Mas o bairro não é só isto. É também “casa” de centenas de estudantes que por ali vão passando, por vezes sem dar valor ao local onde moram. Há dias, duas amigas minhas chegaram a casa e não encontraram a roupa onde a tinham deixado a secar, minutos depois chegou a senhoria, que por acaso mora perto, com a roupa na mão, pois tinha começado a chover e a roupa podia molhar-se, então ela tinha-a apanhado. Acho que cada vez se torna mais raro encontrar lugares assim dentro de uma cidade cada vez mais cheia de pessoas que só pensam em si próprias.
sábado, 3 de dezembro de 2005
Bairro
Mas o bairro não é só isto. É também “casa” de centenas de estudantes que por ali vão passando, por vezes sem dar valor ao local onde moram. Há dias, duas amigas minhas chegaram a casa e não encontraram a roupa onde a tinham deixado a secar, minutos depois chegou a senhoria, que por acaso mora perto, com a roupa na mão, pois tinha começado a chover e a roupa podia molhar-se, então ela tinha-a apanhado. Acho que cada vez se torna mais raro encontrar lugares assim dentro de uma cidade cada vez mais cheia de pessoas que só pensam em si próprias.
quinta-feira, 1 de dezembro de 2005
Vale a Pena?
Acredito que há qualquer coisa dentro de nós que é imutável. Certas coisas que faço, faço involuntariamente, mas sempre. São hábitos que vêm de longe e que não consigo controlar. Que culpa é que tenho de por vezes me preocupar com coisas ou pessoas que não me dizem respeito? Não há nada a fazer e nada nem ninguém me pode fazer mudar, porque em sou assim. Deixei aqui uma pergunta há dias e estava curioso para ler as vossas respostas. A minha é não.
Pode Alguém ser quem não é?
diga o que lhe dói
é dor ou saudade
que o peito lhe rói
o que tem, o que foi
o que dói no peito?
- É que o meu homem partiu
Disse-me na praia
frente ao paredão
“tira a tua saia
dá-me a tua mão
o teu corpo, o teu mar
teu andar, teu passo
que vai sobre as ondas, vem”
Pode alguém ser quem não é?
Seja um bom agoiro
ou seja um mau presságio
sonhei com o choro
de alguém num naufrágio
não tenho confiança
já cansa este esperar
por uma carta em vão
“por cá me governo”
escreveu-me então
“aqui é quase Inverno
aí quase Verão
mês d’Abril, águas mil
no Brasil também tem
noites de S. João e mar”
Pode alguém ser quem não é?
É estranho no ventre
ser de outro lugar
e tão confusamente
ver desmoronar
um a um sonhos sãos
duas mãos
passando da alegria ao desamor
Pode alguém ser livre
se outro alguém não é
a algema dum outro
serve-me no pé
nas duas mãos,
sonhos vãos, pesadelos
diz-me:
Pode alguém ser quem não é?
Sérgio Godinho, Pode alguém ser quem não é?
sábado, 26 de novembro de 2005
Terça-Feira
Ora uma visita destas implica praxe, em cada paragem havia uma prova a cumprir e por cada prova cumprida havia bebida à espera. Beberam-se uns bons litrinhos nessa noite. Terminada a visita, por acaso, formaram-se duas trupes, uma masculina e outra feminina, que trataram de dar um novo visual aos caloiros que por ali andavam depois da meia-noite. Acabou por ser algo memorável para eles, que estiveram em lugares que nem sequer sabiam que existiam, e também para nós pois tivemos a certeza que durante mais alguns anos a praxe vai continuar viva, apesar de cada vez mais a quererem matar. Nesse dia Coimbra tal como a conheço vai acabar, e é assim que eu gosto dela. Velha.
quinta-feira, 24 de novembro de 2005
Sem Palavras
Quando as encontrar venho aqui escrever qualquer coisa...
