

Cento e treze

da diferença que faz uma letra a seguir ao nome de uma doença vulgar

"Para toda essa gente, que representa a grande massa do povo, a influência da imprensa é fantástica. Eles não estão em condições, por falta de cultura ou por não o quererem, de examinar as ideias que se lhes apresentam. Assim, a maneira de encarar os problemas do dia é quase sempre resultado da influência das ideias que lhes vêm de fora."

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis

Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no teto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Sim
a ratos

Alexandre O'Neill, Poema Pouco Original do Medo



domingo, 23 de agosto de 2009

da lanterna azul

As coisas nunca são o que são. A cada segundo deixam de o ser para depois se tornarem noutro algo qualquer. Como as ondas que batem na areia da praia. O centro do mundo era um lugar abstracto e sem nome. Agora[até quando?] o centro do mundo é um lugar pequeno e não muito lindo embora já tenha nome e cor e cheiro. Bratislava e a estação podre e velha e os pedintes e os panados oleosos e as sandes de frango com sabor a nada e um homem mal encarado a fazer de polícia e os aviões ali ao lado e centopeias quase gigantes e a barriga apertada por borboletas invisiveis e os abraços mais fortes que o fio com que um dia vi uma aranha pendurada no tecto. Depois há aquela coisa de ninguém estar bem com o que tem e estar sempre à espera do que há-de vir, a pensar no que já passou. Está tudo escrito nos livros e cantado nas canções, é só preciso ter olhos para ler e ouvidos para ouvir se bem que há quem leia sem ver e consiga perceber as palavras que te saem da boca sem que um único som se forme algures no cérebro. Adiante, há quem se junte em largos para ver vacas a arder, há quem prefira ver o sol arder, outros ainda gozam mais com pinheiros e eucaliptos. Gostos não se discutem. Mas resta sempre aquele fascínio pelo fogo nem que seja fogo colorido no céu escuro, ou então o outro que nem cor tem[pelo menos enquanto as mãos não rebentam] mas faz pum-pum-pum para alegria de todos[ou quase]. Pum-pum-pum, podia ser pão pão pão para alguém que o não tem, mas festa é festa e isto não pode acabar e afinal para um pão não há quem não tenha dinheiro, excepto quem o não tem, claro está. Agosto é um mês fodido. Mais uma vez aquilo das coisas mudarem a cada tic-tac. Agosto já foi diferente no tempo em que os dias corriam depressa e cheiravam a sardinha assada à hora de almoço. E depois havia sempre um dia[ou dois, ou três] em que o mar se achava maior e fazia os barcos de borracha andar pelas ruas e isto era sempre assim, certo. Era. Hoje ao almoço houve gripe A, a derrota do sporting[pena] e cancro[mais um], a Naíde está agora a saltar[todos sabemos que é boa mas há sempre a coisa da necessidade da medalha], logo à noite joga o benfica e por breves minutos o país entrará naquele estado de semi-hipnose-crónica[afinal há coisas que continuam iguais]. Falta só dizer que o mundo irá acabar a uma sexta-feira[juraram-mo a pés juntos], embora ainda não se saiba bem qual. Há coisas que só se descobrem com um pouco de atenção.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

(alindar)



Enquanto as palavras não aparecem. Das mãos a arder em sangue às lágrimas perdidas na viagem diferente de todas as outras. Eis tudo!
(os lábios molhados a sal. brno-bratislava. era tudo quase simples e tu a chegar. era tudo quase simples e borboletas na barriga. era tudo quase simples e tu a chegar. tu a chegar...)

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

#

pouco mais de uma hora e a mesma pergunta repetida a cada porta. pouco mais de uma hora duas vezes. o cheiro a ferro e o cheiro a mar. os passos rumo ao nada. a resposta curta. simples. dantes.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

#

As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra

"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"
Assim nos foi imposto
E não:
"Com o suor dos outros ganharás o pão".

Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito

Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem.

Sophia de Mello Breyner Andresen

#

Bem sei que tudo é natural
Mas ainda tenho coração...

Boa noite e merda!...
(Estala, meu coração!)
(Merda para a humanidade inteira!)

Na casa da mãe do filho que foi atropelado,
Tudo ri, tudo brinca.
E há um grande ruído de buzinas sem conta a lembrar

Receberam a compensação:
Bebé igual a X,
Gozam o X neste momento,
Comem e bebem o bebé morto,
Bravo! São gente!
Bravo! São a humanidade!
Bravo: são todos os pais e todas as mães
Que têm filhos atropeláveis!
Como tudo esquece quando há dinheiro.
Bebé igual a X.

Com isso se forrou a papel uma casa.
Com isso se pagou a última prestação da mobília.
Coitadito do Bebé.
Mas, se não tivesse sido morto por atropelamento, que seria das contas?
Sim, era amado.
Sim, era querido
Mas morreu.
Paciência, morreu!
Que pena, morreu!
Mas deixou o com que pagar contas
E isso é qualquer coisa.
(É claro que foi uma desgraça)
Mas agora pagam-se as contas.
(É claro que aquele pobre corpinho
Ficou triturado)
Mas agora, ao menos, não se deve na mercearia.
(É pena sim, mas há sempre um alívio.)

O bebé morreu, mas o que existe são dez contos.
Isso, dez contos.
Pode fazer-se muito (pobre bebé) com dez contos.
Pagar muitas dívidas (bebezinho querido)
Com dez contos.
Pôr muita coisa em ordem
(Lindo bebé que morreste) com dez contos.

Bem se sabe é triste
(Dez contos)
Uma criancinha nossa atropelada
(Dez contos)
Mas a visão da casa remodelada
(Dez contos)
De um lar reconstituído
(Dez contos)
Faz esquecer muitas coisas
(como o choramos!)
Dez contos!
Parece que foi por Deus que os recebeu
(Esses dez contos).
Pobre bebé trucidado!
Dez contos.

Álvaro de Campos

sábado, 25 de julho de 2009

2

o corpo começa a falhar já os passos tantas vezes dados na mesma estrada de terra batida. o pó levanta mas agora não se aguenta no ar como dantes que o chão fez-se negro e duro. os combates são assim. a táctica do quadrado é demasiado velha e na escola não nos ensinam outras. na escola também não ensinam que a vida é uma puta gorda nas pernas e de tatuagens desbotadas nos braços que engata nas tascas escuras da cidade deserta pelo pôr-do-sol. são coisas que se vão aprendendo à beira de um balcão velho. mas a rotina é assim e depois é demasiado estranho não haver uma luz pequena a amparar o inicio do sonho, do sono, dos sonhos. quase absurdo as varandas continuarem a cair pelo rio mas agora sem gente sentada nelas. o tempo tem destas coisas e depois as pessoas vão ficando confusas quando vêm almas arrastadas em direcção a qualquer coisa que nunca pensaram querer mas vão querendo porque as histórias são quase todas como aquela dos macacos na jaula. como aquela coisa de querer imensamente uma sardinha assada. as canções ainda são aquilo que vão aguentando o mundo mas só em certos dias que nem sempre se pode jurar tudo e mais alguma coisa e na verdade há vidas que cabem até entre duas paragens de autocarro e outras que não iriam caber nunca nem numa imensa volta ao mundo. são maneiras de achar o que se vai sentindo e vendo. mas os autocarros têm o defeito de não serem comboios nem andarem sobre carris. de qualquer maneira há agora uma luz diferente a entrar pela janela. as cortinas passam a ser coisas muito estranhas quando nos damos a viver num mundo sem elas. bolas pretas numa folha de papel diferente, com letras e desenhos e linhas que são estradas e linhas. bolas pretas que hão-de passar a vermelhas quando o papel for outro. a lua agora é também ela uma linha fina fina para daqui a poucos dias ser também uma bola. amarela. a propósito encontrei ainda esta semana um homem assim. amarelo. mas mais pau que bola. coisas que a tal puta de tatuagens desbotadas nos braços faz quando o dia nasce. dizem que dorme nunca, embora não o acredite. acredito nas formigas e nas abelhas muito embora prefira as primeiras às segundas, acredito também nas aranhas e nas cidades imperfeitas com pedaços de chão esburacados e escadas polidas por milhões de passos e palavras. trinar é uma palavra linda.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

e a cada dia que passa cada noite é como que um poço cheio do nada mais negro que pode existir. um vazio profundo e avassalador que corrói a alma. a cada pôr do sol o medo de que a manhã não surja depressa. a angustia das horas que teimam em não passar. o horror dos sonhos. e pensar que em tempos a noite era uma dádiva das horas que corriam depressa demais

#

ouvir as vozes que falam de cavalos e sangue nos cavalos que dançam a meio da tarde por entre o pó que se levanta do chão. e depois ver um chapéu ao longe na cabeça de um puto que podia não o ser. o sol vai caindo, arrastando o dia para outras terras mais distantes e a lua por enquanto ainda se mostra... pela manhã mais alguns hão-de partir rumo a outro mundo num outro lado da bola a que se dá o nome de terra. achatado nos pólos, o globo. o fumo, as cebolas ou qualquer outra coisa fazem com que os olhos se molhem.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

do(s) Mundo(s)



no fundo são só pedaços de frango e diferentes maneiras de olhar para eles.