segunda-feira, 21 de novembro de 2005
Ao sabor da corrente
Perdido como quem não vê
Calado como quem não tem resposta para quem o chama
Desesperado, como quem por ter medo da desilusão não ama
Yogi Pijama
Se deixas apagar a chama, estás virado para o desastre
Como uma vela sem mastro
Ou um barco sem leme
Condenado a andar à toa conforme o vento lhe dá
Ao sabor da corrente
Yogi Pijama
Olha que andar ao deus dará nunca foi coisa boa
Yogi Pijama Quebrando os seus ossos na rua
Fugindo da verdade nua
Como se abrir as portas ao Mundo fosse uma coisa obscena
Desencontrado como quem por ter medo da foz o rio condena
Yogi Pijama
Se deixas apagar a chama, estás virado para o desastre
Como uma vela sem mastro
Ou um barco sem leme
Condenado a andar à toa conforme o vento lhe dá
Ao sabor da corrente
Yogi Pijama
Olha que andar ao deus dará nunca foi coisa boa
Yogi Pijama E já que nós nunca estamos sós
Vamos lá desatar os nós
E vamos lá chegar inteiros, onde quer que a vida nos leve
E enquanto é tempo
Deixa ver esse sorriso, que isso torna a pena mais leve
Yogi Pijama
Se deixas apagar a chama, estás virado para o desastre
Como uma vela sem mastro
Ou um barco sem leme
Condenado a andar à toa conforme o vento lhe dá
Ao sabor da corrente Yogi Pijama
Olha que andar ao deus dará nunca foi coisa boa
Yogi Pijama
domingo, 20 de novembro de 2005
Fim
As primeiras perdas são vividas com revolta, um porquê ecoa da nossa mente. Especialmente se não houve tempo para um último adeus… Os anos vão passando e cada vez mais são os que nos deixam. Vezes há em que vão todos de uma vez, como há um par de anos em que perdi três pessoas. Nesta altura instala-se um certo conformismo. E quando finalmente morre um colega nosso num acidente de carro a apatia toma conta de nós. Os porquês e desaparecem e a inevitabilidade torna-se numa espécie de fantasma que vai aparecendo de vez em quando.
Por norma as pessoas têm um certo receio em abordar o tema morte. Arrepia quando nos vemos numa situação de aflição extrema, quer seja por termos comido um “after-eight” na altura errada ou por haver um pesadelo qualquer que nos faz acordar num sobressalto.
Também eu tenho medo, medo de cair numa cama e não me poder voltar a levantar, medo de ter de ficar completamente dependente de alguém até para satisfazer as minhas necessidades mais básicas. Tenho medo da doença. E de uma coisa eu tenho a certeza. Não quero morrer devagar.
terça-feira, 15 de novembro de 2005
Morte
Chamava-se Alexandre, tinha 72 anos e foi a primeira pessoa a cortar o meu cabelo.
domingo, 13 de novembro de 2005
Semelhanças em décibeis...
Até que um dia cheguei, não sei como a um blog desta menina. O já extinto Brainstorming, agora substituído pelo Escritonauta. O salto até ao Voz Obliqua foi inevitável. Por esta altura comecei a ver também o Sol de Londres, agora Maria Lua. De salto em salto descobri mais uns quantos até que chegou a altura de fazer um.
O objectivo principal era escrever coisas. Mais nada do que coisas. Coisas que tivessem qualquer coisa a ver com Coimbra. Depressa o objectivo principal passou para segundo plano. E lentamente comecei a deixar por aqui pequenos pedaços de mim.
Esperava também, neste mundo que é a blogosfera, poder trocar ideias e “conhecer” pessoas que de uma maneira ou outra tivessem qualquer coisa a ver comigo.
Ora quem vai passando por aqui já deve ter percebido que a musica é algo que para mim tem uma importância tão grande que chega quase a ser absurda.
E tendo eu uns gostos musicais esquisitos para grande parte das pessoas, pelo que me vão dizendo, a coisa que menos estava à espera era de encontrar por aqui alguém que ouve o mesmo que eu. Não é normal, acho eu, estar a ouvir um CD e imediatamente lembrar-me de alguém que não sei sequer quem é…
Há sons que ficam nos nossos ouvidos. Sons que fazem as palavras sairem de uma forma diferente. Como estas. E porque ao ler isto arrepiei-me ligeiramente. Semelhanças? Ou será que este é mesmo feiticeiro?
Como o mar...