"há quem viva sem dar por nada
há quem morra sem tal saber"


(e são seis minutos daqueles que valem a pena...)

sexta-feira, 10 de julho de 2009

do ar

Na escola, por entre dois chutos na bola rota ouvia falar de medidas e números e distâncias. Metro, decimetro, centimetro. Segundo, minuto, hora. Fez-me sempre alguma confusão a história do ano-luz, como se fosse possível entender na altura que até a luz se move. Tudo tão certo e alinhado. Depois chovia em pleno Agosto e ninguém percebia nada.

Mas as medidas são só mais uma coisa que o homem inventou por ser incapaz de ver o mundo como na verdade é. A mania crónica de pôr tudo e mais alguma coisa em caixas quadradas demais, mesmo que a olho nú a maioria dos objectos nem tenham forma. Medidas, caixas, etiquetas, rótulos...

Como se três horas e meia alguma vez pudessem ser diferentes de três horas e meia, como se dois cêntimos fossem mais que duas reles peças de metal, como se os relógios pudessem parar as horas todas durante a noite e fazer a manhã tardar por dois dias, como se tudo isto fosse possível. Como se o mundo todo estivesse à distância de um sono mal dormido embalado por um roncar de motor...

Como se. Como se tudo fosse verdade para alguns sendo mentira para outros, como se fosse possível haver maneiras diferentes de olhar a lua em dias que se mostra cheia, como se fosse possível haver mais que um deus aos olhos de quem o acredita, ou até, como se algum dia pudesse o chão abrir-se em dois ao som de um qualquer leão imaginário a rugir.

Prefiro o caos das formas às caixas quadradas, que me desculpe a "Humanidade".

quinta-feira, 9 de julho de 2009

quarta-feira, 8 de julho de 2009

o lado e a garrafa. a mão do corpo sem nome e a tua, também ela quase sem cor, quase sem brilho. o negro da noite salpicado a pontos de luz pelo brilho das estrelas e numa outra parte do mundo, ou talvez aqui ao lado milhões de almas viajam em comboios que levam a todo o lado e a lado nenhum.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

#33

"E é sempre melhor o impreciso que embala do que o certo que basta,
Porque o que basta acaba onde basta, e onde acaba não basta,
E nada que se pareça com isto devia ser o sentido da vida..."

Fernando Pessoa

sexta-feira, 3 de julho de 2009

#32

no fundo do poço cai o corpo na lama mole. desfaz-se a carne, perde-se a alma, sobram os ossos. o poço não tem fundo. o poço tem lama no fundo. as fendas nos ossos contam as histórias que nunca chegaram a ser palavras. histórias de um tempo em que se marcava o corpo ao ritmo das quedas no chão por entre choros e gargalhadas.

no fundo do poço, na pouca água que ainda resta na poça pequena boiam sorrisos e olhares mais uns quantos pedaços de mãos partidas pelo tempo. o mesmo tempo que cavou o poço até este não ter fundo onde repouse a água. onde descansem os ossos. onde morra o corpo cansado da vida vivida a correr por entre os espaços que as horas abriram no velho relógio cheio de pó. faltou-lhe a corda, parou o tempo. deve ter sido por isso que os dias se tornaram todos iguais e os gestos se passaram a esconder no mesmo baú onde se foram fechando também as palavras e as entrelinhas a sete chaves, logo torcidas até partir.

Definições

Casa é a rua e o banco pintado de verde, as pedras frias do chão e a chuva a molhar a cara. Casa são sorrisos abertos e trapézios pendurados no tecto. Casa é o relógio parado. Casa são escadas castanhas debaixo de estrelas. Casa é uma mão. Casa é uma canção a meio da noite. Casa é tudo o que não há-de caber nunca entre quatro paredes e um telhado.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Die mauer



às vezes parece que o tempo não nos ensinou nada...

Estações - Berlin

terça-feira, 23 de junho de 2009

Quase

A palavra toma a forma de algo mais e no fundo será sempre a falta de algo a comandar o lado para onde o mundo há-de girar enquanto, ironia estranha, as borboletas entram no quarto pela janela entreaberta e esvoaçam embalando os olhos de um corpo sem sono.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Tamanduá


"o sol espeta-me agulhas nos olhos: agulhas feitas de linhas de luz. Mas continuo sempre, continuo sempre, continuo"

José Luís Peixoto, Cemitério de Pianos

domingo, 21 de junho de 2009

Tijolo sete

O céu por cima, piceladas de nuvens no tecto azul. Um sotaque meio manhoso e a espécie de casa a muitos metros de distância. Talvez anos-luz. As mais que vistas uvas de barro coladas à parede e o chão quase de pó agora coberto por ladrilhos frios, gelados. A canção-vida-destino-história numa voz desafinada. Coisas simples. Tudo coisas simples e uma luz que teima em não acender.