Anda brincar
Que o Sol está lá fora à espera de te ouvir cantar
Acorda, menina linda
Vem oferecer
O teu sorriso ao dia
Que acabou de nascer
Anda ver que lindo presente
A aurora trouxe para te prendar
Uma coroa de brilhantes para iluminar
O teu cabelo revolto como o mar
Acorda, menina linda
Anda brincar
Que o Sol está lá fora à espera de te ouvir cantar
Acorda, menina linda
Vem oferecer
O teu sorriso ao dia
Que acabou de nascer
Porque terras de sonho andaste
Que Mundo te recebeu
Que monstro te meteu medo
Que anjo te protegeu
Quem foi o menino que o teu coração prendeu ?
Acorda, menina linda
Anda brincar
Que o Sol está lá fora à espera de te ouvir cantar
Acorda, menina linda
Vem oferecer
O teu sorriso ao dia
Que acabou de nascer
Anda a ver o gato vadio
À caça do pássaro cantor
Vem respirar o perfume
Das amendoeiras em flor
Salta da cama
Anda viver, meu amor
Acorda, menina linda
Vem oferecer
O teu sorriso ao dia
Que acabou de nascer
terça-feira, 8 de novembro de 2005
Manif
Amanhã há mais uma manifestação de estudantes do ensino superior, e após várias horas a pensar na coisa decidi ficar em casa (nas aulas). É a primeira a que vou faltar. Eu acho que temos que protestar, acho que nos estão a cortar cada vez mais direitos. Reconheço isto tudo. Agora não acho que todas estas coisas possam ser feitas de ânimo leve e com um fim que não o previsto. Sendo eu de Coimbra tenho a certeza que a AAC vai para a cabeça da Manif, não porque seja melhor para os estudantes, mas única e exclusivamente para autopromoção. Fica sempre bem aparecer nos telejornais!
E mais uma vez. Pelo que tenho visto aqui por Coimbra os verdadeiros prejudicados com a situação são os que menos se importam. E quando chega a hora de tomar alguma atitude não a tomam.
Eu imagino o que seriam vinte mil estudantes (falando só de Coimbra) a “caminhar” para Lisboa. Eu imagino esses estudantes juntos com os do Norte a chegar a Lisboa. E vejo também os do Sul a vir para cima. Esta imagem só em sonhos.
Por agora fico em casa, mas não me calo.
“Não adianta olhar para o céu com muita fé e pouca luta”
Emigrante
Eu quero ser emigrante. Não sei quando, mas qualquer dia quero ir embora deste país em busca de um lugar melhor.
Apesar de gostar deste país onde nasci, sempre me vi como cidadão do mundo. Do mesmo mundo onde morre uma pessoa de fome a cada três segundos, do mesmo mundo onde na sede de uma igreja se bebe vinho por cálices de ouro.
E como cidadão do mundo quero ser aceite como sou em qualquer parte deste, com as minhas virtudes e os meus defeitos. E quando sair desta terra, espero poder encontrar uma cidade que me acolha, e quero fundir-me nela, e se possível mudá-la. Por esta altura vejo que muita gente pensa como eu…
“Na terra dos sonhos toda a gente trata a gente toda por igual…”
O que eu acho que vai acontecer graças aos incidentes de Paris
A França entra em ruptura com a EU;
Após a França, sai a Alemanha;
Com a divisão Portugal e Espanha ficam isolados;
Espanha anexa Portugal e vamos passar a viver na Ibéria;
Parece-me que em 2010 vamos viver melhor.
sábado, 5 de novembro de 2005
Chuva (to C.F.)
Adoro chuva. Dá-me um gozo especial andar pela rua com a água a cair-me em cima. Nem sei porque é que as pessoas se recolhem tanto…
Se repararmos bem as crianças também gostam de andar à chuva, até que aparece um adulto refilão a dizer “Sai da chuva que te faz mal…”.
Se não aproveitarmos nesta vida tudo o que nos faz sentir bem, mesmo que depois haja algumas consequências que andamos nós a fazem neste mundo?
A chuva é boa e lava a alma (se é que ela existe…). E eu gosto de andar à chuva!
Já tinha escrito este post antes de ler isto. É preciso navegar, antes que o barco se afunde...