Tic-tac...

da palavra

"Aprendemos desde pequenos que saudades são coisas boas. Vem nos livros. Conhecemos os poemas de cor. Se a alma dói, dizem-nos que é sinal que se tem qualquer coisa no peito com que doer. Se nos lembramos sem nos querermos lembrar de uma mão que não podemos agarrar, a deixar cair um cigarro, dum cais, dum riso, dizem-nos que isso é bom, que é uma prova de amor. É como dizer que deitar sangue da cabeça quando se bate com a cabeça no chão é bom, porque é sinal que se está vivo.

A ausência, estão sempre a ensinar-nos, é quase melhor do que a presença. A saudade embeleza os sentimentos. A memória melhora. As lágrimas lavam a vista. A saudade dói, mas é doce. É o que nos dizem."

Miguel Esteves Cardoso, A Aventura das Saudades
e era tão mais fácil quando num raio de sol se encontrava toda uma vida

terça-feira, 16 de junho de 2009

do ponteiro dos segundos

O bar mudou de nome, de cor, de gente, de gentes. Acabaram os pratos a voar e os gritos a meio da manhã e o relato da vida do Sr.Freitas. Acabou o preto sem que tal se pudesse evitar. Arrancaram primeiro o prego da parede para depois desaparecer a guitarra e qualquer dia serão as palavras na parede do outro lado...

E a Maggie, onde pára? E todos os outros que foram passando?

Agora até já se atravessa o rio por uma ponte nova. Apareceram livros, canções, filmes... Como é que é possível que se tenha vivido num tempo sem “Fon-fon-fon”? Criaram-se peças de teatro fantásticas e outras menos boas. Abriram bares, fecharam bares, bares mudaram de nome, mudaram de sitio. Acabou o D.D. e o karaoke da quarta também já não é na mesma rua. Também já não há a Chica para cantar e chorar depois aninhada no meio de um corredor.

Descobriram-se varandas, túneis, caves e peles de javali penduradas no tecto.

Dezenas de ovos a voar, um fósforo queimado, centenas de nomes, milhares de gritos. Quantos quilos de carne e batatas? Oito dias passaram a dez.

Rosas, girassois e flores de imitação. Comboios, aviões, autocarros, carros, pés, quilómetros, metros. Chãos de pó, chuva miuda, sol abrasador, brisas leves, areia, jardins. Caixas, ferramentas, o primeiro sábado do primeiro fim-de-semana de Setembro por volta das três da tarde.

Palavras a fazer doer mais que ferros em brasa cravados no peito.

Morte, morte, morte.

Casamentos, divórcios, zangas, partidas, ilhas.

Bengalas e identidades queimadas, fogo, chamas, quente. Andarilhos, sapatilhas amarelas, amanhecer, escadas, ruelas, pés descalços, corridas, “foda-se!”.

Caixas de correio, quartos, barris e copos. Personagens que vão e vêm e passam e entram e saem e desaparecem e reaparecem e desaparecem de vez e tudo isto ao ritmo marcado pelo tic-tac do velho relógio. Latas, garrafas, papel, preto, preto, preto, “vai!”.

Os mapas agora alinhados à direita da estante, o algodão a repousar ao lado e uma aranha a brincar no fio de teia que pende do tecto.

“O mundo nunca deixou de mudar mas lá no fundo é sempre igual”
.

Eles existem I

Enquanto as moscas batem na janela...

...descobri que tenho muitos problemas o número 2.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Não cá

Uma casa ao lado, trinta ruas à esquerda, no andar de cima, três andares acima, três quartos para a direita, algumas centenas de quilómetros para oeste, mil para sul. Algures noutro lado que não aqui, noutro eu que não eu mesmo, lá, além.

Restam os espelhos e os olhos para que o engano persista, para que tudo seja, aparentemente, normal.

Dói-me a cabeça embora não doia.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

(Um)a ironia

"Uma cidadã italiana que devia ter embarcado no voo 447 da Air France, mas não chegou a horas ao aeroporto, morreu num acidente de automóvel na Áustria."

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Junho, 10

No dia em que deixemos de pensar pequeno. No dia em que não se sonhe mais em ser a Califórnia da Europa.

No dia em que a Califórnia deseje ser o Portugal da América.

Será aí cumprido o destino.

Que levante

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a hora!

Valete, Fratres.

Fernando Pessoa, "Nevoeiro"