Acaso
quinta-feira, 3 de novembro de 2005
terça-feira, 1 de novembro de 2005
O Mundo é uma tangerina
Uma definição original é aquela que diz que "O mundo é um ovo". Ora, eu discordo. Para mim o mundo é uma tangerina. Eu adoro tangerinas, tal como diz a canção, conseguem ser amargas e doces ao mesmo tempo. Os gomos da tangerina somos nós, pois estamos todos ligados de uma maneira ou de outra. Se assim não for, quero que me expliquem como é que das pessoas que mais me marcaram, e não são tantas quanto isso, uma é Checa e outra Venezuelana. E já agora como é que o melhor dia da minha vida, até hoje, foi passado em França! Pois a terra é grande, mas pequenina, do tamanho de uma tangerina.
Ainda falta a parte dos salpicos que por vezes nos fazem chorar, e que dizer dos caroços que por vezes custam a engolir. Temos que abrir a tangerina que é o mundo e saborear até ao fim o seu sabor. Mesmo que pelo meio haja um gomo menos sumarento, não passa da mera excepcção que confirma a regra.
O primeiro gomo da tangerina
ver a menina
ao primeiro gomo da tangerina
menina atenta
não experimenta
sem primeiro
saber do cheiro
o sabor nos lábios
gestos sábios
Fruta esquisita
menina aflita
ao primeiro gomo da tangerina
amarga e doce
como se fosse
essa a hora
em que chora
e depois dobra o riso
e assim faz seu juízo
Sumo na vida
é o que eu te desejo
rumo na vida
um beijo
um beijo
Ah, que se lembre
Sempre a menina
do primeiro gomo da tangerina
p’la vida dentro
é esse o centro
da parede da vitamina
que a faz crescer sempre menina
A terra é grande
é pequenina
do tamanho apenas da tangerina
quem mata e morre
nunca percorre
os caminhos do que há de melhor
nesse sumo
a vida, gomo a gomo
Sumo na vida
é o que eu te desejo
rumo na vida
um beijo
um beijo
sexta-feira, 28 de outubro de 2005
Convite
De 27 a 30 de Outubro. Apareçam, não se vão arrepender...
Latada I
O cortejo da Latada deste ano também foi algo para mais tarde recordar. Por incrivel que possa parecer, ao contrário dos outros anos em que me farto de perder gente, este ano consegui unir muitos daqueles que, há partida estariam separados. Há qualquer coisa que me anda a escapar no meio disto tudo... O grande Quim esteve à sua altura, mas melhor ainda esteve a Orxestra que tocou para um pavilhao cheio que neu um ovo. O pessoal "Erasmus" ficou parvo com aquele espectáculo...
Há muito mais para dizer, mas não por hoje.
#1
Que dá cabo do desejo
E a liberdade é uma maluca
Que sabe o quanto vale um beijo "
Pedaços
-Aulas
-Latada
-Organização da festa da terrinha
-Campeonato europeu de ginastica e fitness, como voluntário
-O part-time
-O outro part-time não remunerado
-Curso de Alemão
-E as guitarradas...
E pensar que há alturas em que não tenho nada que fazer...
Tempo
Obrigado aos que não deixaram de cá vir. Voltem que eu tenho muito para escrever.
domingo, 23 de outubro de 2005
Upside down...
quinta-feira, 20 de outubro de 2005
Serenata
Aliás a coisa mais comum de se ver são lágrimas e sorrisos, também ao mesmo tempo. O que foi estranho foi a sensação de vazio que senti no fim. Lá (cá) no fundo faltava qualquer coisa, as memórias da queima ainda não me deixam sossegar a mente. Nem os convivios deram para atenuar a saudade que teima em não me largar...
Pode ser que o grande Quim, na Terça me anime mais o espirito...
segunda-feira, 17 de outubro de 2005
sábado, 15 de outubro de 2005
Baco & Companhia
Dez minutos de conversa e pus-me a pensar em tudo aquilo que elas me tinham dito. Pensei, pensei e acho que talvez devêssemos regredir um pouco no tempo e passar a acreditar nos deuses de Roma (ou da Grécia, como preferirem). Para mim, o objectivo de toda e qualquer religião é nada mais do que dar uma hipotética segurança às pessoas que nela acreditam. No caso da "minha" disseram-me que existe um deus que cuida de nós e que não castiga, e, em último caso, julga para depois perdoar. Ora, pelo que vejo as pessoas culpam o "nosso" deus por tudo... Será justo?
Não querendo discutir verdades ou mentiras, muito menos crenças, acho que neste campo os Romanos eram muito mais evoluídos. Para cada função existia um deus, como agora temos ministros. Apesar de estarem todos ligados e pedirem favores uns aos outros cada um tratava da sua pasta.
Nestas coisas sempre adorei o Baco, e apesar de já quase ninguém falar nele eu acho que anda por ai. Com uma pequena condicionante, aparece mais vezes de noite. Mas quando aparece faz-se notar. Normalmente vem acompanhado por Vénus, as coisas ficam sempre mais bonitas... Não sei se existia algum Deus da verdade, mas se o houve, também acompanha os outros dois. E mais interessante é quando os outros são tomados por Baco, e por momentos o mundo tal como o conheciamos dá uma volta e a partir daí nada fica igual.
Uma das coisas que não entendo é por que é que há pessoas que precisam de beber para dizer certas coisas, ou para agir de certa maneira. Mas ainda bem que Ele anda por ai. Quero desejar-Lhe boa sorte, pois vai ter muito trabalho esta latada...
sexta-feira, 14 de outubro de 2005
E a Sé tão perto...
And smiles you'll give and tears you'll cry
And all you touch and all you see
Is all your life will ever be."
terça-feira, 11 de outubro de 2005
As Trupes, outra vez
Esta rivalidade entre estudantes e fútricas não vinha só das diferenças sociais, mas também de um pequeno pormenor: os estudantes tinham o hábito de se “atirarem” às lavadeiras do Mondego. É desse tempo que vêm as famosas serenatas. Sendo assim era perigoso andar pela baixa, e quando se aventuravam, as sessões de pancada eram intermináveis, pelo menos até ao momento em que chegavam as autoridades. Não que elas resolvessem alguma coisa, mas todos se viravam contra as forças policiais. Para proteger os estudantes foram criadas as Trupes, que tinham como função não só punir aqueles que se aventuravam a andar pela rua a horas menos próprias, mas também proteger as “fronteiras” da alta. Não é por acaso que as insígnias da praxe são a tesoura, a colher de pau e a moca. Se bem que o objectivo da tesoura e da colher de pau era a praxe punitiva (aos caloiros era rapado o cabelo, e aos doutores era aplicada a sanção de unhas), já a moca servia de defesa contra possíveis invasores. Nessa altura as Trupes poderiam actuar a partir das seis da tarde, hora em que a Cabra tocava pela última vez. Segundo o actual código da praxe as Trupes podem ser formadas a partir da meia-noite, junto à porta férrea. Os caloiros que forem apanhados na rua depois da meia-noite são rapados. Aos doutores é aplicada a sanção de unhas que consiste em apanhar com a colher de pau nas unhas tantas vezes quantas as matrículas (em número impar, quando em número par arredonda-se para cima) de cada elemento da Trupe. As horas a que os doutores podem andar na rua variam consoante a sua hierarquia na praxe. Os elementos da Trupe devem andar de cara tapada com a capa traçada de modo a que não se veja branco no traje. Os membros da trupe também não podem ser reconhecidos sob pena de a Trupe ser desmobilizada. A tradição é para ser mantida, e quem aceita a praxe tem de a aceitar tal como é. Com todas as suas virtudes e defeitos.
A Praxe é dura mas é a Praxe.
domingo, 9 de outubro de 2005
Ciclo
Dia após dia, ano após ano, as situações vividas vão sendo idênticas, embora com pessoas diferentes em locais distintos. Mas as palavras, o modo de ver as coisas, a construção de uma amizade, as afinidades que vem ao cimo, tudo isto é igual. Sempre!
Na quinta-feira, fiz parte de uma trupe. Durou pouco tempo, foi verdade, mas o mais importante dessa noite nem sequer foram os cabelos que cairam no chão. Tudo o que fizemos antes e depois é o que torna certas noites em momentos para recordar um dia mais tarde.
E o grupo de pessoas que gira à minha volta vai sendo cada vez maior (e melhor)...
"O que presta é o que resta em nós..."
Porque hoje é dia de Eleições
peço apenas dois minutos de atenção
é pra contar a história de um amigo
Casimiro Baltazar da Conceição
O Casimiro talvez você não conheça
a aldeia donde ele vinha nem vem no mapa
mas lá no burgo por incrível que pareça
era mais famoso que no Vaticano o Papa
O Casimiro era assim como um vidente
tinha um olho mesmo no meio da testa
isto para lá dos outros dois é evidente
por isso façamos que ia dormir a sesta
Ficava de olho aberto
via as coisas de perto
que é uma maneira de melhor pensar
via o que estava mal
e como é natural
tentava sempre não se deixar enganar
e dizia ele com os seus botões
Cuidado Casimiro
cuidado com as imitações
cuidado minha gente
cuidado justamente com as imitações
Lá na aldeia havia um homem que mandava
toda a gente um por um pôr-se na bicha
e votar nele e se votassem lá lhes dava
um bacalhau um pão-de-ló uma salsicha
E prometeu que construía um hospital
uma escola e prédios de habitação
e uma capela maior que uma catedral
pelo menos a julgar pela descrição
Mas o Casimiro que era fino de ouvido
tinha as orelhas equipadas com radar
ouvia o tipo muito sério e comedido
mas lá por dentro com o rabinho a dar a dar
E punha o ouvido atento
via as coisas por dentro
que é uma maneira de melhor pensar
via o que estava mal
e como é natural
tentava sempre não se deixar enganar
e dizia ele com os seus botões
Cuidado Casimiro ...
Ora o tal tipo que mandava lá na aldeia
estava doido já se vê com o Casimiro
de cada vez que sorria à plateia
lá se lhe viam os dentes de vampiro
De forma que para comprar o Casimiro
em vez do insulto do boicote ou da ameaça
disse-lhe Sabe que no fundo o admiro
vou erguer-lhe uma estátua aqui na praça
Mas o Casimiro que era tudo menos burro
e tinha um nariz que parecia um elefante
sentiu logo que aquilo cheirava a esturro
ser honesto não é só ser bem-falante
A moral deste conto
vou resumi-la e pronto
cada qual faz o que melhor pensar
não é preciso ser
Casimiro para ter
sempre cuidado para não se deixar levar
Cuidado Casimiro ...
Sérgio Godinho, Cuidado com as Imitações
Hora da sesta
segunda-feira, 3 de outubro de 2005
Dois Mundos
Embora prefira estar em Coimbra, não consigo deixar a minha aldeola para trás. Não só por não ter muita lógica, dada a distância, mas também porque há algo que me prende aqui. E é dessa tal coisa que ando à procura. As pessoas não são concerteza, uma vez que ao nascer foram dotadas de umas pálas que não lhes permitem ver mais nada se não aquilo que têm à frente. Para elas o mundo é assim (como o vêm, não como ele existe) e assim mesmo. Talvez seja a minha casa... Não sei. A familia também não é o que me prende. Mas dia após dia sinto vontade de voltar...
De manhã, ao passar a ponte entro num mundo novo, onde tenho os meus amigos, onde posso sair à noite sem me importar se salto se grito ou se vomito, onde tenho meia duzia de casas para ficar quando quiser, onde está a minha escola em que passo grande parte do tempo (bar incluido), onde ando trajado sem ter meio mundo a olhar para mim. Foi também em Coimbra que tive alguns dos melhores dias da minha vida, por entre queimas, latadas e noites bem passadas. Foi em Coimbra que me perdi tantas vezes quando nem sequer sabia que autocarros apanhar. É sem duvida a minha terra, não de sempre mas para sempre.
sábado, 1 de outubro de 2005
Afinidades
Uma guitarra no canto do bar a tocar uns acordes de "Frágil", eu no canto oposto a cantarolar, a "I" (como é moda, também vou tratar as pessoas assim...) noutro
canto também a esboçar uns sorrisos. Próxima musica "Deixa-me rir", "Dá-me lume" de seguida, e não deu para resistir. Foi o "Jeremias o fora da lei" que nos uniu. Já depois de ter ganho um amigo por causa da "Pequenina", vieram mais estes dois pelo Jorge.
Lembrei-me desta história porque veio à baila no outro dia. Já agora a "I", também cantarolava esta o ano passado em casa. Descobri na quinta-feira. Adoro estas afinidades...
Jeremias escolheu o seu lugar do lado de fora"
terça-feira, 27 de setembro de 2005
E se o vinho era bom...
e outra maré cheia virá da maré vazia
nasce um novo dia e no braço outra asa
brinda-se aos amores com o vinho da casa
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida."
domingo, 25 de setembro de 2005
MFA II
Alguém Sabe?
Não sei, mas gostava de saber. Porque é que cada vez que os sonhos se desfazem como castelos de areia, me recordo que eles existem apenas para nos lembrar que talvez exista um outro mundo, se calhar melhor. Não sei, mas tenho uma enorme vontade de descobrir. E se é verdade que a curiosidade matou o gato, deve ter sido dificil, uma vez que ele tinha sete vidas para gastar. Mas eu não. Só tenho uma, que é esta que estou a "viver" agora sentado à frente de uma máquina.
Porque me queixo? Estou aqui porque quero... Ou será pelo contrário. Será porque não quero estar em nenhum dos lugares onde podia ter ido em vez de ficar em casa? Será que estou farto de todas as pessoas que vejo à minha volta? Não sei. Não tenho resposta para estas perguntas, talvez por não estar muito interessado em procurá-la. Ou talvez por ter medo de a encontrar. É estranho ter que viver por trás de uma barreira. É dificil ter que, por vezes, medir palavras. Não me ensinaram isso na escola...
Que adianta conhecer montes de gente, se muitos deles não são mais do que um monte de carne e ossos, regados por sangue e álcool. Que adianta ter o mundo na palma da mão se a minha mão é tão pequena quanto o mundo? Estou confuso. Acho que me resta ser eu mesmo, dia após dia...
E esperar, esperar até encontrar um lugar melhor.
quinta-feira, 22 de setembro de 2005
MFA
Movimento força Alegre. As paredes começam a ganhar cor, pode ser que as pessoas ganhem consciência...
Para mim, o único politico honesto deste país.
quarta-feira, 21 de setembro de 2005
Por pedido da Menina Taina...
1. Gente Apressada
2. Pessoas ingratas
3. Autocarros que não passam
4. Cheiro a sovaco
5. Bebedos inconscientes
Gosto especialmente de:
1. Música;
2. Vegetar, ou seja, estar ao sol sem fazer nenhum, tipo vegetal;
3. Deambular;
4. Rir;
5. Jantares com boa(s) companhia(s)
5 álbuns:
1. Ornatos Violeta - Cão!
2. Clã - Rosa Carne
3. Sergio Godinho - Campolide
4. Nirvana - In Utero
5. Pink Floyd - The Wall Live
6. Xutos & Pontapés - Ao vivo no RRV
7. Mamonas Assasinas - Mamonas Assasínas (tinha de ser)
5 canções:
1. Starring at the sun - U2
2. Dumb - Nirvana
3. Only pain is real - Silence 4
4. Só eu sei ver - Toranja
5. Capitão Romançe - Ornatos Violeta
6. Jeremias, o fora da lei - Jorge Palma
5 álbuns no IPod (ou não):
1. U2- Please (live single)
2. Toranja - Segundo
3. Tony Carreira - Ao vivo no pavilhão Atlântico
4. Jorge Palma - No tempo dos Assasinos
5. Sergio Godinho - Rivolitz
5 pessoas a quem passo a palavra:
1.C'est Moi
2.Rakel
3.Maria
4.Shootingstar
5.Kikas
segunda-feira, 19 de setembro de 2005
Desperdicio
Há dias e dias. E naquelas alturas em que não apetece sair de casa, porque por uma razão ou por outra, o corpo está cansado demais e a vontade de ir a qualquer lado é muito pouca não há nada melhor do que dar uma voltinha mental. Lavar as ideias também faz bem.
Numa altura em podia ter pensado em qualquer coisa útil, pensei naquele que deve ser o mais inútil dos países. Esse mesmo, Portugal. E nós Portugueses, seremos também inúteis?
Eu vivo num país onde domina o desperdício, em todos os sentidos, senão vejam:
Temos sol, vento, mar e rios, logo estamos energeticamente dependentes do petróleo para produzir energia;
Temos falta de médicos, então, em vez de criarmos condições que permitam formar mais, as nossas universidades e politécnicos abrem vagas para cursos sem saídas profissionais;
O nosso estado paga salários a reformados, que já ganhavam valores absurdos. Ou seja, temos reformados a ganhar a dobrar. E eu que pensava que a reforma era uma maneira de quem não trabalha poder ganhar qualquer coisa;
Dia após dia mandam-nos poupar àgua, no entanto as rotundas de Coimbra são regadas a meio da tarde e os repuxos não param de correr;
Num país de poetas e cantores, os D’zrt estão no primeiro lugar do top, enquanto que o que de bom se faz na nossa música nem na rádio tem passa;
Quando os nossos dois principais candidatos a Presidente da República, são aqueles que nos conduziram a este esta situação, não estaremos a falar de desperdício de ideias de gente mais dinâmica?
Como se todos estes desperdícios não bastassem, também vivemos num país onde:
Os nossos professores do norte estão colocados no sul e vice-versa;
A floresta arde ano após ano e em vez de comprar meios aéreos compramos submarinos (terão asas?);
Não se respeitam aqueles que pensam de maneira diferente;
Os jornais mais lidos são o “Record”, a “Bola”e o “24 Horas”;
Ainda há quem veja “notícias” na TVI;
Não se sabe que a República Checa não é uma ilha do Pacifico, mas sim um país da Europa;
Dia após dia as pessoas sorriem cada vez menos nas fotografias que aparecem nos jornais.
Porque é que eu tenho orgulho em ser Português?
domingo, 18 de setembro de 2005
Agora é de vez
Por isso ficam aqui estas palavras, que me faz lembrar tudo o que tem sido a minha vida por Coimbra.
"Desfaz-se o tempo em rotinas e vontades
Em projectos e verdades
Em desgostos que se alastram
Em vestígios destorcidos
De nascentes que encontramos.
E é sempre quando seca
Que tudo se tem que agarrar a tudo que faz fugir
E a verdade passa a estar no fundo de um copo cheio do que se quer ser
e a Beata no chão que faz os olhos arder
É nova moda nas crianças que ainda estão a aprender
Como têm que estar e andar e beber e dançar e comer e falar e ouvir e sentar
e sorrir para saber existir!
Só eu sei ver o sol nascer
Desfaço-me em pedaços em retratos
Em mentiras que trocámos e abraçámos
Sim, fugimos, mas voltamos!
E o que presta é o que resta em nós...
No fim de festa onde todos sabemos quem somos
Ou que não se quer lembrar ou quem precisa de estar
Perdido noutro sonho
A mesmo noite o mesmo copo o mesmo corpo
A mesma sede que não sabe secar,
Onde se encontra sem se procurar
Onde se dança o que estiver a tocar,
Muito fumo, muito fogo,
Muito escuro onde somos o que queremos
Quase somos o que queremos
Quase fomos o que queremos...
Só eu sei ver o sol nascer"
Toranja, Só eu sei ver
sexta-feira, 16 de setembro de 2005
Mais um trabalho
Mais Magia
Hipócritas
Voltando à primeira frase, conheci umas pessoas de quem não gosto, não sou só eu que não gosto delas, mas até aqui tudo muito bem. O que me custa a aceitar é que haja quem seja capaz de estar a sorrir, e rir, e falar muito bem, e dizer maravilhas, e, e....
Tudo isto para meia hora depois estarem a dizer que não gostam dos outros (das outras, no caso). Para mim é inconcebivel. Ainda não viram um sorriso meu. Nem hão-de ver!
Guia
É isso que eu quero "ensinar" aos moços e moças que chegaram da Alemanha para estudar em Coimbra. Que adianta viver perto da Sé se não sabem quem viveu na casa em frente?
quinta-feira, 15 de setembro de 2005
domingo, 11 de setembro de 2005
Porque um génio tem sempre palavras para o momento
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança,
e o Dono da Tabacaria sorriu.